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Eleições podem fortalecer (ou não) sintomas de uma 'República Liberal-Reacionária'

Bolsonaro torna-se símbolo de um retrocesso histórico

RICARDO OLIVEIRA DA SILVA / análise
Professor de História da UFMS/CPNA

Os historiadores e historiadores costumam dividir a história republicana do Brasil em períodos ou fases com o objetivo de ressaltar especificidades de cada conjuntura histórica.

Um primeiro período é situado entre 1889 (instauração do regime republicano) e 1930 (ascensão política no plano nacional de Getúlio Vargas). Uma época conhecida como Primeira República e marcada por um liberalismo oligárquico em que coexistiram instituições políticas liberais (vide Constituição, pluripartidarismo e eleições periódicas) com práticas políticas que perpetuaram o poder das oligarquias agrárias e excluíram a maior parte da população de direitos sociais e de influência nos destinos da vida política do país.

O nome Era Vargas é dado ao período entre 1930 e 1945 em que Getúlio Vargas governou o país como presidente da República de forma ininterrupta na condição de presidente provisório (1930–1934), presidente constitucional (1934–1937) e ditador do Estado Novo (1937–1945).

Essa foi uma época marcada por uma presença mais efetiva do Estado na vida econômica e social (diversos direitos para trabalhadores e trabalhadoras foram contemplados na lei) e uma trajetória política que transitou do liberalismo para ditadura.

A República Nova se situa entre 1945, com o fim da ditadura do Estado Novo, e 1964, com o golpe civil-militar que depôs João Goulart. Ao longo desses anos a sociedade brasileira foi palco de esforços que almejaram construir instituições políticas liberais onde o Estado teria um papel protagonista em prol do desenvolvimento econômico e justiça social. 

Essa experiência chegou ao fim com a reação dos grupos dominantes (vide empresários, latifundiários, classe média, forças armadas) as demandas das classes trabalhadoras que queriam um modelo político e econômico socialmente democrático e igualitário.

A época da Ditadura Militar durou de 1964 até 1985, quando o país foi governado pelas Forças Armadas.

As instituições políticas liberais foram destroçadas e a repressão e vigilância tornou-se uma política de Estado coordenada por aparatos institucionais para calar a oposição. Um período que por alguns anos teve elevadas taxas de crescimento econômico (final dos anos 1960 e começo dos 1970) que acentuaram as desigualdades sociais e resultaram em elevadas taxas de inflação e endividamento externo.

O começo do período da Nova República é situado em 1985, quando o civil José Sarney assumiu a presidência da República após 21 anos de governos militares.

De acordo com análises históricas, esse período chegou ao fim em 2016 com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Ao longo desses anos as instituições políticas liberais foram reconstruídas (Constituição de 1988), se realizou uma política econômica de combate à inflação, de redistribuição de renda e de atendimento de demandas de grupos historicamente marginalizados dos espaços de poder institucionais, como mulheres e população negra.

A crise econômica e política de meados da década de 2010 teve entre seus resultados o impeachment de Dilma Rousseff por meio do Congresso Nacional e sob o respaldo de distintas forças na sociedade, como o capital financeiro, o agronegócio, setores das classes médias, grande imprensa, grupos religiosos conservadores e forças armadas.


Que novo período da história republicana brasileira teria começado a partir de 2016? Talvez ainda seja cedo para cravar uma definição, mas elementos apontam para o fortalecimento de uma “República Liberal-Reacionária”. Elenco abaixo alguns pontos dessa fase:

1 – Liberalismo excludente. De um lado, as instituições políticas liberais continuam razoavelmente preservadas (vide Constituição, eleições e pluripartidarismo), apesar dos constantes ataques. Por outro lado, a partir do governo de Michel Temer (2016–2018) se intensificou a retirada dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, houve o abandono de políticas sociais e um liberalismo econômico focado nos interesses do mercado.

2 – O protagonismo do reacionarismo político. Com essa afirmação quero chamar atenção para a ascensão de forças políticas e sociais, com destaque para aquilo que se denomina de bolsonarismo, que não são propriamente conservadoras. Essas forças não almejam preservar a experiência republicana da Nova República, mas são hostis a ela e acalentam o desejo de uma mudança radical da sociedade referenciada em um passado idealizado (o período da Ditadura Militar é uma das principais fontes de um passado idílico).

3 – Uma nova dinâmica da polarização política. Entre 1994 e 2014 o sistema político partidário brasileiro foi polarizado com o protagonismo da liderança do PT e do PSDB. Os grupos sociais e políticos que retiraram o PT do poder em 2016 almejavam o seu fim enquanto força política. Mas não foi isso que aconteceu.

O PT sobreviveu as adversidades e o PSDB enfraqueceu como força política e partidária, ao mesmo tempo que sua base eleitoral se deslocou para a extrema-direita capitaneada pela figura de Jair Bolsonaro. Nessa nova dinâmica, a extrema-direita radicalizou a polarização política. Até o momento, o cenário é de uma permanência do radicalismo político na vida política brasileira.

4 – A projeção de um moralismo conservador e reacionário. Esse ponto remete a grupos cuja atuação política e social é calcada em um modelo de sociedade hierárquica, desigual e pautada em valores tradicionais de família, pátria e religião. Como visto em manifestações dos últimos anos com a presença de faixas que pediam uma intervenção militar, uma ditadura é vista como o regime político adequado para garantir a existência desses valores.

Esses são alguns pontos que caracterizam o que chamei de “República Liberal-Reacionária”.

É possível que outros elementos possam ser elencados sobre esse período. Por se tratar de uma história do tempo presente, análises mais conclusivas ainda são incertas. Porém, penso que se pode dizer que o governo de Jair Bolsonaro acentuou os pontos que destaquei acima.

E, por outro lado, penso que o resultado das eleições presidenciais de 2022 serão decisivos para o aprofundamento, ou não, do liberalismo-reacionário.
 
> Esse texto foi publicado originalmente na Tribuna de Imprensa com o título Bolsonaro e a República Liberal-Reacionária.

Constituição veta uso de religião em eleições, mas a prática é outra

• Estado laico não é contra Deus nem a favor



Comentários

Anônimo disse…
Isso de liberal não tem nada, um dos piores presidentes da história, nível Edir Macedo de charlatanismo.

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