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Brasil terá mais avós do que netos nas próximas décadas, calcula demógrafo

Com a queda das mortalidade de bebês,  as famílias passam a investir mais na qualidade do que na quantidade dos filhos


José Eustáquio Diniz Alves 
doutor em demografia 

EcoDebate
plataforma de informação sobre temas socioambientais

Na maior parte da história humana, as taxas de mortalidade eram altas e, para se contrapor às mortes precoces, a sociedade se organizava para garantir altas taxas de fecundidade, visando garantir a sobrevivência da espécie. Porém, a partir do século XIX as taxas de mortalidade começaram a cair, o que possibilitou a redução posterior das taxas de natalidade.

Desta forma, a base da pirâmide populacional se reduziu progressivamente e o topo da pirâmide passou a crescer continuamente nas últimas décadas. A transição demográfica (queda das taxas de mortalidade e natalidade) gera necessariamente uma transição na estrutura etária. Assim, pela primeira vez na história haverá mais idosos do que crianças. O século XXI será o século do predomínio dos avós sobre os netos.

No Brasil, o número de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos era de 22,7 milhões de pessoas em 1950, para 2,1 milhões de idosos de 60 anos e mais de idade. No ano 2000, os números passaram para 52 milhões de jovens para 13,5 milhões de idosos. Em 1929, a quantidade de idosos (39,9 milhões), pela primeira vez, será maior do que o montante de jovens (39,3 milhões). 

As projeções populacionais indicam 20,2 milhões de jovens (0-14 anos) em 2100 e 65,2 milhões de idosos de 60 anos e mais de idade, segundo dados da Divisão de População da ONU (revisão 2024). Em 1950, havia mais de 10 vezes mais jovens do que idosos no Brasil e, no ano 2100, haverá mais de 3 vezes mais idosos do que jovens.

Uma sociedade que tenha uma taxa de fecundidade acima de 4 filhos por mulher (pelo menos 4 filhos sobreviventes) teria uma progressão familiar como na figura abaixo. A formação de um casal, com idade ao casamento em torno de 20 anos, formaria uma família com 4 crianças aos 30 anos em média. Estes 4 filhos sobreviventes, tendo também 4 filhos em média, formariam outras 4 famílias após 60 anos da primeira união. 

                              Foto: arquivo de Paulopes

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está mudando
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Quatro novas famílias com 4 filhos cada uma, possibilitariam a formação de 16 famílias, que com 4 crianças sobreviventes em média, daria 64 filhos, cerca de 90 anos depois do casal original. Ou seja, em menos de 100 anos, um jovem casal poderia gerar 4 filhos, 16 netos e 64 bisnetos.

Com ritmo maior ou menor nos diversos momentos históricos, essa lógica foi a base do crescimento exponencial que possibilitou que a população humana passasse de 1 bilhão de habitantes por volta de 1800 para 8 bilhões de habitantes em 2022.

Mas o ritmo de crescimento mudou com o avanço da transição demográfica. O demógrafo australiano John Caldwell, no livro “Theory of fertility decline” (1982) afirmou, de forma categórica, que só existem dois tipos de regimes de fecundidade: um, em que prevalecem altas taxas de nascimento e os pais não têm ganhos econômicos no controle da fecundidade; e outro, em que prevalecem baixas taxas de nascimento e não há ganhos econômicos em tal controle. Em ambas as situações o comportamento dos indivíduos é economicamente racional.

No regime de alta fecundidade, o fluxo intergeracional de riquezas (moeda, bens, serviços e proteção contra riscos) se direciona dos filhos para os pais, ou das novas para as velhas gerações. Isto é, os filhos são fonte da riqueza dos pais, os netos são fonte de riqueza dos avós, etc. Nesta situação, o crescimento das famílias e, consequentemente, da população, é uma estratégia para garantir a “fortuna” das gerações mais velhas.

Mas há dois problemas nesta perspectiva. A riqueza que vai das novas para as velhas gerações é uma riqueza muito determinada em termos de proteção de riscos e não de aumento da renda e do patrimônio. 

Esse tipo de família tem uma baixa taxa de poupança, pois o investimento é feito na quantidade e não na qualidade de vida das crianças. Neste contexto, as mulheres, praticamente, passam toda a vida em atividades reprodutivas e costumam ficar fora das atividades produtivas, tendo baixíssima inserção no mercado de trabalho. Assim, tende a prevalecer na sociedade a família patriarcal, com alta desigualdade de gênero, os homens solteiros e casados sendo os únicos responsáveis pelo “ganha pão” da família.

O outro efeito da alta fecundidade é fazer a pirâmide etária ter uma base muito larga, isto é, com alta dependência de jovens e baixa proporção de pessoas em idade ativa. Assim, o regime demográfico de baixa esperança de vida e alta fecundidade prevaleceu na maior parte da história humana, com o fluxo intergeracional da riqueza indo das novas para as velhas gerações.

Porém, o quadro mudou depois da Revolução Industrial e Energética que viabilizou a urbanização e o desenvolvimento econômico e social. E, a despeito de todas as resistências, a fecundidade caiu na maior parte dos países, inclusive no Brasil. Independentemente das ideologias nacionalistas e religiosas, as mulheres e os casais passaram a ter menos filhos, o que representou uma mudança de comportamento de massas sem precedentes na história.

Os estudos de Caldwell (1982) mostram que a queda das taxas de fecundidade está ligada à reversão do fluxo intergeracional de riqueza, isto é, deixa de ir dos filhos para os pais, ou das novas para as velhas gerações e passa a se direcionar dos pais para os filhos. As famílias passam a investir na qualidade de vida e não na quantidade de crianças.

Na verdade, caindo as taxas de mortalidade, já não fazia mais sentido manter altas taxas de natalidade. Contudo, houve resistência nas sociedades que haviam se preparado durante séculos para manter altas taxas de fecundidade e criado uma cultura pronatalista. 

Romper com as tradições e os fatalismos têm sido uma ação social que encontra muitas barreiras. A ordem patriarcal foi consolidada valorizando as mulheres donas de casa, esposas e mães dedicadas, limitando uma mudança nas relações de gênero.

Para Caldwell, a reversão do fluxo intergeracional não é mecanicamente determinada pelas condições econômicas, mas sim, por um fenômeno social que decorre da mudança da família extensa para a família nuclear.

O processo de ocidentalização significa a erosão das estruturas tradicionais da família e a promoção de um processo de nuclearização que tem como consequência o declínio da fecundidade. As forças que sustentam uma fecundidade elevada podem ser mantidas pelo processo de modernização se não forem acompanhadas por mudanças sociais específicas, como aconteceu no Brasil antes de 1960.

Fluxo intergeracional
da riqueza: das novas
para as velhas gerações

De fato, enquanto o Brasil era uma sociedade agrária e rural, o custo dos filhos era baixo e os seus benefícios eram altos. Os filhos criados nas fazendas geralmente não iam para a escola, não possuíam brinquedos e bens industrializados, não demandavam muitos recursos monetários dos pais e ajudavam na produção de subsistência, nas tarefas de cuidado da casa, dos parentes e das gerações idosas. A alta mortalidade infantil era compensada pela alta fecundidade e o custo da mortalidade era baixo.

Homens que tinham filhos fora do casamento não se responsabilizavam pelos “filhos ilegítimos” (não existiam exames de DNA e a legislação não garantia os direitos dos filhos fora do casamento). Quando se separavam das mulheres raramente tinham de pagar pensão alimentícia. Nesta situação, ter muitos filhos era uma atitude racional, pois os pais (as gerações mais velhas) gastavam pouco com os filhos e recebiam deles muitos benefícios monetários ou de outros tipos. Desta forma, existia uma alta fecundidade no Brasil porque o fluxo intergeracional de riquezas ia das novas para as velhas gerações.

Como o processo de modernização e o crescimento da sociedade urbana e industrial as condições mudaram muito. Os filhos passam a ir para a escola (por lei e por exigência do mercado de trabalho), o consumo de alimentos e de produtos industrializados exige a obtenção de recursos monetários. 

Paralelamente ao aumento do custo dos filhos, existe a redução dos seus benefícios, pois surgem leis contra o trabalho infantil, os filhos fora do casamento são identificados pelo teste de DNA e as separações não eliminam os compromissos dos pais com os filhos. Por outro lado, o sistema previdenciário faz com que os pais não dependam financeiramente dos filhos na velhice. Por conta de todas estas transformações, o custo dos filhos cresce e os seus benefícios diminuem.

Invertendo a relação custo/benefício dos filhos inverte-se também o fluxo intergeracional de riquezas e quando isto acontece a fecundidade cai, de acordo com a análise de Caldwell. Mas não só as mudanças econômicas estruturais possibilitaram a transição da fecundidade. 

Como mostrou Faria (1989) as políticas públicas promovidas pelo Governo Federal, depois de 1964, foram estratégicas para o aumento da demanda por regulação fecundidade e a consequente redução da natalidade no Brasil: 1) política de crédito ao consumidor; 2) política de telecomunicações; 3) política de previdência social; 4) política de atenção à saúde. Usando um arcabouço próprio dos enfoques culturais, o autor considera que as políticas públicas influenciaram na queda da fecundidade agindo como vetores institucionais (difusão) portadores de novos conteúdos de consciência (inovação). 

A transição da mortalidade induz a transição da fecundidade e as mudanças estruturais e institucionais do país sancionam a transição demográfica. Geração e gênero são fundamentais neste processo (Alves, 1994).

Quando a fecundidade cai e as famílias passam a investir mais na qualidade do que na quantidade dos filhos a dinâmica das famílias muda como na figura abaixo, onde cada família adota o filho único. É claro que o exemplo abaixo é hipotético, mas é um modelo assim que serviu de base, por exemplo, para a política de filho único da China. Em uma sociedade com alta fecundidade as famílias se multiplicam e com baixa fecundidade é o contrário.

Partindo de um total de 8 famílias, a figura abaixo mostra o efeito da adoção de uma taxa de fecundidade igual a 1 filho sobrevivente por mulher. De uma situação de 8 famílias, o filho único gera 4 famílias, depois 2 famílias e finalmente 1 família (é uma situação de decrescimento populacional).

Ou seja, em vez de um casal gerar 64 descendentes em menos de 100 anos, o modelo de filho único gera uma redução de 8 famílias para 1 família em menos de um século. O filho único da figura abaixo não tem irmãos e primos, mas tem 16 trisavós, 8 bisavós, 4 avós, além do casal de pais. Se cada adulto deixa uma herança/patrimônio para a geração mais nova, o filho da 4ª geração poderia contar com um patrimônio considerável. Famílias pequenas costumam avançar no capital humano e na mobilidade social.

Há dois elementos fundamentais no modelo acima: em primeiro lugar, as famílias tendem a ter maior igualdade de gênero e serem mais ricas, pois o casal de filho único gasta pouco tempo com atividades reprodutivas e, em geral, possuem recursos para investir na própria educação, possuem maior inserção 14virtuoso da mobilizada social ascendente.

O exemplo de filho único na família é um caso extremo. Mas basta a taxa de fecundidade ficar abaixo do nível de reposição (que é de 2,1 filhos por mulher) para que depois de algumas décadas haja mais idosos do que crianças e jovens de 0-14 anos e que haja mais avós do que netos na população de qualquer sociedade.

Os estudos indicam que o apoio dos avós aumenta o bem-estar das famílias e da sociedade. As mães trabalhadoras que contam com o apoio dos avós, especialmente da avó, conseguem ganhos salariais mais elevados. Os cuidados propiciados pelos avós também é bom para os netos. Em geral, a presença de uma avó reduz a mortalidade infantil e melhora o desempenho escolar das crianças. Ou seja, na média, a convivência intergeracional é benéfica para toda a família e também para o país.

Evidentemente, a mudança da estrutura etária traz desafios, mas também oportunidades. A figura abaixo mostra as pirâmides do Brasil para os anos de 1970 e 2070. Nota-se que em 100 anos a pirâmide etária mudou de uma base larga e topo estreito para uma outra com a base mais estreita e o topo mais largo. Esta é a ilustração mais precisa do processo de envelhecimento brasileiro.

As mudanças da estrutura etária – com mais idosos do que jovens – e a redução do tamanho das famílias, com taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição, criam as condições para o Brasil ter mais avós do que netos.

Nesta nova realidade, a experiência da geração prateada pode servir de exemplo para as novas gerações e pode incrementar o bem-estar geral da sociedade.

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