Pular para o conteúdo principal

Comunicadores científicos deveriam parar de dizer que a vida não tem sentido

A divulgação excessiva do pessimismo enfraquece a luta da ciência contra as alterações climáticas e a busca de cura para doenças


Chris Ellis
doutorando em história e filosofia da ciência
Universidade de Sydney, Austrália

The Conversation
plataforma de informação
e análise produzida por 
acadêmicos e jornalistas

A cosmovisão científica fez grandes contribuições para o florescimento da humanidade. Mas à medida que a ciência se aventura em territórios anteriormente controlados pela religião — tentando responder a questões sobre as origens do universo, da vida e da consciência —, a comunicação científica oferece frequentemente uma imagem bastante pessimista do mundo.

Vejamos alguns exemplos. Um artigo na New Scientist afirma que a nossa percepção de que os cães nos amam pode ser uma ilusão. O físico Brian Greene vê o destino final da humanidade no desaparecimento do sistema solar. O escritor Yuval Noah Harari, em seu livro best-seller Sapiens, postula que a vida não tem significado inerente. O filósofo David Benatar chega a afirmar que nascer é uma coisa ruim .

Os próprios cientistas podem não considerar pessimista a visão do universo apresentada acima. No entanto, isto pode colocá-los em conflito com muitas coisas que a humanidade valoriza — ou evoluiu para valorizar — como significado, propósito e livre arbítrio.

O princípio copernicano

Uma função essencial da comunicação científica é mobilizar as pessoas para agirem contra alguns dos problemas mais prementes da humanidade: pensemos na pandemia de Covid-19 ou nas alterações climáticas.

Nossa missão é compartilhar conhecimento e enriquecer o debate. Quem somos?

No entanto, ao contrário da maioria das pessoas, os cientistas e os comunicadores científicos tendem muitas vezes a pensar que os humanos não são, em certo sentido, nada de especial. Esta ideia é conhecida como princípio copernicano.

O princípio copernicano (em homenagem ao astrônomo Nicolau Copérnico, que percebeu que a Terra gira em torno do Sol) sustenta que os humanos não são observadores especiais do universo em comparação com outros seres que possam existir em outros lugares.

Antes do fim do universo,
é preciso impedir que a
Terra tenha um fim 
antecipado pelo homem

Indo mais longe, o princípio foi extrapolado para significar que qualquer tentativa de atribuir significado à vida humana ou de sugerir que há algo excepcional nas relações humanas cai fora do âmbito da ciência. Consequentemente, os seres humanos não têm um valor único e qualquer sugestão em contrário pode ser rejeitada como não científica.

Paradoxos

Embora a ciência não negue a importância da felicidade humana e do funcionamento da sociedade, não esperaríamos que um físico, por exemplo, modificasse as suas teorias da cosmologia para torná-las mais psicologicamente significativas.

Isto leva-nos a dois grandes paradoxos que a comunicação científica tenta frequentemente debater.

Vivemos num mundo determinista, sem livre arbítrio, mas temos de optar por aceitar a ciência e evitar as alterações climáticas. E devemos agir agora.

O universo está destinado a terminar em um vazio congelado e morto, e a vida não tem sentido. Mas temos de evitar as alterações climáticas para que o nosso planeta não se torne um vazio morto e sobreaquecido, e possamos continuar com as nossas vidas sem sentido.

Como consequência destes paradoxos, aqueles que não se alinham com as afirmações da ciência sobre a natureza fundamental do universo podem não aceitar argumentos científicos relativos às alterações climáticas. Se a aceitação de parar de utilizar combustíveis fósseis anda de mãos dadas com a aceitação de que a vida não tem sentido, não é surpreendente que alguns estejam relutantes.

E pior, inscrever-se na “ciência” também pode significar aceitar que sua religião é falsa, que sua espiritualidade é uma ilusão e que seu relacionamento com seu cachorro é baseado em uma mentira evolutiva.

Crenças científicas

Nas palavras às vezes vistas em certas camisetas, comumente atribuídas ao astrônomo Neil deGrasse Tyson, “a ciência não se importa com o que você acredita”. O que Tyson disse foi um pouco menos combativo: “A grande vantagem da ciência é que ela é verdade, quer você acredite nela ou não”.

Mas se a ciência, pela sua natureza racional e objectiva, não pode importar-se com o que as pessoas acreditam, talvez a comunicação científica devesse preocupar-se.

Vamos comparar a comunicação científica com a comunicação em saúde, por exemplo. A maternidade do Royal North Shore Hospital de Sydney tem a palavra “bem-vindo” em mais de 20 idiomas. A religião é solicitada na documentação de admissão para evitar insensibilidade e fornecer orientação espiritual adequada, se necessário.

As mensagens de saúde pública são adaptadas ao seu público com base em pesquisas em antropologia da saúde.

Tudo isto é feito para alcançar os melhores resultados de saúde e tentar criar cuidados de saúde centrados nas pessoas. E isso apesar de um vírus ou uma doença crônica pouco se importar com suas crenças religiosas ou espirituais.

Polos opostos

Os defensores da ciência muitas vezes encontram-se envolvidos numa batalha contra as forças da superstição. Uma batalha sobre a qual o geneticista Francis S. Collins garante que é “ofuscada pelos pronunciamentos em grande volume daqueles que ocupam os polos do debate”.

Mas se tentamos usar a comunicação científica para tornar o mundo um lugar melhor, não devemos permitir que o drama desta batalha nos distraia do nosso objetivo final.

Em vez disso, os comunicadores fariam bem em adotar uma abordagem mais sensível e antropológica à comunicação científica. Compreender o que as pessoas valorizam e como alcançá-los pode realmente ajudar os avanços na ciência a tornar o mundo um lugar melhor.

Não temos de mudar o que a ciência descobre, mas talvez não tenhamos de dizer às pessoas que as suas vidas não têm sentido no primeiro capítulo de um livro científico popular. Como diz Brian Greene, “desenvolvemos estratégias para lidar com o conhecimento da nossa impermanência” que nos dão esperança à medida que “caminhamos em direção à eternidade”

Esse artigo foi publicado originalmente em inglês. 

• Divulgação da ciência anulará a religião, escreve Dawkins

• Na conflito fé versus ciência, Darwin coloca Deus em xeque

• Todos os cientistas deveriam ser ateus militantes, afirma Krauss

Comentários

Paulo Lopes disse…
Acho que cada um de nós deve dar sentido a sua própria vida. Quanto ao fim do universo, isso ocorrerá em bilhões, bilhões, bilhões de anos. Não é algo com que se preocupar. Chris Ellis exagera em seus argumentos. Escreve como se fosse (ou desejasse ser) eterno.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Professor obtém imunidade para criticar criacionismo nas aulas

A Corte de Apelação da Califórnia (EUA) decidiu que um professor de uma escola pública de Mission Viejo tem imunidade para depreciar o criacionismo, não podendo, portanto, ser punido por isso. A cidade fica no Condado de Orange e tem cerca de 94 mil habitantes. Durante uma aula, o professor de história James Corbett, da Capistrano Valley High School, afirmou que o criacionismo não pode ser provado cientificamente porque se trata de uma “bobagem supersticiosa”. Um aluno foi à Justiça alegando que Corbett ofendeu a sua religião, desrespeitando, assim, a liberdade de crença garantida pela Primeira Emenda da Constituição. Ele perdeu a causa em primeira instância e recorreu a um tribunal superior. Por unanimidade, os três juízes da Corte de Apelação sentenciaram que a Primeira Emenda não pode ser utilizada para cercear as atividades de um professor dentro da sala de aula, mesmo quando ele hostiliza crenças religiosas. Além disso, eles também argumentaram que o professor não ...

Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola

O estudante já vinha sendo intimidado O estudante Ciel Vieira (foto), 17, de Miraí (MG), não se conformava com a atitude da professora de geografia Lila Jane de Paula de iniciar a aula com um pai-nosso. Um dia, ele se manteve em silêncio, o que levou a professora a dizer: “Jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida”. Era um recado para ele. Na classe, todos sabem que ele é ateu. A escola se chama Santo  Antônio e é do ensino estadual de Minas. Miraí é uma cidade pequena. Tem cerca de 14 mil habitantes e fica a 300 km de Belo Horizonte. Quando houve outra aula, Ciel disse para a professora que ela estava desrespeitando a Constituição que determina a laicidade do Estado. Lila afirmou não existir nenhuma lei que a impeça de rezar, o que ela faz havia 25 anos e que não ia parar, mesmo se ele levasse um juiz à sala de aula. Na aula seguinte, Ciel chegou atrasado, quando a oração estava começando, e percebeu ele tinha sido incluído no pai-nosso. Aparentemen...

Aluno com guarda-chuva se joga de prédio e vira piada na UERJ

"O campus é depressivo, sombrio, cinza, pesado" Por volta das 10h de ontem (31 de março de 2001), um jovem pulou do 11º andar do prédio de Letra da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e virou motivo de piadinhas de estudantes, no campus Maracanã e na internet, por ter cometido o suicídio com um guarda-chuva. Do Orkut, um exemplo: "Eu vi o presunto, e o mais engraçado é que ele está segurando um guarda-chuva! O que esse imbecil tentou fazer? Usar o guarda-chuva de paraquedas?" Uma estudante de primeiro ano na universidade relatou em seu blog que um colega lhe dissera na sala de aula ter ouvido o som do impacto da queda de alguma coisa. Contou que depois, de uma janela do 3º andar, viu o corpo. E escreveu o que ouviu de um estudante veterano: “Parabéns, você acaba de ver o seu primeiro suicídio na UERJ.” De fato, a morte do jovem é mais uma que ocorre naquele campus. Em um site que deu a notícia do suicido, uma estudante escreveu: “O campus é depressivo, s...

Seleção feminina de vôlei não sabe que Brasil é laico desde 1891

Título original: O Brasil é ouro em intolerância Jogadoras  se excederam com oração diante das câmeras por André Barcinski para Folha Já virou hábito: toda vez que um time ou uma seleção do Brasil ganha um título, os atletas interrompem a comemoração para abrir um círculo e rezar. Sempre diante das câmeras, claro. O mesmo aconteceu sábado passado, quando a seleção feminina de vôlei conquistou espetacularmente o bicampeonato olímpico em cima da seleção norte-americana, que era favorita. O Brasil é oficialmente laico desde 1891 e a Constituição prevê a liberdade de religião. Será mesmo? O que aconteceria se alguma jogadora da seleção de vôlei fosse budista? Ou mórmon? Ou umbandista? Ou agnóstica? Ou islâmica? Alguém perguntou a todas as atletas e aos membros da comissão técnica se gostariam de rezar o “Pai Nosso”? Ou será que alguns se sentiram compelidos a participar para não destoar da festa? Será que essas manifestações públicas e encenadas, em vez de prop...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

No noticiário, casos de pastores pedófilos superam os de padres

Ateus são o grupo que menos apoia a pena de morte, apura Datafolha