Pular para o conteúdo principal

O elevado consumo de energia do cérebro humano é um paradoxo da evolução?

A maioria dos animais tem cérebros pequenos e não parece precisar de mais neurônios. O elefante tem cérebro maior, mas não é mais inteligente que o humano. O que a ciência sabe até agora?


Robert Foley
professor emérito de evolução humana, Universidade de Cambridge, no Reino Unido

Marta Mirazón Lahr
professora de biologia evolutiva humana e diretora Coleção Duckworth, Universidade de Cambridge

The Conversation
plataforma de informação e análise produzida por acadêmicos e jornalistas

Este é um dos grandes paradoxos da evolução. Os humanos demonstraram que ter um cérebro grande é a chave para o seu sucesso evolutivo, mas esse tipo de cérebro é extremamente raro em outros animais. A maioria deles sobrevive com cérebros pequenos e não parece precisar de mais neurônios.

Por quê?

A resposta com a qual a maioria dos biólogos concorda é que cérebros grandes são caros em termos da energia necessária para operá-los. E, dada como a seleção natural funciona, os benefícios simplesmente não compensariam os custos.

Mas é apenas uma questão de tamanho? Como os nossos cérebros estão organizados afeta o seu custo energético? Um novo estudo, publicado na Science Advances, fornece algumas respostas interessantes.

Todos os nossos órgãos têm custos de energia para funcionar, mas alguns são baixos e outros muito altos. Os ossos, por exemplo, requerem relativamente pouca energia.

Embora representem cerca de 15% do nosso peso, os ossos utilizam apenas 5% do nosso metabolismo. 

Os cérebros estão no outro extremo do espectro e, com cerca de 2% do peso do corpo humano típico, o seu funcionamento utiliza cerca de 20% do nosso consumo total de energia. E isto sem qualquer pensamento particularmente intenso — isso acontece mesmo quando dormimos.

Para a maioria dos animais, os benefícios de ter um cérebro que consome tanta energia simplesmente não valeria a pena. Mas por alguma razão ainda desconhecida — talvez o maior enigma da evolução humana — os humanos encontraram formas de superar os custos de um cérebro maior e colher os benefícios.

Responsável por atividades
cognitivas, o córtex é a
região do cérebro que
mais exige energia

Os humanos deram um jeito de "pagar" custos mais elevados dos seus cérebros devido à natureza particular da sua cognição? Pensar, falar, autoconsciência ou adição custam mais do que as atividades diárias típicas dos animais?

Esta questão não é fácil de responder, mas a equipe responsável pelo novo estudo, liderada por Valentin Riedl, da Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, aceitou o desafio.

Os autores tinham vários elementos conhecidos para começar. A estrutura básica dos neurônios é praticamente a mesma em todo o cérebro e em todas as espécies. A densidade neuronal também é a mesma em humanos e outros primatas, portanto é improvável que os neurônios impulsionem a inteligência. Se fosse esse o caso, alguns animais com cérebros grandes, como orcas e elefantes, seriam provavelmente mais “inteligentes” que os humanos.

Os pesquisadores também sabiam que durante a evolução humana, o neocórtex — a maior parte da camada externa do cérebro, conhecida como córtex cerebral — cresceu mais rapidamente do que outras partes. Essa região, que inclui o córtex pré-frontal, é responsável por tarefas que envolvem atenção, pensamento, planejamento, percepção e memória episódica, todas necessárias para funções cognitivas superiores.

Estas duas observações levaram os pesquisadores a questionar se os custos energéticos do funcionamento variam entre regiões do cérebro.

A equipe escaneou o cérebro de 30 pessoas usando uma técnica para medir simultaneamente o metabolismo da glicose (uma medida do consumo de energia) e a quantidade de trocas entre os neurônios no córtex. Eles foram então capazes de examinar a correlação entre esses dois elementos e ver se diferentes partes do cérebro usavam diferentes níveis de energia.

Resultados surpreendentes

Os neurobiólogos certamente analisarão e explorarão os mínimos detalhes desses resultados, mas, do ponto de vista evolutivo, já dá o que pensar. Os pesquisadores descobriram que a diferença no consumo de energia entre as diferentes áreas do cérebro é significativa. 

As partes do cérebro humano que mais se desenvolveram têm custos mais elevados do que o esperado. O neocórtex requer cerca de 67% mais energia do que as redes que controlam os nossos movimentos.

Isto significa que, ao longo da evolução humana, não só os custos metabólicos dos nossos cérebros aumentaram à medida que cresceram, como também o fizeram a um ritmo acelerado, com o neocórtex a desenvolver-se mais rapidamente do que o resto do cérebro.

Por que foi assim? Afinal, um neurônio é um neurônio. O neocórtex está diretamente ligado às funções cognitivas superiores.

Os sinais enviados através desta área são mediados por substâncias químicas cerebrais, como serotonina, dopamina e norepinefrina (neuromoduladores), que criam circuitos no cérebro para ajudar a manter um nível geral de excitação (no sentido neurológico do termo, ou seja, despertar). Esses circuitos, que regulam certas áreas do cérebro mais do que outras, controlam e modificam a capacidade dos neurônios de se comunicarem entre si.

Por outras palavras, mantêm o cérebro ativo para armazenamento de memória e pensamento — um nível geralmente mais elevado de atividade cognitiva. Talvez não seja surpreendente que o nível mais elevado de atividade envolvido na nossa cognição avançada tenha um custo energético mais elevado.

Em última análise, parece que o cérebro humano evoluiu para níveis tão avançados de cognição, não só porque temos cérebros grandes, nem apenas porque certas áreas do nosso cérebro cresceram desproporcionalmente, mas também porque a conectividade melhorou.

Muitos animais com cérebros grandes, como elefantes e orcas, são muito inteligentes. Mas parece que é possível ter um cérebro grande sem desenvolver os circuitos “corretos” para a cognição ao nível humano.

Estes resultados ajudam-nos a compreender porque é que cérebros grandes são tão raros. Um cérebro maior pode permitir a evolução de uma cognição mais complexa. Contudo, não se trata simplesmente de aumentar o tamanho e a energia do cérebro ao mesmo ritmo, mas de incorrer em custos adicionais.

Isto não responde realmente à questão fundamental: como é que o homem conseguiu romper o limite energético cerebral? 

Como muitas vezes acontece na evolução, a resposta está na ecologia, a principal fonte de energia. Desenvolver e manter um cérebro grande — independentemente das atividades sociais, culturais, tecnológicas ou outras a que se destina — requer uma dieta confiável e de qualidade.

Para saber mais sobre a interface entre o gasto energético e a cognição, precisamos de explorar o último milhão de anos, o período em que os cérebros dos nossos antepassados ​​realmente se desenvolveram, 

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Professor obtém imunidade para criticar criacionismo nas aulas

A Corte de Apelação da Califórnia (EUA) decidiu que um professor de uma escola pública de Mission Viejo tem imunidade para depreciar o criacionismo, não podendo, portanto, ser punido por isso. A cidade fica no Condado de Orange e tem cerca de 94 mil habitantes. Durante uma aula, o professor de história James Corbett, da Capistrano Valley High School, afirmou que o criacionismo não pode ser provado cientificamente porque se trata de uma “bobagem supersticiosa”. Um aluno foi à Justiça alegando que Corbett ofendeu a sua religião, desrespeitando, assim, a liberdade de crença garantida pela Primeira Emenda da Constituição. Ele perdeu a causa em primeira instância e recorreu a um tribunal superior. Por unanimidade, os três juízes da Corte de Apelação sentenciaram que a Primeira Emenda não pode ser utilizada para cercear as atividades de um professor dentro da sala de aula, mesmo quando ele hostiliza crenças religiosas. Além disso, eles também argumentaram que o professor não ...

Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola

O estudante já vinha sendo intimidado O estudante Ciel Vieira (foto), 17, de Miraí (MG), não se conformava com a atitude da professora de geografia Lila Jane de Paula de iniciar a aula com um pai-nosso. Um dia, ele se manteve em silêncio, o que levou a professora a dizer: “Jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida”. Era um recado para ele. Na classe, todos sabem que ele é ateu. A escola se chama Santo  Antônio e é do ensino estadual de Minas. Miraí é uma cidade pequena. Tem cerca de 14 mil habitantes e fica a 300 km de Belo Horizonte. Quando houve outra aula, Ciel disse para a professora que ela estava desrespeitando a Constituição que determina a laicidade do Estado. Lila afirmou não existir nenhuma lei que a impeça de rezar, o que ela faz havia 25 anos e que não ia parar, mesmo se ele levasse um juiz à sala de aula. Na aula seguinte, Ciel chegou atrasado, quando a oração estava começando, e percebeu ele tinha sido incluído no pai-nosso. Aparentemen...

Aluno com guarda-chuva se joga de prédio e vira piada na UERJ

"O campus é depressivo, sombrio, cinza, pesado" Por volta das 10h de ontem (31 de março de 2001), um jovem pulou do 11º andar do prédio de Letra da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e virou motivo de piadinhas de estudantes, no campus Maracanã e na internet, por ter cometido o suicídio com um guarda-chuva. Do Orkut, um exemplo: "Eu vi o presunto, e o mais engraçado é que ele está segurando um guarda-chuva! O que esse imbecil tentou fazer? Usar o guarda-chuva de paraquedas?" Uma estudante de primeiro ano na universidade relatou em seu blog que um colega lhe dissera na sala de aula ter ouvido o som do impacto da queda de alguma coisa. Contou que depois, de uma janela do 3º andar, viu o corpo. E escreveu o que ouviu de um estudante veterano: “Parabéns, você acaba de ver o seu primeiro suicídio na UERJ.” De fato, a morte do jovem é mais uma que ocorre naquele campus. Em um site que deu a notícia do suicido, uma estudante escreveu: “O campus é depressivo, s...

Seleção feminina de vôlei não sabe que Brasil é laico desde 1891

Título original: O Brasil é ouro em intolerância Jogadoras  se excederam com oração diante das câmeras por André Barcinski para Folha Já virou hábito: toda vez que um time ou uma seleção do Brasil ganha um título, os atletas interrompem a comemoração para abrir um círculo e rezar. Sempre diante das câmeras, claro. O mesmo aconteceu sábado passado, quando a seleção feminina de vôlei conquistou espetacularmente o bicampeonato olímpico em cima da seleção norte-americana, que era favorita. O Brasil é oficialmente laico desde 1891 e a Constituição prevê a liberdade de religião. Será mesmo? O que aconteceria se alguma jogadora da seleção de vôlei fosse budista? Ou mórmon? Ou umbandista? Ou agnóstica? Ou islâmica? Alguém perguntou a todas as atletas e aos membros da comissão técnica se gostariam de rezar o “Pai Nosso”? Ou será que alguns se sentiram compelidos a participar para não destoar da festa? Será que essas manifestações públicas e encenadas, em vez de prop...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

No noticiário, casos de pastores pedófilos superam os de padres

Ateus são o grupo que menos apoia a pena de morte, apura Datafolha