Pular para o conteúdo principal

Carreira de camaleão de hipocrisia coloca pastor Mendonça no Supremo

Novo ministro muda de opinião de acordo com as circunstâncias

PAULO LOPES
jornalista

Indicado pelo presidente Bolsonaro, o pastor André Mendonça, 48, foi aprovado ontem pelo Senado para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. Trata-se do ápice de uma carreira de camaleão de hipocrisia.

Mendonça adapta seu discurso de acordo com a plateia. É difícil saber quem é o verdadeiro Mendonça. Certamente não existe um verdadeiro Mendonça.

Bolsonaro tinha prometido colocar alguém "terrivelmente evangélico" no Supremo, onde, na visão do presidente, a maioria é de esquerdistas (comunistas?) — liberais em questões comportamentais e defensores da isonomia de direitos, como, aliás, convém aos mais elevados magistrados do país. 

O camaleão Mendonça se vestiu de "terrivelmente evangélico", o que não lhe foi difícil, já que tem oratória pronta porque é pastor. Viabilizou-se como candidato ao cargo.

Ele conquistou a simpatia da extrema-direita evangélica, como Silas Malafaia, pastor que tem grande influência sobre Bolsonaro.

Mendonça, no Supremo, encarna as expectativas daqueles que querem impor o seu conservadorismo aos brasileiros, como com quem as pessoas devem fazer sexo em seu quarto. E também de religiosos que desejam ter acesso cada vez mais facilitado aos cofres públicos, para manter suas atividades e encher os seus bolsos.

E o que disse o camaleão Mendonça aos senadores, na sabatina de ontem no Senado? Disse o que os senadores e a sociedade gostariam de ouvir: que ele, como ministro, vai defender o Estado laico, pautando-se pela Constituição, não pela Bíblia.

O Mendonça que compareceu ao Senado parecia ter renegado à orientação de Bolsonaro, que prometia uma bastião evangélico no Supremo.

Soube-se, depois, que ele já havia ensaiado algumas respostas aos senadores, como na questão do casamento gay. Disse que obedecerá à Constituição, a atual, se supõe. Uma resposta marota, porque cabe também ao Supremo interpretar a Constituição, o que pode fazer grande diferença. 

Mendonça foi aprovado na votação mais apertada para ministro do Supremo, com o placar de 47 contra 32.

Houve festa no Planalto do Palácio, embora o próprio Bolsonaro não tenha se empenhado muito para eleger o pastor, por motivos "familiares".

Corria o boato de que Flávio "Rachadinha" Bolsonaro não confiava no Mendonça por causa de seus elogios no passado à Lava Jato. Foi uma época em que o agora novo ministro defendia o combate à corrupção de políticos pelo Ministério Público. 

Mas na sabatina de ontem ele tranquilizou os senadores, alinhando-se aos "garantistas", o que, em palavra cifrada, significa conter o ímpeto dos procuradores lavajatistas. 

Está havendo também, obviamente, festejos entre os radicais da direita e fundamentalistas  católicos e evangélicos. Malafaia certamente agora acha que têm 10% do STF, a exemplo de uma afirmação de Bolsonaro sobre a colocação de Kássio Nunes Marques no Supremo.

Uma hora após a confirmação de sua indicação ao Supremo, o camaleão Mendonça colocou-se de novo na pele de "terrivelmente evangélico". Falou em vitória evangélica, evocando o que Neil Armstrong dissera quando pisou na Lua.

"A primeira reação [que tive] foi dar glórias a Deus por essa vitória. É um passo para um homem, mas na história dos evangélicos do Brasil é um salto. Um passo para o homem, um salto para os evangélicos."

Essa frase é assustadora porque reconhece que para os evangélicos, em seu projeto de poder, o limite é o infinito. Estaria então o Brasil a caminho de uma teocracia, um candidato a ser o Irã da América Latina?

Embora nunca alguém tenha sido escolhido para o Supremo por ser devoto de uma determinada religião, e sim  pelos seu  notório saber jurídico,  o Estado laico se mantém relativamente protegido. Até porque Mendonça é apenas um de onze ministros. 

E o camaleão, com estratégia de sobrevivência, não tem fortes convicções, muda de cor de acordo com a paisagem.

Mendonça fez
implante de cabelo






Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

MP pede prisão do 'irmão Aldo' da Apostólica sob acusação de estupro

Ateus são o grupo que menos apoia a pena de morte, apura Datafolha

Líder de igreja é acusado de abusar de dezenas de fiéis

Drauzio Varella afirma por que ateus despertam a ira de religiosos

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Evangélicos de escola de música de universidade do Rio se recusam a cantar Villa-Lobos

Músicas de Villa-Lobos são executadas por orquestras  internacionais, mas enfrentam  resistência no Brasil  por motivo religioso Pode parecer absurdo que alunos de música de uma universidade do país se recusem a tocar ou cantar músicas do genial compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959), mas isso está ocorrendo com frequência.

Americano que foi pastor por 25 anos agora prega a descrença

Jerry DeWitt: a vida fora do "armário" não é fácil  Por 25 anos, Jerry DeWitt (foto), 42, percorreu o seu Estado natal, Louisiana (EUA), pregando o evangelho como pastor pentecostal. No ano passado ele causou comoção em seus seguidores ao anunciar que não mais acreditava em Deus. Mas ele continua com o pé na estrada para fazer pregação, agora do ateísmo, e falar como evoluiu da crença para a descrença. Seus ouvintes são humanistas, agnósticos, ateus e pessoas que não se identificam com nenhuma religião.  O que ajudou DeWitt a sair do "armário" foi o Projeto Clero, que é uma comunidade virtual de sacerdotes ateus de várias religiões, destacando-se entre elas o protestantismo. Eles se comunicam entre si por intermédio de pseudônimos para manter o anonimato. Nos Estados Unidos, existem 200 inscritos na comunidade. “O projeto me deu confiança para deixar de ser pastor”, disse DeWitt. “Eu sabia que não estava sozinho, que não era um acaso, que eu não era uma ...

História das traduções da Bíblia é marcada por muito ódio

Iemanjá decapitada teria sido vítima de intolerância religiosa

A cabeça da deusa foi deixada intacta na base da estátua A estátua de Iemanjá que fica defronte a uma praia turística de Cabo Branco, em João Pessoa (PB), foi decapitada no início da semana por pessoas sobre as quais a polícia não conseguiu obter informações. A imagem de 2,5 metros de altura tem cerca de 20 anos. A cabeça foi deixada intacta, na base de concreto da deusa das águas. Instalada na Praça Iemanjá, a imagem nunca tinha sofrido atos de vandalismo. Mãe Renilda, presidente da federação de cultos afro-brasileiros da Paraíba, afirmou que a decapitação “foi intolerância religiosa”. “Estamos tristes e indignados”, disse. “Por que decapitar e deixar a cabeça certinha no chão?” O Conselho Estadual dos Direitos Humanos, presidido pelo padre João Bosco, publicou nota repudiando "o desrespeito à diversidade religiosa". Fernando Milanez Neto, chefe da Coordenadoria do Patrimônio Cultural da prefeitura, afirmou que gostaria de acreditar que a violência contra a ima...