Legislativo e Judiciário têm mais poder sobre o Estado laico que o Executivo |
por Akrasia
revista da Liga Humanista Secular do Brasil
Pode! Pode ter evangélico, católico, umbandista, espírita, xintoísta, ateu... Apesar de pouco lembrado, inclusive pelo próprio STF que abriu as portas para ensino confessional nas escolas públicas, o Estado brasileiro é laico, não ateu. Mais sobre Estado laico daqui a alguns parágrafos.
Bolsonaro disparou mais uma afirmação infeliz, como é costumeiro em sua carreira política há mais de três décadas, acerca de sua futura indicação ao STF. Parafraseando o presidente, "indicarei para ministro uma pessoa radicalmente evangélica". Supomos aqui que "radicalmente" indique "fervorosamente".
A priori isso não é problema. Como já dito, religião deve ser questão de foro íntimo, e um ministro do STF pode professar qualquer fé, ou nenhuma, com qualquer grau de fervor, DESDE QUE mantenha sua religiosidade na esfera de assuntos pessoais: o exercício de seu cargo NÃO DEVE ser orientado por pautas clericais e/ou teológicas, mas objetivamente ao escopo do corpo legal e jurídico brasileiros.
Entretanto, o que provavelmente quis dizer Bolsonaro, em discordância com o que impõe a Constituição, é que ele pretende indicar ao STF um futuro ministro cujo exercício do cargo esteja condicionado ao corporativismo clerical de setores específicos entre os evangélicos e que se paute menos por tecnicismo jurídico e mais por princípios teológicos. Não é a primeira vez e nem será a última que ele ataca frontalmente a laicidade Estatal brasileira, em parte porque não a compreende e é ignorante acerca de sua importância.
O Estado laico importa porque é uma forma de organizar a sociedade sem priorizar esta ou aquela religião, esta ou aquela denominação, este ou aquele grupo clerical, permitindo que TODOS os cidadãos brasileiros possam professar qualquer fé (ou nenhuma) sem que as Instituições públicas e a legislação lhes sejam hostis. Todos seguem leis que não são embasadas em prescrições teológicas e tem a liberdade e a GARANTIA de poderem professar qualquer fé.
E liberdade de crença não é apenas um importante direito individual constante na Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas um importante elemento para promover e manter coesão social, paz e prosperidade em uma nação. Atacar a laicidade Estatal não é uma forma de se promover paz e prosperidade: ao contrário, induz as demais denominações e entidades clericais a disputarem quinhões de privilégios e influência, fomentando e acirrando disputas e frequentemente gerando situações hostis à fé (ou ausência de fé) alheia, em especial daqueles que professam fés minoritárias no país.
Por último, é bom lembrar que não é de hoje que Bolsonaro diz qualquer estupidez frontalmente contrária ao Estado laico brasileiro, o que é sim criticável e condenável, mas cujas consequências são inócuas. Antes que com meras palavras, muitas vezes emitidas para reacender o fervor de núcleos de apoio político, devemos nos atentar às ações. Ao presidente da República há muito pouco poder para, de fato, atacar o Estado laico — e uma das oportunidades para tanto é, exatamente, através da indicação de ministros ao STF.
Maior poder de afetar o Estado laico tem o Legislativo e o Judiciário. Como já mencionado anteriormente, o próprio STF já erodiu certas garantias de laicidade, bem antes de Bolsonaro ser candidato para "ameaçar" indicar um ministro evangélico. E presidente por presidente, Bolsonaro não é o primeiro e nem será o último a emitir declarações que afrontam a laicidade Estatal.
Por uma questão de coerência faz por bem criticar todos os agentes públicos que atacarem o Estado laico, em especial aqueles com poder decisório.
A ilustração foi introduzida no texto por Paulopes. Link com informações sobre a revista Akrasia.
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