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Direitos fundamentais proíbem qualquer possibilidade de morte dos indivíduos, diz Habermas

 'Temos que aceitar o risco de sobrecarregar os sistemas de saúde e, portanto, aumentar a taxa de mortalidade para reiniciar mais cedo a economia e, assim, reduzir a miséria social causada pela crise econômica?', pergunta Jürgen Habermas, filósofo alemão, na entrevista concedida a Nicola Truong, publicada por Le Monde e reproduzida por La Repubblica, no dia 12.

Segundo Habermas, "os direitos fundamentais proíbem os órgãos estatais de tomar qualquer decisão que aceite a possibilidade de morte dos indivíduos".

Segundo ele, a crise sanitária global torna "realista lutar pela supressão de uma política mundial dominada pelo neoliberalismo. Hoje vemos que, quando a necessidade é urgente, apenas o Estado pode nos ajudar".


O FILÓSOFO ALEMÃO
AFIRMA QUE A SOLUÇÃO
É A SOLIDARIEDADE


Nicola Truong: O que revela essa crise global sanitária, do ponto de vista ético, filosófico e político?

Jürgen Habermas: Do ponto de vista filosófico, me chama a atenção que a pandemia hoje obriga todos a refletir sobre algo que antes era conhecido apenas por especialistas. Hoje, todos os cidadãos estão aprendendo como seus governos devem tomar decisões, conhecendo bem os limites de conhecimento dos próprios virologistas consultados. Raramente, o terreno para ação em condições de incertezas foi iluminado de maneira tão vívida. Talvez essa experiência incomum deixe sua marca na consciência da esfera pública.

Mas quais são os desafios éticos?

Acima de tudo, vejo dois casos possíveis que violam a intangibilidade da dignidade humana, que a Constituição alemã garante no preâmbulo e afirma no segundo artigo com a declaração ‘Toda pessoa tem direito à vida e à integridade física’.

O primeiro diz respeito à chamada triagem, o outro à escolha do momento certo para interromper o distanciamento social. O perigo de sobrecarregar as unidades de terapia intensiva nos hospitais, que já ocorreu na Itália e é temido em nosso país, lembra os cenários da medicina das catástrofes que geralmente ocorrem apenas durante as guerras. 

Se o número de pacientes hospitalizados exceder o número de leitos disponíveis nas unidades de terapia intensiva, os médicos inevitavelmente terão que tomar uma decisão trágica, porque, em qualquer caso, é imoral.

Daí surge a tentação de abdicar do princípio da igualdade de tratamento para todos os cidadãos, independentemente de status, origem, idade etc., e, no nosso caso, em especial, favorecer os jovens em detrimento dos idosos. Isso poderia ser desejado pelos próprios idosos em um ato de altruísmo moralmente admirável. Mas qual médico ‘pesaria’ o ‘valor’ de um homem contra o ‘valor’ de outro, erigindo-se assim a mestre da vida e da morte?

A linguagem dos ‘valores’ ouvida na economia induz à ‘quantificação objetivante’, que é própria da perspectiva do observador. Mas essa perspectiva não pode ser a maneira de tratar a autonomia das pessoas: quando me dirijo a uma segunda pessoa (tu-vós), a autodeterminação do outro só pode ser respeitada ou negada, ou seja, reconhecida ou ignorada. 

A ética médica profissional, em relação a isso, está de acordo com a Constituição e segue o princípio segundo o qual uma vida humana não pode ser ‘posta em contraposição’ com outra. De fato, prescreve que, em situações que obrigam a tomar decisões trágicas, o médico deve ser orientado exclusivamente pelas disposições sanitárias relativas à maior perspectiva de sucesso do tratamento clínico.

E o outro caso?

A decisão no momento certo de encerrar o isolamento - uma medida moral e legalmente exigida para a proteção da vida - pode entrar em conflito, por exemplo, com os cálculos dos benefícios.

Os políticos devem resistir à ‘tentação utilitarista’ de pesar os danos econômicos ou sociais, por um lado, e as mortes evitáveis, pelo outro. 

Temos que aceitar o risco de sobrecarregar os sistemas de saúde e, portanto, aumentar a taxa de mortalidade para reiniciar mais cedo a economia e, assim, reduzir a miséria social causada pela crise econômica? Nesse ponto, a recomendação específica do Conselho de Ética alemão permaneceu fatalmente ambígua. Os direitos fundamentais proíbem os órgãos estatais de tomar qualquer decisão que aceite a possibilidade de morte dos indivíduos.

Não existe o perigo de que o estado de emergência possa se transformar em uma regra "democrática"?

Naturalmente, a limitação de um grande número de liberdades importantes deve permanecer uma exceção estritamente contida. Mas a exceção é em si mesma, como acabei de demonstrar, exigida pelo direito primário à proteção da vida e da integridade física.



Na França e na Alemanha, não há razão para duvidar da lealdade do governo à Constituição. Se Viktor Orbán aproveita a crise do Covid-19 como uma oportunidade para fechar definitivamente a boca da oposição, isso deve ser explicado pela longa involução autoritária do regime político húngaro, que o Conselho europeu e, principalmente, os democratas-cristãos europeus olharam com indulgência.

"Qual é a utilidade da UE se, em tempos de coronavírus, não demonstra que os europeus estão juntos e lutam por um futuro em comum?": vocês escreveram isso em um apelo coletivo no "Die Zeit" de 2 de abril.

Meus amigos e eu fizemos esta pergunta ao nosso governo: à Chanceler e ao Ministro das Finanças da SPD. Ambos me deixam perplexo. Eles continuam obstinadamente a manter sua gestão de crises em benefício da Alemanha e dos países setentrionais, independentemente das críticas dos países meridionais. 

A grande maioria dos políticos alemães teme as reações de raiva de seus eleitores em caso de rendição. Especialmente porque eles próprios alimentaram e provocaram o nacionalismo econômico autorreferencial e a autocelebração das exportações alemãs como campeã mundial, não sem a complacência da imprensa, aliás. 

Existem dados empíricos comparativos que demonstram como nosso governo, com esse nacionalismo substitutivo, ‘pediu muito pouco’ à sua população. 

Se Macron cometeu um erro em suas relações com a Alemanha, foi o de subestimar, desde o início, a estreiteza das visões nacionalistas de Angela Merkel, cujas qualidades são outras.

A China foi o epicentro da pandemia e agora parece que essa epidemia favorece seu poder sobre a Europa e o mundo. Esse é um ponto de uma virada geopolítica, isto é, um relançamento de sua supremacia política e econômica?

Essa tendência já está acontecendo há algum tempo e está acelerando uma divisão do Ocidente, que começou aproximadamente com o ‘presidente da guerra’ George W. Bush. Seria, portanto, ainda mais importante se a Europa visse no choque do coronavírus uma última possibilidade e se mobilizasse para agir de modo solidário.

Como você vive esse isolamento? Como é uma vida em ambiente fechado e limitada?

A ‘fração parlamentar’ dos humanistas - que de qualquer forma está ‘sentada’ diante de seu computador doméstico - sofre menos.

Essa crise sanitária global corre o risco de aumentar a influência das forças nacional-populistas que já ameaçam a Europa. Como podemos resistir a essas forças?

Essa questão é independente da atual situação de emergência e deve encontrar uma resposta diferente em cada país. Na Alemanha, o passado nazista nos vacinou com mais força contra o reaparecimento do pensamento extremista de direita. 

Por isso partidos e governos puderam se permitir, sob o anticomunismo dominante, fechar os olhos para a direita. Desde a época de Adenauer - e da reunificação com a Alemanha Oriental - esse anticomunismo de fachada permitiu que ocultassem os componentes fatais de seu passado político.

Na França, porém, o extremismo de direita já estava organizado há algum tempo, mas com raízes ideológicas diferentes das nossas: não é etno-nacionalista, mas estatista. Agora, até uma vertente da esquerda francesa, de origem universalista, está afundando no ódio pela UE.

Que nova narrativa os europeus poderiam inventar para renovar o ímpeto em direção a uma União Europeia não amada e mal coordenada?

Argumentos e boas palavras não bastam contra o ressentimento. Seria necessário a capacidade para enfrentar e resolver problemas do núcleo forte do continente (Alemanha e França). 

Somente em um ‘ringue’ desse tipo se tornaria realista lutar pela supressão de uma política mundial dominada pelo neoliberalismo. Hoje vemos que, quando a necessidade é urgente, apenas o Estado pode nos ajudar.





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