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Estar em coma é estar consciente ou não? Os médicos não sabem

Estudo mostra que a ressonância magnética pode ajudar a detectar o estado de consciência mínima, mas geralmente não há informação para um diagnóstico 


Ana B. Chica

professora na Universidade de Granada, na Espanha

Maria I. Cobos
doutoranda na Universidade de Granada

The Conversation
plataforma de informação e análise produzida por acadêmicos e jornalistas

Após um acidente de carro, María entrou em coma. Durante meses ele não acordou e, depois de um tempo, só conseguia abrir e fechar os olhos. Seus familiares conversavam com ela e a acariciavam sem saber se “ela realmente estava ali”. Não sabiam se María percebia alguma coisa do que acontecia lá fora.

O pessoal de saúde lhes disse que María não sentia dor. Mas como eles poderiam saber o que estava acontecendo em seu cérebro sem que ela fosse capaz de se comunicar? A medicina atual pode prever se alguém consegue sair do coma?

Esteja atento e esteja atento

Os humanos — e todos os animais — passam ciclicamente por pelo menos dois estados de consciência: estamos alternadamente dormindo e acordados. A consciência pode ser entendida como um continuum que inclui estar acordado, mas também as diferentes fases do sono, estados induzidos pela anestesia e coma.

Quando os animais estão acordados, não estamos apenas alertas, mas a nossa consciência fica repleta de conteúdo. Este conteúdo refere-se à nossa experiência subjetiva, que abrange tanto a percepção externa (perceber os diferentes tons de cores de um pôr do sol) quanto a percepção interna (a própria experiência da dor).

Embora parte dessa percepção seja consciente, outra grande parte ocorre inconscientemente e não podemos relatá-la.

Detectar a consciência não é fácil

Várias lesões cerebrais podem produzir uma grave alteração na consciência conhecida como coma, que se caracteriza por pessoas que não respondem a estímulos externos.

Depois de um tempo, os pacientes podem recuperar os ritmos sono-vigília (que podemos determinar graças ao registro encefalográfico) e até abrir e fechar os olhos, embora continuem a não responder à estimulação sensorial externa. Este estado prolongado de inconsciência é conhecido como síndrome da vigília sem resposta.


Com a ajuda da inteligência
artificial, a neurociência
pode prever se a pessoa
sairá do coma

Às vezes, a condição desses pacientes melhora e progride para o que é conhecido como estado de consciência mínima. Isso é diagnosticado quando os pacientes conseguem responder a comandos simples, incluindo respostas sim ou não, apresentar fala ininteligível ou realizar movimentos voluntários intencionais. Mas são respostas variáveis ​​e nem sempre reproduzíveis.

Clinicamente, é importante detectar o mais rápido possível o estado de consciência mínima, visto que esses pacientes têm maiores chances de recuperar a consciência. Contudo, detectar o estado de consciência mínima não é fácil, e às vezes passam meses — ou até anos — sem que os profissionais de saúde o detectem.

A ressonância magnética pode ajudar a detectar o estado de consciência mínima, como mostrou um estudo de 2006. Os autores sabiam que a atividade cerebral de pessoas saudáveis ​​difere se lhes for pedido que imaginem que estão jogando tênis (nesse caso, as áreas motoras e pré-motoras do cérebro são ativadas) ou a movimentar-se pela casa (nesse caso, as regiões cerebrais relacionadas são ativadas). Quando colocaram uma pessoa com síndrome de vigília sem resposta no scanner, descobriram que ela ativava exatamente essas mesmas áreas cerebrais. Ou seja, apesar do seu estado inconsciente, ela foi capaz de compreender as instruções da tarefa e segui-las para produzir uma resposta cerebral complexa.

Desde então, tem havido numerosos estudos experimentais que se esforçam para detectar respostas cerebrais em pessoas com síndrome de vigília sem resposta. E graças às recentes contribuições da inteligência artificial aplicada à neurociência, foi possível prever com um nível de precisão superior a 77% se uma pessoa recuperará ou não a consciência.

Além do diagnóstico, esses avanços permitem que os esforços de reabilitação sejam focados nesses pacientes.

Síndrome de cativeiro

Outro desafio clínico essencial é identificar pacientes com uma síndrome conhecida como síndrome de encarceramento. As pessoas afetadas podem ser facilmente confundidas com pacientes com síndrome de vigília sem resposta ou com pacientes em estado de consciência mínima. Eles ficam paralisados ​​​​no nível motor, conseguindo apenas piscar e mover os olhos verticalmente. No entanto, eles estão plenamente conscientes de tudo o que está acontecendo ao seu redor e de suas próprias sensações corporais.

Um acompanhamento de 44 desses pacientes mostrou que o tempo médio necessário para diagnosticar esta síndrome foi de 78 dias! E foram principalmente os familiares, e não o pessoal de saúde, que deram o alarme.

Medindo o conteúdo da consciência

Se detectar o estado de consciência de uma pessoa é uma tarefa complexa, é ainda mais complexo determinar o que exatamente ela percebe e qual é a sua experiência consciente. No caso dos humanos, o uso da linguagem nos ajuda a compreender parte de sua experiência consciente. Mas em estudos com seres humanos não-verbais (crianças ou pessoas com dificuldades de linguagem) e animais não humanos, devemos ser capazes de medir a experiência consciente sem a necessidade de respostas verbais.

No momento, podemos determinar se algo foi percebido ou não, quão semelhantes são as representações cerebrais que são criadas ao perceber dois objetos, ou quão seguros os humanos ou algumas espécies animais têm de nossa percepção (o que é conhecido como metacognição).

Para demonstrar a existência desses processos metacognitivos em outras espécies animais, abelhas foram treinadas em laboratório para responder a estímulos fáceis e complexos de perceber. Se o enxame respondesse corretamente, era compensada com sacarose); caso contrário, havia punição com uma substância aversiva (quinino). As abelhas também tinham a opção de sair da sala e não responder.

Curiosamente, observou-se que as abelhas optavam mais frequentemente por sair quando os estímulos eram difíceis de perceber. Esses dados indicam que as abelhas podem avaliar os resultados de suas ações, uma capacidade metacognitiva que até poucos anos atrás era atribuída apenas aos humanos (e outras espécies que consideramos “superiores”, como os primatas). No entanto, ainda estamos longe de conseguir compreender o que é ser uma abelha ou um rato.

Os avanços científicos na detecção de estados de consciência têm sido impressionantes nos últimos anos, mas ainda não chegaram à prática clínica. Detectar estados de consciência, bem como compreender como a atividade cerebral dos humanos e de outras espécies animais dá origem à nossa experiência subjectiva, é um grande desafio.

Outro desafio atual é criar essas experiências subjetivas em inteligência artificial, embora seja importante discutir as implicações éticas e práticas desses futuros avanços científicos que estão cada dia menos distantes.

Esse texto foi escrito originalmente em espanhol. 

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Comentários

Paulo Lopes disse…
Quando acordei de um coma de dez dias não me lembrei de nada.

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