Pular para o conteúdo principal

Estado laico coloca a religião na esfera privada e impede que ela seja usada pelo governo

O Estado laico surgiu com republicanismo a fim de garantir que houvesse igualdade entre todos os cidadãos


Francisco Porfírio
professor de sociologia
site do portal Uol

Após diversas guerras e conflitos por conta de religião, as pessoas começaram a enxergar a necessidade de separar as decisões estatais da Igreja, pois ela não poderia servir como base para justificar as ações do governo.

A junção entre Estado e Igreja foi abandonada com o modo de governar do Antigo Regime pela maioria dos países porque os monarcas absolutos de antes necessitavam da suposta bênção divina para justificar as suas ações.
 
         Litografia de  Alfredo Roque Gameiro, do início da década de 1900

Estado laico é filho
do republicanismo, 
que foi cencebido
para garantir a 
igualdade entre todas
as pessoas

O republicanismo e a dissolução do poder estatal no Parlamento retiraram o peso das ações governamentais da religião e colocaram-no inteiramente no povo, na competência dos agentes públicos e no âmbito do Estado.

Afinal, o que é o Estado laico?

Estado laico ou, no âmbito religioso, Estado secular é aquele que não adota religião oficial, não interfere nos assuntos religiosos — a menos que esses estejam relacionados diretamente com questões jurídicas — e não se deixa ser influenciado por nenhum viés unilateral religioso, ou seja, é independente de qualquer religião.

A palavra secular também é utilizada para designar algo que é laico. Secular vem do latim saeculare, que significa mundano, ou seja, o que é do mundo físico e “não pertencente a Deus".

Em um Estado laico, não é vedada a prática religiosa, muito pelo contrário, as pessoas são protegidas pela Constituição para manifestarem livremente suas crenças e cultos, desde que observado o princípio de que a religião pertence à vida privada e não pode servir de parâmetro para um agente público em exercício do dever.

Em um Estado laico, não se admite qualquer ação governamental ou estatal justificada por meio de assuntos religiosos. Muito menos se admite que assuntos religiosos assumam o caráter de lei para a garantia da hegemonia de apenas um grupo religioso.

No âmbito de um Estado laico, entende-se que toda e qualquer visão religiosa de mundo deve ser respeitada e que a liberdade de culto e de crença deve ser garantida.

Para que isso seja possível, há uma Constituição e leis que garantem o culto e respeitam todas as religiões. Do mesmo modo, aqueles que se abstêm de escolher uma crença religiosa, preferindo definirem-se enquanto ateus ou agnósticos, devem ser respeitados.

Dado o fato de que o Estado deve respeitar todas as religiões, ele não pode favorecer uma em detrimento de outra. Desse modo, é vedado ao governo ou aos agentes públicos de um Estado laico deixarem que a sua fé influencie as suas decisões enquanto pessoas públicas.

Entende-se que a religião é algo pessoal, que o favorecimento de algumas vertentes em detrimento de outras pode ocasionar conflitos civis e religiosos e que o Estado, enquanto organismo que deve garantir a igualdade, não pode tomar parte em tais conflitos a menos que em defesa da pluralidade e da igualdade.

A seguir, comentaremos os tipos de Estados e suas relações com a religião, também discutiremos essa relação em países específicos, como a Alemanha e a Índia.

Estado confessional

Estado confessional é aquele que adota uma religião oficial. Essa religião adotada não terá poder irrestrito e absoluto e pode não estar tão fortemente ligada às decisões governamentais e às políticas de Estado. No entanto, o simples fato da adoção de uma religião oficial pode excluir a importância das outras.

Estado teocrático

Teocracias ou estados teocráticos são aqueles em que há uma religião oficial adotada e os sistemas Legislativo e Judiciário estão sob tutela dessa religião. As atuais teocracias são os países subjugados às leis islâmicas (como o Irã) e o Vaticano, sob domínio da Igreja Católica.

Estado ateu

Um Estado ateu é aquele que combate à religião em seu interior por não enxergar nas práticas religiosas algo que reforce a ideologia e a postura de tal Estado. 
Exemplos de Estados ateístas são os países socialistas do século XX, como a União Soviética, a China e a Coreia do Norte. Todos os países mencionados garantem, hoje, a liberdade religiosa, e a Rússia (integrante da extinta União Soviética) é, atualmente, um país laico.

Relação entre Igreja e Estado na Alemanha


A Alemanha nunca foi, de fato, totalmente laica, na contramão das outras repúblicas e de Estados nacionais ocidentais modernos. 

Otto von Bismarck, o chanceler que realizou o processo de unificação da Alemanha no século XIX, tomou uma série de medidas que visava a separar os domínios estatais das igrejas, mas essas foram anuladas, em 1919, pela República de Weimar.

A República de Weimar foi o período republicano que a Alemanha viveu entre 1919 e 1933, regida por um sistema republicano democrático e constitucional. 

No entendimento da equipe de juristas, cientistas políticos e economistas que participaram da Assembleia Constituinte (entre eles, estava o sociólogo Max Weber), a reaproximação entre Estado e Igreja era justificável por conta da histórica participação do protestantismo nos governos alemães.

A ascensão do governo nazista na Alemanha, que colocou fim à República de Weimar em 1933, reaproximou ainda mais os domínios religiosos (cristãos) do Estado. 

Um dos elementos pelos quais Hitler justificou os planos de perseguição aos judeus e o estabelecimento do que ele chamou de raça pura foi a religião cristã.

Segundo o líder nazista, somente a raça ariana (branca e oriunda dos povos germânicos), que fosse igualmente cristã, teria o direito a habitar e prosperar no território alemão. A intenção de Hitler era levar a cabo o seu projeto de expansão da Alemanha e intensificação de seu governo tirânico.

Durante a Guerra Fria (conflito político-ideológico iniciado após a derrota do nazismo e o fim da Segunda Guerra Mundial), sobretudo após a construção do Muro de Berlim (que separou Berlim Oriental de Berlim Ocidental), houve uma disputa ideológica entre religiosos e políticos muito forte. Berlim Oriental, de governo marxista, não admitia a participação religiosa dentro do governo e desestimulava a religião entre a população, assim como fez a União Soviética. A Berlim Ocidental, de orientação política liberal e capitalista, mantinha um sistema de aproximação do governo com lideranças cristãs católicas e protestantes.

Atualmente, a Alemanha é um país oficialmente laico, apesar de apresentar uma espécie de flerte com a religião cristã nas políticas educacionais, por exemplo. O ensino religioso de tradição cristã é obrigatório nas escolas alemãs e, geralmente, é ministrado por professores com formação para atuarem no ensino religioso, geralmente oriundos da vertente católica ou protestante do cristianismo. Na Baviera, como em outros Estados alemães, a fixação de crucifixo na sala de aula é obrigatória por lei.

Relação entre Igreja e Estado na Índia

O caso indiano é bastante complicado, pois o antigo Estado hindu (denominação para o modo de governar indiano predominante no país até o século XIX) deixou como sequela o sistema de castas, extremamente excludente. Também eram comuns, como resultado do antigo sistema político-religioso, os casamentos infantis. 

Hoje, a Índia é um país laico, porém com sequelas do Estado teocrático que permanecem na cultura do povo indiano.

Educação laica e educação confessional

A ideia de uma educação laica advém do iluminismo francês. Os teóricos iluministas acreditavam que o avanço político poderia ser alcançado com o avanço científico e que, quanto mais amplificado fosse o alcance do conhecimento na sociedade, melhor. Daí surgiu a necessidade de se pensar em uma educação pública, gratuita, universal e laica.

Durante a Idade Média até a Modernidade, as instituições de ensino eram somente confessionais, ou seja, adotavam concepções religiosas por serem mantidas por ordens religiosas e igrejas.

O sistema educacional brasileiro permite a existência de escolas confessionais de natureza privada ou que o sistema público de ensino estabeleça parcerias com instituições confessionais, desde que observada a garantia de acesso de toda e qualquer criança a essas instituições, não importando a sua crença ou fé religiosa.

Qual é a importância do Estado laico?

A história da humanidade presenciou diversas formas de conflitos religiosos e políticos causados ou sustentados pela religião. Na Antiguidade, por exemplo, Sócrates foi executado após ser julgado por denúncias de, entre outras coisas, professar a fé em outros deuses que não os gregos.

A condenação do filósofo, considerada mais tarde uma injustiça por Platão e Aristóteles, deu-se por conta da contrariedade causada por Sócrates em políticos poderosos de Atenas.

Até hoje não existe qualquer indício de que Sócrates realmente tenha professado a fé em outros deuses. No entanto, o que está em jogo não é a culpa ou não do pensador, e sim a postura do júri e da Assembleia de Atenas ao julgar um homem por sua suposta crença religiosa contrária.

Ao vermos a utilização da religião como arma para condenar um ser humano por causa de atritos políticos, fica evidente a importância de preservar-se o direito de todos de professarem e cultuarem os seus deuses. 

Em outro momento da história, a humanidade presenciou as Cruzadas, que consistiu em um conflito político com interesses políticos e territoriais que se fez passar por uma guerra santa (guerra motivada por questões religiosas).

Outro momento que chocou a humanidade foi o holocausto, provocado pelo governo nazista na Alemanha. 

O genocídio perpetrado pelos nazistas tinha, em sua superfície, uma justificativa religiosa (a crença antissemita de que os judeus eram responsáveis pela ruína alemã). No entanto, a intenção nazista era colocar no inimigo político (aparentemente pela religião) a culpa pelas mazelas sociais para unir a população em torno de uma ideologia e, consequentemente, em apoio ao líder (no caso, Adolf Hitler)

A importância do Estado laico centra-se no fato de que a liberdade religiosa é um direito humano fundamental, o qual que deve ser garantido. 
Somente um Estado laico pode resguardar o respeito e a igualdade entre toda e qualquer religião, sem privilegiar algumas ou depreciar outras. Deve-se lembrar que o ato de não professar fé em Deus (ateísmo) e o de não optar por religiões ou se abster de decidir acerca de uma religião (agnosticismo) também devem ser respeitados.

Quando surgiu o Estado laico no Brasil?

Em 7 de janeiro de 1890, foi promulgado o decreto 119-A, que tornava o Brasil (já republicano desde o golpe de 1889) um país laico. No ano seguinte, foi promulgada a Constituição Federal de 1891, a primeira da República. Esse documento também garantia a liberdade religiosa e retirava do governo e do Estado a adoção de uma posição religiosa oficial.

O decreto 119-A trouxe uma série de mudanças para a vida civil e para a organização governamental brasileira. Nessa ocasião, foi criado o casamento civil, tornando o casamento religioso opcional e a união civil a forma reconhecida pelo governo. Os cemitérios, antes administrados por igrejas, passaram a ser geridos pelo poder público.

A opção pelo Estado laico faz parte do pensamento republicano e do positivismo, ideais que moveram as ações dos militares responsáveis pela Proclamação da República e pelo governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca.

Martinho Lutero e o Estado laico

A Reforma Protestante, iniciada por Lutero, ocasionou o início de uma revisão da relação entre Estado e Igreja. Muitas das críticas do reformador contidas em suas 95 teses não eram apenas erros da Igreja Católica, mas erros da Igreja Católica cometidos sob a permissão estatal ou em conluio com governantes.

Lutero entendia que os dois domínios, da religião cristã e do Estado (que ele chamou domínio da Espada), eram criações divinas, porém distintas. O domínio da religião cristã era o primeiro e mais natural. 

Lutero acreditava que, se todos fossem verdadeiramente cristãos, haveria ordem e respeito, não sendo necessário o domínio da espada.

Como eram poucos os cristãos verdadeiros, isto é, que seguiam os ensinamentos de Cristo, foi necessário, segundo Lutero, que Deus criasse o domínio da espada para manter o funcionamento de tudo em sua perfeita ordem.

> Esse texto foi publicado originalmente com o título "Estado laico". 

Comentários

Novo Satanás disse…
Quantas atribuições devem ser desempenhadas durante as horas de trabalho?

Art 19 da Lei 8112/90. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Orkut tem viciados em profiles de gente morta

Uma das comunidades do Orkut que mais desperta interesse é a PGM ( Profile de Gente Morta). Neste momento em que escrevo, ela está com mais de 49 mil participantes e uma infinidade de tópicos. Cada tópico contém o endereço do profile (perfil) no Orkut de uma pessoa morta e, se possível, o motivo da morte. Apesar do elevado número de participantes, os mais ativos não passam de uma centena, como, aliás, ocorre com a maior parte das grandes comunidades do Orkut. Há uma turma que abastece a PGM de informações a partir de notícias do jornal. E há quem registre na comunidade a morte de parentes, amigos e conhecidos. Exemplo de um tópico: "[de] Giovanna † Moisés † Assassinato Ano passado fizemos faculdade juntos, e hoje ao ler o jornal descubri (sic) que ele foi assassinado pois tentou reagir ao assalto na loja em que era gerente. Tinha 22 anos...” Seguem os endereços do profile do Moisés e da namorada dele. Quando o tópico não tem o motivo da morte, há sempre alguém que ...

O incrível padre Meslier. Ateu enrustido, escreveu contundentes críticas ao cristianismo e a Jesus

Neymar paga por mês R$ 40 mil de dízimo à Igreja Batista

Feliciano na presidência da CDHM é 'inaceitável', diz Anistia

Feliciano disse que só sai da comissão se morrer A Anistia Internacional divulgou nota afirmando ser “inaceitável” a escolha do pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP), na foto, para a presidência da CDHM (Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara), por ter "posições claramente discriminatórias em relação à população negra, LGBT e mulheres". "É grave que ele tenha sido alçado ao posto a despeito de intensa mobilização da sociedade em repúdio a seu nome", diz. Embora esteja sendo pressionado para renunciar inclusive pelo seu próprio partido, Feliciano declarou no fim de semana que só morto deixará a presidência da comissão. O seu mandato no órgão é de dois anos. A Anistia manifestou a expectativa de que os deputados “reconheçam o grave equívoco cometido” e  “tomem imediatamente as medidas necessárias” para substituir o deputado. “[Os integrantes da comissão] devem ser pessoas comprometidas com os direitos humanos” que tenham “trajetórias públi...

Rabino da Congregação Israelita Paulista é acusado de abusar de mulheres

Feliciano manda prender rapaz que o chamou de racista

Marcelo Pereira  foi colocado para fora pela polícia legislativa Na sessão de hoje da Comissão de Direitos Humanos e Minoria, o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP), na foto, mandou a polícia legislativa prender um manifestante por tê-lo chamado de racista sob a alegação de ter havido calúnia. Feliciano apontou o dedo para um rapaz: “Aquele senhor de barba, chama a segurança. Ele me chamou de racista. Racismo é crime. Ele vai sair preso daqui”. Marcelo Régis Pereira, o manifestante, protestou: “Isso [a detenção] é porque sou negro. Eu sou negro”. Depois que Pereira foi retirado da sala, Feliciano disse aos manifestantes: “Podem espernear, fui eleito com o voto do povo”. O deputado não conseguiu dar prosseguimento à sessão por causa dos apitos e das palavras de ordem cos manifestantes, como “Não, não me representa, não”; “Não respeita negros, não respeita homossexuais, não respeita mulheres, não vou te respeitar não”. Jovens evangélicos manifestaram apoio ao ...

'Não é justo o eterno julgamento de Xuxa por um filme do passado'

por Arlindo Moreira a propósito de TJ mantém veto ao filme em que Xuxa interpreta uma pedófila A cabeça de todo mundo muda com o tempo. E junto mudam as oportunidades. Foi o que aconteceu com Xuxa. Agora, temos que ver que é um filme, uma história roteirizada pro cinema e que atores de peso também participaram do projeto. Acredito que nada tenha sido feito sem que a Justiça na época soubesse, senão todo mundo tinha sido preso. Não concordo com esse eterno julgamento à apresentadora Xuxa. Todo mundo certamente faria o mesmo, isso é a verdadeira hipocrisia. Quando se participa de um projeto artístico, cinema, teatro, ou qualquer outro, tem-se contratos, diretores, afins. Não é justo incriminar uma modelo iniciante que se deu bem na vida através de sua criatividade e determinação fazendo o bem às pessoas. Essa atitude parece muito com a atitude nazista de "matar" os judeus por serem mais bem sucedidos do que os alemães (e por não serem católicos). À época, ela não...

Padre do Paraná se masturba diante de menina de 13 anos

A Polícia Rodoviária prendeu na quarta-feira (2) o padre Reginaldo Antonio Ghergolet (foto), 37, da Diocese de Jacarezinho (PR), por ter se masturbado diante de uma menina de 13 anos em Ribeirão do Pinhal.

'Pessoa sem fé se torna muito só', afirma Christiane Torloni

Atriz diz que segue  preceitos  do budismo Ao falar que é católica por formação e que segue os “preceitos” do budismo, a   atriz Christiane Torloni (foto) afirmou que “sem fé a pessoa se torna muito só”.  “Leio a palavra de Cristo e acredito que ele e o Buda são duas manifestações de muita luz para o ser humano”, disse à coluna de Sonia Racy, no Estadão. Torloni comparou a vida a uma gincana. “É como uma novela”, afirmou. “Os budistas têm um termo muito bom para isso: rigor de continuidade.” Aos 54 anos, a atriz disse que o envelhecimento “traz benefícios incríveis para a alma e a sabedoria”. Tweet ‘Energia espiritual’ tem ajudado Gianecchini, diz médium setembro de 2011