Pular para o conteúdo principal

União Europeia veta uso de símbolo religioso por servidores, conforme o contexto de cada país

Decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia reconhece que a “neutralidade religiosa” pode ter diferentes interpretações; o debate continua


Albert Toledo Oms
professor do direito do trabalho na Faculdade de Ciências Sociais de Manresa, Universidade Centra de Catalunha, Espanha

The Conversation
plataforma de informação e análise produzida por acadêmicos e jornalistas

A presença de símbolos religiosos na administração pública sempre foi tema de debate e monitorização mediática nos países ocidentais de ideologia liberal, onde existe a noção de neutralidade religiosa do Estado.

A esse debate podemos acrescentar outro não menos controverso e com o qual está intimamente relacionado.

Pode uma Administração pública impor a ausência de símbolos religiosos no vestuário dos seus funcionários? 

Apenas no que diz respeito aos colaboradores que estão em contato direto com os cidadãos?

Afetaria exclusivamente símbolos que não são pequenos ou claramente visíveis? 

E o contrário: toda a força de trabalho pode ser autorizada a usar de forma visível os símbolos religiosos que considere apropriados no âmbito de um serviço público?

É precisamente disso que trata um recente acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que teve de analisar a questão do prisma dos regulamentos da União Europeia sobre a discriminação no local de trabalho.

Funcionários e
servidores não
podem usar
vestimenta religiosa

Até à data, o TJUE analisou diversas vezes se uma empresa privada pode estabelecer um código de vestimenta que afete o uso de símbolos religiosos, limitando-o, razão pela qual teve de pesar o direito de ter convicções religiosas dos trabalhadores com outros bens protegidos, como a liberdade de empresa.

Mas o interesse da decisão aqui discutida vai um passo além e analisa a mesma questão no campo da administração pública, onde a liberdade de negócios não funciona mais, mas o princípio da neutralidade e a noção de serviço público sim.

O caso da Bélgica

O acórdão analisa o caso de uma trabalhadora muçulmana que presta serviços numa câmara municipal belga como gestora de escritório, função que desempenha praticamente sem contato com os usuários do serviço público. 

Embora no início desempenhasse as suas funções sem usar nenhum sinal que revelasse as suas convicções religiosas, a partir de certo momento pediu para poder usar o véu muçulmano ou o hijab no trabalho. 

A Câmara Municipal negou este pedido e proibiu-o provisoriamente de usar cartazes que revelassem as suas convicções religiosas até à adoção de um regulamento geral relativo ao uso de tais cartazes.

Na sequência do pedido do trabalhador, o plenário da Câmara Municipal belga alterou o seu regulamento laboral, introduzindo uma obrigação de “neutralidade exclusiva” no local de trabalho, entendida como significando que proíbe todos os trabalhadores de usarem qualquer sinal visível que possa revelar as suas convicções, nomeadamente religiosas ou filosóficas, estejam ou não em contato com o público.

Para o TJUE, cada Estado-Membro, incluindo, se for caso disso, as suas entidades infraestatais (por exemplo, as câmaras municipais), no respeito pelas competências que lhes são cometidas, deve ser reconhecido com uma margem de apreciação na concepção do “neutralidade do serviço público” que se pretende promover no local de trabalho.

Assim, uma política de “neutralidade exclusiva” que uma Administração, como a da Câmara Municipal belga, procura impor aos seus trabalhadores, dependendo do seu próprio contexto e no âmbito das suas competências, com vista a estabelecer no seu seio uma ambiente administrativo completamente neutro, pode ser considerado objetivamente justificado por um propósito legítimo conforme os regulamentos europeus anti-discriminação.

É interessante que para o TJUE a escolha por parte de uma ddministração também possa ser igualmente justificada — dependendo do seu próprio contexto e no âmbito das suas competências — para defender outra política de neutralidade, como uma autorização geral e indiferenciada da utilização de imagens visíveis indícios de convicções, nomeadamente filosóficas ou religiosas, também nos contatos com os utilizadores; ou pela proibição da utilização desses sinais limitada às situações que envolvam tais contatos.

Cada país tem margem de manobra

É evidente que o conceito de “neutralidade religiosa” na esfera pública é diferente na Bélgica, França ou Alemanha, para citar três países. Portanto, o TJUE oferece uma grande margem de manobra a cada Administração de cada país conforme o seu contexto jurídico.

É duvidoso que, por exemplo, em Espanha, de acordo com a concepção atual do direito à liberdade religiosa e do que se entende por “neutralidade”, se pudesse optar por proibir todos os funcionários públicos — com ou sem autoridade, com ou sem contacto direto com a cidadania, sejam símbolos pequenos ou grandes, de forma indiscriminada e total — todo uso de símbolos religiosos, incluindo a possibilidade de usar o véu muçulmano. É uma questão que provavelmente terá de ser esclarecida em cada país pelo seu Tribunal Constitucional.

Por essa razão, o TJUE parte do fato de que a proteção europeia anti-discriminação apenas estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na profissão. É claro que a margem de manobra não é total: os juízes devem verificar se as medidas adotadas, nacional, regional ou local, são em princípio justificadas e se são proporcionais.

Da mesma forma, o TJUE cita outro requisito para proibir ou limitar a utilização de símbolos religiosos no domínio da administração pública. A referida Administração deverá proibir os símbolos de forma consistente e sistemática. Não é possível proibir símbolos de funcionários com determinadas crenças religiosas e não de outras. Toda a força de trabalho deve ser tratada igualmente.

> Esse texto foi publicado originalmente em espanhol. 

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Dias sofre ameaça de morte por pedir retirada de Deus do real

"Religião também é usada para violar os direitos humanos" O procurador Jefferson Aparecido Dias (foto), da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal em São Paulo, vem sofrendo ameaças de morte desde que deu entrada a uma ação na Justiça pedindo a retirada da expressão “Deus seja louvado” das cédulas real. “Eu estou sendo ameaçado por causa dessa ação, por cristãos”, disse em entrevista a Talita Zaparolli, do portal Terra. “Recebi alguns emails com ameaças, em nome de Deus.” O procurador tem se destacado como defensor da laicidade do Estado brasileiro. Em 2009 ele ajuizou uma ação pedindo a retirada de símbolos religiosos das repartições públicas federais. Dias, que é católico, recorreu à Bíblia para defender a laicidade prevista na Constituição. “Em nenhum momento Jesus deu a entender, para quem é cristão, que o dinheiro deveria trazer o nome dele ou o nome de Deus”, disse. “Acho que é uma inversão de valores.” Na entrevista, ele...

BC muda cédulas do real, mas mantém 'Deus seja Louvado'

Louvação fere o Estado laico determinado pela Constituição  O Banco Central alterou as cédulas de R$ 10 e R$ 20, “limpou” o visual e acrescentou elementos de segurança, mas manteve a expressão inconstitucional “Deus seja Louvado”.  As novas cédulas, que fazem parte da segunda família do real, começaram a entrar em circulação no dia 23. Desde 2011, o Ministério Público Federal em São Paulo está pedindo ao Banco Central a retirada da frase das cédulas, porque ela é inconstitucional. A laicidade determinada pela Constituição de 1988 impede que o Estado abone qualquer tipo de mensagem religiosa. No governo, quanto à responsabilidade pela manutenção da frase, há um empurra-empurra. O Banco Central afirma que a questão é da alçada do CMN (Conselho Monetário Nacional), e este, composto por um colegiado, não se manifesta. Em junho deste ano, o ministro Marco Aurélio, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse que a referência a Deus no dinheiro é inconcebível em um Estado mode...

Malafaia desmente fim de acordo entre sua editora e Avon

com atualização em 22 de junho de 2012 Pastor diz que falsa notícia foi safadeza de gays Silas Malafaia (foto) desmentiu a informação divulgada pelo site "A Capa", do movimento gay, e reproduzida por este blog segundo a qual a Avon tirou do seu catálogo os livros da Editora Central Gospel. Para o pastor, trata-se de “mais uma mentira e safadeza de ativistas gays, o que é bem peculiar do caráter deles”. Na versão de "A Capa", no folheto “Moda e Casa” que a Avon divulgou no dia 13 de junho não tem nenhum livro da editora de Malafaia e que isso, segundo o site, é o desdobramento da campanha que ativistas gays moveram na internet contra a empresa de cosméticos. Malafaia informou que a Bíblia que consta no folheto é de sua editora e que é comum em algumas quinzenas a Avon não divulgar os livros da Central Gospel. A firmou que o acordo entre a editora e a Avon tem uma programação de distribuição de livros até o final do ano. O pastor criticou os sites...

Mulher morre na Irlanda porque médicos se negam a fazer aborto

da BBC Brasil Agonizando, Savita aceitou perder o bebê, disse o marido  Uma mulher morreu em um hospital [católico] da Irlanda após ter seu pedido de aborto recusado pelos médicos. A gravidez de Savita Halappanavar (foto), de 31 anos, tinha passado dos quatro meses e ela pediu várias vezes aos funcionários do Hospital da Universidade de Galway para que o aborto fosse realizado, pois sentia dores fortes nas costas e já apresentava sintomas de um aborto espontâneo, quando a mãe perde a criança de forma natural. Mas, de acordo com declarações do marido de Savita, Praveen Halappanavar, os funcionários do hospital disseram que não poderiam fazer o procedimento justificando "enquanto houvesse batimento cardíaco do feto" o aborto não era possível. O aborto é ilegal na Irlanda a não ser em casos de risco real para a vida da mãe. O procedimento é tradicionalmente um assunto muito delicado no país cuja maioria da população é católica. O que o inquérito aberto pelo gover...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

Adventistas vão intensificar divulgação do criacionismo

Consórcio vai investir em pesquisa na área criacionista A Igreja Adventista do Sétimo Dia anunciou o lançamento de um consórcio para intensificar a divulgação do criacionismo no Brasil e em outros países sul-americanos. Na quinta-feira (13), em Brasília, entidades como Sociedade Criacionista Brasileira, Núcleo de Estudos das Origens e Museu de Geociências das Faculdades Adventistas da Bahia assinaram um protocolo para dar mais destaque à pesquisa criacionista e às publicações sobre o tema. Os adventistas informaram que o consórcio vai produzir vídeos para adolescentes e jovens explicando a criação e como ocorreu o dilúvio e um plano piloto de capacitação de professores. O professor Edgard Luz, da Rede de Educação Adventistas para oitos países sul-americanos, disse que o lançamento do consórcio é um “passo muito importante”, porque “o criacionismo está ligado à primeira mensagem angélica da Bíblia”. Com informação do site da Igreja Adventista . Colégio adventista de ...

Mais contradições bíblicas: vire a outra face aos seus inimigos e olho por olho e dente por dente

Arcebispo defende permanência de ‘Deus’ em notas do real

Dom Scherer diz que descrentes não deveriam se importar   Dom Odilo Scherer (foto), arcebispo metropolitano de São Paulo, criticou a ação que o MPF (Ministério Público Federal) enviou à Justiça Federal solicitando a determinação no sentido de que a expressão “Deus seja louvado” deixe de constar nas cédulas do real. Em nota, Scherer disse: "Questiono por que se deveria tirar a referência a Deus nas notas de real. Qual seria o problema se as notas continuassem com essa alusão a Deus?" Argumentou que, “para quem não crê em Deus, ter ou não ter essa referência não deveria fazer diferença. E, para quem crê em Deus, isso significa algo”. O promotor Jefferson Aparecido Dias, autor da ação, defendeu a supressão da expressão porque o Estado brasileiro é laico e, por isso, não pode ter envolvimento com nenhuma religião, mesmo as cristãs, que são professadas pela maioria da população. Scherer, em sua nota, não fez menção ao Estado laico, que está previsto na Constituição. E...

Livros citados neste site