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Neurônios de superidosos desafiam a passagem do tempo. Qual é a explicação?

É crescente o número de pessoas com mais de 80 anos que mantêm características físicas e cognitivas de jovens


Mercè Pallàs Lliberia

professora especializada em neurofarmacologia, envelhecimento e Alzheimer na Universidade de Barcelona, na Espanha.

Christian Griñán-Ferré
professor e pesquisador especializado em envelhecimento e doença de Alzheimer, Universidade de Barcelona

The Conversation
plataforma de informação e análise produzida por acadêmicos e jornalistas

A juventude eterna — juntamente com a vitalidade e a acuidade intelectual associadas a um cérebro jovem — é um desejo universal que se materializou em conceitos recorrentes como o Santo Graal ou a pedra filosofal.

Para além deste desejo humano, a existência dos chamados superidosos representa um desafio e uma oportunidade para compreender a raiz da saúde cerebral e do envelhecimento saudável.

Octogenários com cérebros de cinquenta e poucos anos

Superidosos são pessoas com mais de 80 anos que mantêm as características físicas e cognitivas de um adulto entre 20 e 30 anos mais jovem. O que os torna tão resistentes à deterioração cerebral?

Pesquisas recentes revelaram novos conhecimentos sobre os mecanismos moleculares e celulares que poderiam estar envolvidos no inevitável e irreversível processo de envelhecimento.

Aprofundar-nos nos mecanismos genéticos da longevidade e na sua manifestação nos organismos (fenótipo) permitiu-nos focar nos hábitos de vida (dieta, exercício, atividade cognitiva, etc.) como fatores-chave que inclinam a balança para o envelhecimento saudável ou patológico. O fenômeno que nos permite modificar nosso destino genético é a epigenética.

Os mecanismos epigenéticos são modificações químicas no DNA produzidas por mudanças no ambiente (físico ou cognitivo), modulando a expressão dos nossos genes. Assim, o nosso suposto destino na forma de informação genética pode ser reescrito — tal como pontuamos um texto — pelas ações da nossa vida quotidiana. E, além disso, podem ser herdados pelos nossos descendentes. Mas vamos ver o que acontece com nosso cérebro ao longo da vida.

Um órgão de maturação lenta

Ao contrário de outras espécies, o cérebro humano ainda precisa de se desenvolver após o nascimento. É um processo lento, que começa na concepção e não termina até a morte, embora atinja a maturidade aproximadamente entre os 20 e os 24 anos.

Como sabemos, nosso órgão pensante é formado por neurônios conectados entre si e por outras células nervosas que servem de suporte e defesa (astrócitos e micróglia). Temos cerca de 10 trilhões de neurônios que funcionam como uma grande rede de informações, armazenamento e gerenciamento do nosso dia a dia. Garantir a sua integridade requer mecanismos de proteção e regeneração.

Até há poucos anos, pensava-se que, uma vez atingida a maturidade cerebral, não existiam mecanismos para substituir neurônios e reparar conexões perdidas. Hoje sabemos que o cérebro possui áreas específicas (nichos) onde células progenitoras (células-tronco) podem ajudar a reparar ou substituir neurônios que degeneraram ou foram danificados.

Estudo mostra que os
superidosos têm um
grupo de neurônios
maior que o normal

A existência de mecanismos de proteção não impede que esses nichos progenitores parem de reabastecer os neurônios com a idade. Portanto, o cérebro de uma pessoa idosa apresenta menor capacidade de regeneração, o que se traduz numa diminuição da capacidade cognitiva.

De qualquer forma, as pessoas geralmente só sofrem comprometimento cognitivo grave quando a perda de neurônios é muito elevada devido a uma doença degenerativa, como o Alzheimer.

O surpreendente é que esta perda inexorável não provoca alterações graves na qualidade de vida dos idosos, o que aumenta a sua resiliência e reserva cognitiva. Chamamos de reserva cognitiva a capacidade do nosso sistema nervoso central de equilibrar e otimizar seu funcionamento para enfrentar patologias neurodegenerativas.

Essa faculdade também está associada a fatores como a atividade intelectual: leitura, escrita ou socialização.

De onde vem o superpoder dos super-anciões?

Parece que os super-idosos partilham hábitos semelhantes: mantêm-se fisicamente ativos, tendem a ser positivos, desafiam o cérebro e aprendem algo novo todos os dias. Muitos continuam trabalhando até os 80 anos.

Além disso, as evidências científicas destacam a importância de permanecermos socialmente engajados à medida que envelhecemos. Atividades como visitar familiares e amigos, ser voluntário em uma organização e ir a diversos eventos são associadas a uma melhor função cognitiva.

E pelo contrário: a baixa participação social em idades avançadas implica um maior risco de demência. Estes fatos validam a ideia de que o ambiente é um ator principal no nosso envelhecimento.

Neurônios de alto desempenho

Por outro lado, um estudo recente mostra que os superidosos apresentam um grupo de neurônios maior que o normal em uma estrutura cerebral envolvida na preservação da memória (camada II do córtex cerebral entorrinal). Essas células nervosas poderiam estar relacionadas ao conceito de reserva cognitiva.

A pesquisa descreve que essa característica dos idosos não é observada em pessoas da mesma idade com comprometimento cognitivo, nem em indivíduos entre 60 e 65 anos que começam a apresentar falhas de memória. Além disso, é significativo que esta área do cérebro seja uma das mais afetadas pelo declínio neuronal que caracteriza o Alzheimer.

Os cientistas também observaram que esses superneurônios não apresentam as características do envelhecimento em doenças neurodegenerativas como o Alzheimer. Nesse caso, o acúmulo anormal de proteínas (tau e beta amiloide) no tecido cerebral provoca a morte dos neurônios.

Tudo o que foi dito acima explicaria porque é que a degeneração neuronal não ocorre nos idosos — ou pelo menos não ao ritmo típico de uma pessoa idosa — e mantém as capacidades cognitivas de uma pessoa 20 ou 30 anos mais jovem.

A descoberta dos superneurônios também levanta a questão de saber se podemos estimular o seu aparecimento durante o neurodesenvolvimento ou na infância. A coincidência de ambos os fatos, a prática de hábitos sociais saudáveis ​​e a existência de células nervosas excepcionais, abre a porta para termos alguma influência nos nossos genes herdados por alterações epigenéticas.

Seria também interessante saber se os neurônios XL poderiam constituir — por presença ou ausência — um marcador da doença de Alzheimer e de outras demências, tanto da sua progressão como da resposta às terapias. E, por fim, se serviriam de alvo para encontrar novos tratamentos.

Esse texto foi publicado originalmente em espanhol. 

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