Pular para o conteúdo principal

Faz 30 anos que uma nave espacial detectou vida na Terra

Carl Sagan fez com que a nave robô da Nasa Galileu fizesse um teste para saber se ela conseguia mesmo descobrir vida em um planeta. E o planeta escolhido foi a Terra


GARETH DORRIAN
pesquisador de pós-doutorado 
em Ciências Espaciais, na
Universidade de Birmingham,
Inglaterra

The Conversation
plataforma de informação
e análise produzida por 
acadêmicos e jornalistas

Já se passaram 30 anos desde que um grupo de cientistas liderado por Carl Sagan encontrou evidências de vida na Terra usando dados de instrumentos a bordo da espaçonave robótica Nasa Galileu. Sim, você leu corretamente. Entre as suas muitas pérolas de sabedoria, Sagan ficou famoso por dizer que a ciência é mais do que um corpo de conhecimento – é uma forma de pensar.

Em outras palavras, a forma como os humanos realizam a descoberta de novos conhecimentos é pelo menos tão importante quanto o próprio conhecimento.

Neste sentido, o estudo foi um exemplo de “experiência de controle” – uma parte crítica do método científico. Isto pode envolver perguntar se um determinado estudo ou método de análise é capaz de encontrar evidências de algo que já sabemos.

Suponhamos que alguém passasse pela Terra em uma espaçonave alienígena com os mesmos instrumentos a bordo que Galileu tinha. Se não soubéssemos mais nada sobre a Terra, seríamos capazes de detectar vida aqui de forma inequívoca, usando apenas estes instrumentos (que não seriam otimizados para encontrá-la)? Se não, o que isso diria sobre a nossa capacidade de detectar vida em qualquer outro lugar?

O Galileu foi lançado em outubro de 1989 num voo de seis anos até Júpiter. No entanto, Galileu teve primeiro de fazer várias órbitas no interior do sistema solar, em sobrevoos próximos da Terra e de Vênus, a fim de ganhar velocidade suficiente para chegar a Júpiter.

Em meados da década de 2000, os cientistas recolheram amostras de sujidade do ambiente semelhante a Marte do deserto chileno do Atacama, na Terra, que é conhecido por conter vida microbiana. Eles então usaram experimentos semelhantes aos usados ​​na espaçonave Viking da NASA (que tinha como objetivo detectar vida em Marte quando pousaram lá na década de 1970 ) para ver se era possível encontrar vida no Atacama.

Eles falharam – a implicação é que se a sonda Viking tivesse aterrado na Terra, no deserto do Atacama, e realizado as mesmas experiências que fizeram em Marte, poderia muito bem ter perdido assinaturas de vida, embora se saiba que esta está presente.

Resultados Galileu

Galileu foi equipado com uma variedade de instrumentos projetados para estudar a atmosfera e o ambiente espacial de Júpiter e suas luas. Isso incluiu câmeras de imagem, espectrômetros (que decompõem a luz por comprimento de onda) e um experimento de rádio.

É importante ressaltar que os autores do estudo não presumiram quaisquer características da vida na Terra ab initio (desde o início), mas tentaram derivar as suas conclusões apenas a partir dos dados. O instrumento espectrômetro de mapeamento por infravermelho próximo (NIMS) detectou água gasosa distribuída pela atmosfera terrestre, gelo nos polos e grandes extensões de água líquida “de dimensões oceânicas”. Também registrou temperaturas variando de -30°C a +18°C.

Evidência para a vida? Ainda não. O estudo concluiu que a detecção de água líquida e de um sistema meteorológico aquático era um argumento necessário, mas não suficiente.

O NIMS também detectou altas concentrações de oxigênio e metano na atmosfera da Terra, em comparação com outros planetas conhecidos. Ambos são gases altamente reativos que reagiriam rapidamente com outros produtos químicos e se dissipariam em um curto período de tempo. 

Terra e Lua vistas pela
espaçonave Galileu 
a 6 milhões de km

IMAGEM: NASA

A única maneira de manter tais concentrações destas espécies seria se elas fossem continuamente reabastecidas por algum meio – mais uma vez sugerindo, mas não provando, vida. Outros instrumentos da espaçonave detectaram a presença de uma camada de ozônio, protegendo a superfície da prejudicial radiação UV do Sol.

Pode-se imaginar que uma simples olhada pela câmera seja suficiente para detectar a vida. Mas as imagens mostraram oceanos, desertos, nuvens, gelo e regiões mais escuras na América do Sul que, apenas com conhecimento prévio, sabemos, claro, serem florestas tropicais. 

No entanto, uma vez combinada com mais espectrometria, descobriu-se que uma absorção distinta de luz vermelha se sobrepunha às regiões mais escuras, o que o estudo concluiu ser “fortemente sugestivo” de absorção de luz pela vida vegetal fotossintética. Nenhum mineral era conhecido por absorver luz exatamente dessa maneira.

As imagens de maior resolução obtidas, conforme ditado pela geometria do sobrevoo, foram dos desertos da Austrália central e das camadas de gelo da Antártica. Portanto, nenhuma das imagens tiradas mostrava cidades ou exemplos claros de agricultura. A espaçonave também passou perto do planeta durante o dia, de modo que as luzes das cidades à noite também não eram visíveis.

De maior interesse, porém, foi o experimento de rádio de ondas de plasma de Galileu. O cosmos está repleto de emissões naturais de rádio, mas a maior parte é de banda larga. Isto é, a emissão de uma determinada fonte natural ocorre em muitas frequências. 

As fontes de rádio artificiais, pelo contrário, são produzidas numa banda estreita: um exemplo quotidiano é a sintonia meticulosa de um rádio analógico necessária para encontrar uma estação no meio da estática.

Um exemplo de emissão natural de rádio da aurora na atmosfera de Saturno pode ser ouvido abaixo. A frequência muda rapidamente – ao contrário de uma estação de rádio.

Galileu detectou emissões de rádio de banda estreita consistentes da Terra em frequências fixas. O estudo concluiu que isto só poderia ter vindo de uma civilização tecnológica e só seria detectável no século passado. 

Se a nossa nave espacial alienígena tivesse feito o mesmo sobrevoo pela Terra em qualquer momento nos poucos bilhões de anos anteriores ao século XX, então não teria visto nenhuma evidência definitiva de uma civilização na Terra.

Talvez não seja surpresa que, até agora, não tenha sido encontrada nenhuma evidência de vida extraterrestre. Mesmo uma espaçonave voando a poucos milhares de quilômetros da civilização humana na Terra não tem garantia de detectá-lo. Experimentos de controle como este são, portanto, críticos para informar a busca por vida em outros lugares.

Na era atual, a humanidade já descobriu mais de 5.000 planetas em torno de outras estrelas, e até detectamos a presença de água nas atmosferas de alguns planetas. A experiência de Sagan mostra que isto não é suficiente por si só.

Um forte argumento a favor da existência de vida noutros locais exigirá provavelmente uma combinação de evidências que se apoiem mutuamente, tais como a absorção de luz por processos semelhantes aos da fotossíntese, a emissão de rádio em banda estreita, temperaturas e condições meteorológicas modestas e vestígios químicos na atmosfera que são difíceis de explicar por meios não biológicos. 

À medida que avançamos para a era de instrumentos como o telescópio espacial James Webb , a experiência de Sagan continua tão informativa agora como era há 30 anos.

• Carl Sagan escreve sobre um 'pálido ponto azul' nos cosmos, a Terra

• Lições de mortalidade que recebi do meu pai, Carl Sagan

• Não há esperança fora da ciência, diz viúva de Sagan

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Dias sofre ameaça de morte por pedir retirada de Deus do real

"Religião também é usada para violar os direitos humanos" O procurador Jefferson Aparecido Dias (foto), da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal em São Paulo, vem sofrendo ameaças de morte desde que deu entrada a uma ação na Justiça pedindo a retirada da expressão “Deus seja louvado” das cédulas real. “Eu estou sendo ameaçado por causa dessa ação, por cristãos”, disse em entrevista a Talita Zaparolli, do portal Terra. “Recebi alguns emails com ameaças, em nome de Deus.” O procurador tem se destacado como defensor da laicidade do Estado brasileiro. Em 2009 ele ajuizou uma ação pedindo a retirada de símbolos religiosos das repartições públicas federais. Dias, que é católico, recorreu à Bíblia para defender a laicidade prevista na Constituição. “Em nenhum momento Jesus deu a entender, para quem é cristão, que o dinheiro deveria trazer o nome dele ou o nome de Deus”, disse. “Acho que é uma inversão de valores.” Na entrevista, ele...

BC muda cédulas do real, mas mantém 'Deus seja Louvado'

Louvação fere o Estado laico determinado pela Constituição  O Banco Central alterou as cédulas de R$ 10 e R$ 20, “limpou” o visual e acrescentou elementos de segurança, mas manteve a expressão inconstitucional “Deus seja Louvado”.  As novas cédulas, que fazem parte da segunda família do real, começaram a entrar em circulação no dia 23. Desde 2011, o Ministério Público Federal em São Paulo está pedindo ao Banco Central a retirada da frase das cédulas, porque ela é inconstitucional. A laicidade determinada pela Constituição de 1988 impede que o Estado abone qualquer tipo de mensagem religiosa. No governo, quanto à responsabilidade pela manutenção da frase, há um empurra-empurra. O Banco Central afirma que a questão é da alçada do CMN (Conselho Monetário Nacional), e este, composto por um colegiado, não se manifesta. Em junho deste ano, o ministro Marco Aurélio, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse que a referência a Deus no dinheiro é inconcebível em um Estado mode...

Malafaia desmente fim de acordo entre sua editora e Avon

com atualização em 22 de junho de 2012 Pastor diz que falsa notícia foi safadeza de gays Silas Malafaia (foto) desmentiu a informação divulgada pelo site "A Capa", do movimento gay, e reproduzida por este blog segundo a qual a Avon tirou do seu catálogo os livros da Editora Central Gospel. Para o pastor, trata-se de “mais uma mentira e safadeza de ativistas gays, o que é bem peculiar do caráter deles”. Na versão de "A Capa", no folheto “Moda e Casa” que a Avon divulgou no dia 13 de junho não tem nenhum livro da editora de Malafaia e que isso, segundo o site, é o desdobramento da campanha que ativistas gays moveram na internet contra a empresa de cosméticos. Malafaia informou que a Bíblia que consta no folheto é de sua editora e que é comum em algumas quinzenas a Avon não divulgar os livros da Central Gospel. A firmou que o acordo entre a editora e a Avon tem uma programação de distribuição de livros até o final do ano. O pastor criticou os sites...

Menina morta por jejum religioso deixou diário com relatos de maus-tratos

Adventistas vão intensificar divulgação do criacionismo

Consórcio vai investir em pesquisa na área criacionista A Igreja Adventista do Sétimo Dia anunciou o lançamento de um consórcio para intensificar a divulgação do criacionismo no Brasil e em outros países sul-americanos. Na quinta-feira (13), em Brasília, entidades como Sociedade Criacionista Brasileira, Núcleo de Estudos das Origens e Museu de Geociências das Faculdades Adventistas da Bahia assinaram um protocolo para dar mais destaque à pesquisa criacionista e às publicações sobre o tema. Os adventistas informaram que o consórcio vai produzir vídeos para adolescentes e jovens explicando a criação e como ocorreu o dilúvio e um plano piloto de capacitação de professores. O professor Edgard Luz, da Rede de Educação Adventistas para oitos países sul-americanos, disse que o lançamento do consórcio é um “passo muito importante”, porque “o criacionismo está ligado à primeira mensagem angélica da Bíblia”. Com informação do site da Igreja Adventista . Colégio adventista de ...

Arcebispo defende permanência de ‘Deus’ em notas do real

Dom Scherer diz que descrentes não deveriam se importar   Dom Odilo Scherer (foto), arcebispo metropolitano de São Paulo, criticou a ação que o MPF (Ministério Público Federal) enviou à Justiça Federal solicitando a determinação no sentido de que a expressão “Deus seja louvado” deixe de constar nas cédulas do real. Em nota, Scherer disse: "Questiono por que se deveria tirar a referência a Deus nas notas de real. Qual seria o problema se as notas continuassem com essa alusão a Deus?" Argumentou que, “para quem não crê em Deus, ter ou não ter essa referência não deveria fazer diferença. E, para quem crê em Deus, isso significa algo”. O promotor Jefferson Aparecido Dias, autor da ação, defendeu a supressão da expressão porque o Estado brasileiro é laico e, por isso, não pode ter envolvimento com nenhuma religião, mesmo as cristãs, que são professadas pela maioria da população. Scherer, em sua nota, não fez menção ao Estado laico, que está previsto na Constituição. E...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

Universidade de Lavras faz proselitismo religioso

Mensagem da universidade dá destaque à "crença no criador" Alguém da administração da Universidade Federal de Lavras (MG) resolveu manifestar seu desapreço pelo Estado laico, usando a instituição pública como plataforma de evangelização. É o que fica evidente na  mensagem de “Boas Festas” desejando “crença no senhor”, entre outras coisas, como “felicidade” e “amor”. A mensagem foi colocada em um banner na entrada da universidade e em seu site e perfil no Facebook. O proselitismo religioso se destaca na mensagem porque está em letras brancas, contrastando com os tons predominantes de verde.  Quem assina é a “Direção Executiva”, mas poderia ter sido uma denominação religiosa, que não faria nenhuma diferença. Entre os cursos ministrados pela universidade estão os de engenharia em diversas áreas do conhecimento, de ciência ambiental, agricultura e medicina veterinária. O reitor é José Roberto Soares Scolforo, doutor em engenharia florestal. Ele assumiu o cargo em ju...