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E agora, manés e brucutus? Que sombra os acolherá?

Da catástrofe há tempos anunciada, sobra o esqueleto de uma direita à procura de um corpo. Quem será o líder a juntar os blocos dispersos?

GAUDÊNCIO TORQUATO | Jornal da USP
jornalista e professor

O que acontecerá com a direita? Que sombra acolherá os dândis que se espalham, aqui e ali, correndo à procura de um rumo, açoitados pelas imagens que atordoam seu espírito? Que imagens, pergunta o paciente que acaba de acordar de seu torpor? As imagens de vandalismo, deixadas em Brasília, com as ferramentas da truculência que destruíram ambientes das Casas dos Três Poderes e macularam obras de nossa cultura artística.

A árvore debaixo da qual se refugiam grupamentos desorientados está, infelizmente, vivendo seu outono, com folhas caindo aos montes e deixando os viajantes expostos ao sol inclemente. Os dândis passarão um bom tempo esperando da natureza a densa folhagem que lhes pode abrigar.

A direita no Brasil está sem direção. Os atos bárbaros que feriram o coração simbólico do país dispersaram seus contingentes. Jair Bolsonaro está chegando para liderá-los. Mas esse dito se sustenta? O ex-presidente sonhou com as massas nas ruas urrando: volta, Jair, volta, mito. Teria ele imaginado, como Jânio, que renunciou ao cargo de presidente em 25 de agosto de 1961, que o povo clamaria por sua volta, propiciando o golpe que o recolocaria no assento presidencial?

Bolsonaro, ao não passar a faixa presidencial para Luiz Inácio e ao deixar o país na véspera do Ano Novo, abriu a caixa de suspeitas, entre as quais agora emerge a hipótese de que tinha conhecimento do affaire brasiliense. Ainda mais agora quando se descobre documento na casa do seu ex-ministro Anderson Torres, da Justiça, com uma proposta para alteração dos resultados das eleições de outubro último.

Se o capitão não sabia por inteiro, desconfiava de algo de “violento” que poderia acontecer. Os últimos tempos foram povoados por cochichos bolsonaristas dando conta de um dia D, cuja senha se fazia ouvir por todos os lados: tic, tac, tic, tac…

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Da catástrofe há tempos anunciada, sobra o esqueleto de uma direita à procura de um corpo. Quem será o líder a juntar os blocos dispersos? Hamilton Mourão, ex-vice-presidente e eleito senador pelo RS? Não. Sem estofo para liderar massas. Damares Alves, ex-ministra e senadora eleita pelo DF? Não. Sem perfil para voos de longo percurso. Algum membro do governo passado? Valdemar da Costa Leite, presidente do PL, partido que elegeu a maior bancada de deputados federais, 99? Sem condição.

Só o tempo apontará quem e em que circunstâncias surgirá um confiável comandante da direita. Vai depender, ainda, do pêndulo que oscilará sobre o Lula 3, mostrando ponteiros de aprovação ou desaprovação da economia, aumento ou diminuição do produto nacional bruto da felicidade.

Jair Bolsonaro, se quiser ter um papel mais incisivo na política, terá de ganhar peso e confiança nas áreas do conteúdo, da credibilidade e da articulação, juntando os cacos quebrados do espelho quebrado que reflete sua imagem desfigurada.


O fato é que a direita só deverá se arrumar no longo prazo, sob a progressiva acomodação das placas tectônicas do terremoto político que o país registra nos últimos tempos. A tensão está alta e os corredores da política se preparam para receber os programas da administração que Lula tem prometido ser “além do PT”. Já a extrema direita, essa, sim, mostra-se completamente minada pelos impactos do bombardeio ocorrido em Brasília. Captaram, manés e brucutus?

Afinal, quem teria condições de arrastar a multidão direitista? ACM Neto seria um nome, não houvesse perdido as eleições na Bahia. O governador Ronaldo Caiado? Trata-se de um quadro em ascensão. Fez um bom primeiro governo, ganha um segundo mandato em Goiás, tem boa oratória e conta com respeitabilidade no círculo do agronegócio. O governador Eduardo Leite, também reeleito no Rio Grande do Sul, da corrente mais ao centro, puxará boa parcela desse eleitorado. Vai depender de sua caminhada na floresta tucana.

Mas convém pôr o foco no governador Tarcísio Gomes de Freitas, de São Paulo. É um novato, inserido no compartimento técnico, enquadramento bem aprovado pelo sistema cognitivo do eleitorado, que mostra certa saturação e enjoo da classe política. A depender do sucesso de sua administração, Tarcísio despontará como estrela brilhante na constelação da direita. E se isso ocorrer, o governador paulista, que se descola pouco a pouco do bolsonarismo, dará as cartas na mesa do jogo em 2026. Como sempre, este escriba não esquece de citar um dos personagens de seus escritos: o Senhor Imponderável dos Tempos.

> Esse texto foi publicado originalmente no Jornal da USP 

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'Quando saí [do  convento], era como eu  tivesse renascido' Elizabeth Murad (foto), de Fort Pierce (EUA), lembra bem do dia em que saiu do convento há 41 anos. Sua sensação foi de alívio. Ela tocou as folhas de cada árvore pela qual passou. Ouviu os pássaros enquanto seus olhos azuis percorriam o céu, as flores e grama. Naquele dia, tudo lhe parecia mais belo. “Quando saí, era como se eu estivesse renascido”, contou. "Eu estava usando de novo os meus sentidos, querendo tocar em tudo e sentir o cheiro de tudo. Senti o vento soprando em meu cabelo pela primeira vez depois de um longo tempo." Ela ficou 13 anos em um convento franciscano de Nova Jersey. Hoje, aos 73 anos, Elizabeth é militante ateísta. É filiada a uma fundação que denuncia as violações da separação entre o Estado e Igreja. Ela tem lutado contra a intenção de organizações religiosas de serem beneficiadas com dinheiro público. Também participa do grupo Treasure Coast , de humanistas seculares.

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