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'A Origem das Espécies' faz 163 anos; e prossegue o conflito ciência-religião

A literalidade da Bíblia tensiona o diálogo de grupos religiosos com a ciência

RICARDO OLIVEIRA DA SILVA
Doutor em história pela UFRGS

No último dia 24 de novembro completaram-se 163 anos da publicação da obra A Origem das Espécies. Com base nos métodos e evidências disponíveis na época, o autor do livro, o naturalista inglês Charles Darwin, desenvolveu uma interpretação sobre a origem e dinâmica da vida na Terra baseada na modificação das espécies pela seleção natural.

A teoria da seleção natural se fundamenta em duas teses principais: a primeira é a de uma origem comum para todas as formas de vida existentes no mundo; a segunda é que as modificações que ocorreram nas espécies ao longo do tempo se deu pela seleção natural sob pressão da disputa pelos recursos naturais e pela capacidade de transmissão de características hereditárias que permitem a descendência melhor se adaptar ao meio ambiente.

Na época em que foi publicado, e isso ressoa até hoje, A Origem das Espécies causou enorme polêmica nos meios religiosos, os quais viram na teoria da seleção natural uma ameaça para suas crenças. Essa ameaça se justificaria?

Uma leitura do livro de Charles Darwin revela uma ausência de Deus como fator explicativo da origem e evolução da vida. Contudo, não há um capítulo específico no livro refutando a existência de Deus.

E aqui é preciso fazer uma referência a episteme do naturalista inglês. Charles Darwin desenvolveu seu trabalho com base nas premissas do método científico, criado ao longo da Idade Moderna.

O método científico, baseado nos princípios da observação, hipótese e verificação, foi estabelecido como uma forma de conhecer os fenômenos do mundo natural. Deus, na condição de um conceito metafísico, como posto por tradições teológicas, fica fora do alcance do método científico, uma vez que ele é conhecido pela fé.

A partir desse raciocínio, em uma perspectiva conceitual, ciência e religião não seriam incompatíveis, pois cada uma se dedicaria ao conhecimento de uma realidade específica: a ciência com foco no mundo natural e a religião com foco no mundo sobrenatural. Porém, na prática, o conflito se estabeleceu, e isso não começou com A Origem das Espécies. Na primeira metade do século XVII, o astrônomo italiano Galileu Galilei foi obrigado a abjurar a teoria do heliocentrismo para não ser queimado pela inquisição católica.

Método científico de
Darwin está de um
lado e a fé de outro

Se a referência para a reflexão em torno das tensões que envolvem ciência e religião forem as religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo, islamismo) o que se constata é que para muitos grupos e vertentes religiosas, a religião não apenas fala sobre o mundo sobrenatural, mas explica o mundo natural a partir do primeiro. 

A criação do mundo por Deus em poucos dias e de todas as formas de vida, já com suas diferenças estabelecidas, no mesmo instante, como se encontra no relato bíblico do livro Gênesis, conflita com a explicação darwiniana da teoria da seleção natural.

A literalidade da Bíblia, ou seja, o entendimento do que tudo que é descrito nela aconteceu exatamente no mundo, é uma fonte de tensionamento no diálogo de grupos religiosos com a ciência. Por sua vez, a perspectiva cientificista de enquadrar todos os fenômenos sob as lentes da ciência, ajuda a manter, por parte de cientistas, os atritos com a religião.

Na minha opinião, um caminho produtivo para uma discussão sobre Deus é fornecido pela teologia e filosofia da religião. Por sua vez, a tentativa de usar a ciência para comprovar a fé, como no caso da teoria do design inteligente, se revela um péssimo uso da ciência. Contudo, não se pode criar ilusões: esse é um debate que não se restringe ao campo epistemológico, mas envolve relações de poder de caráter social, político e econômico. O que ajuda a entender os motivos de o conflito se perpetuar ao longo dos séculos.

> Esse texto foi publicado originalmente na Tribuna de Imprensa com o título Darwin, Ciência e Religião.


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