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Futuro da Igreja Católica alemã é sombrio. Perdeu 522 mil fiéis só em 2022

A morte de seguidores e as pessoas que mudaram de religião deram o 'prejuízo' total de 708.285 naquele ano à Igreja 


ANTONIO DALL'OSTO
jornalista
Settimana News

Para os bispos e os católicos alemães foi um choque constatar pelas últimas pesquisas que, em 2022, mais de meio milhão de fiéis abandonaram a Igreja. As saídas foram exatamente 522.821.

A esses dados, definidos como sombrios, juntam-se também alguns lampejos de luz, em grande medida ilusórios: de fato, o número de batismos e casamentos está aumentando e a frequência à igreja também cresceu. Mas – foi apontado – “uma olhada nos números, às evoluções e as tendências mostra que esses valores são, na melhor das hipóteses, um fogo de palha. A almejada inversão de tendência após a pandemia de coronavírus não aconteceu”.

A Conferência Episcopal Alemã não comenta. Anuncia apenas os números das estatísticas da Igreja, e, ainda por cima, apenas aqueles em vermelho.

Ao contrário dos anos anteriores, para a apresentação dos dados não houve a presença do presidente ou do secretário-geral: bastou um comunicado sóbrio com muitos números.

O que mais pode ser dito honestamente à luz desses números? Que qualquer tentativa de adoçar a pílula seria apenas embaraçosa, é a resposta.

Somando as 522.821 pessoas que declararam sua saída da Igreja em 2022, as mortes e as mudanças de religião, resulta uma diminuição do número de membros da Igreja Católica, em todo o país, de 708.285 pessoas.

O ano do coronavírus (2020) representou um ponto de virada nas estatísticas: as celebrações dos sacramentos e dos funerais católicos diminuíram significativamente e a já baixa frequência à igreja quase caiu pela metade.

No ano seguinte, o aumento maciço do número em saídas – de 220.000 para quase 360.000 – poderia ser de alguma forma atenuado pelo crescimento dos sacramentos, mas mesmo assim já era claro que o aumento ocorrido de 2020 para 2021 não compensou as perdas em 2020. A esperança que os matrimônios, as primeiras comunhões e as confirmações, impossibilitados pelo coronavírus, fossem unicamente adiados não se concretizou.

Igreja em crise: fuga
e morte de fiéis e
poucos jovens

Esses números -- declarou o presidente da Conferência Episcopal Georg Bätzing - "entristecem", mas exortou a não ceder à resignação.

“Por que – perguntou a revista estadunidense National Catholic Register – meio milhão de alemães abandonaram a Igreja Católica, o que significa esse fenômeno e que implicações tem para o futuro do catolicismo no país?”.

Em um longo comentário em 28 de junho, a revista respondeu: isso significa que, em 2022, 2,4% dos católicos alemães deixaram oficialmente de pertencer à Igreja Católica, levando o número total de membros no país para 20,94 milhões. Número que constitui o nível mais baixo de todos os tempos. O número mais alto foi alcançado em 1990 com 28,3 milhões de fiéis, mas desde então tem diminuído continuamente. De certa forma, os números de 2022 fazem simplesmente parte dessa tendência mais ampla.

Mas o número anual de abandonos, que ultrapassa pela primeira o meio milhão, tem um significado que leva a refletir e ressalta os sérios desafios que o catolicismo alemão terá de enfrentar nos próximos anos.

Esses dados – escreve a National Catholic Register – chegam justo em meio dos esforços de reforma do chamado Synodaler Weg (o Caminho Sinodal), que muitos veem como uma tentativa plurianual e multifásica de conformar o ensinamento e a prática da Igreja com os padrões da sociedade moderna progressista. Os defensores desse controverso processo frequentemente citam a necessidade de modernizar a Igreja para manter o número de membros.
Por que deixam a Igreja?

Os dados comunicados pela Conferência Episcopal não registram, a rigor, o número de católicos alemães que pertencem à Igreja como entidade espiritual, mas simplesmente refletem o número de pessoas oficialmente registradas como católicas. Essa situação decorre da Constituição de Weimar do pós-guerra (e provavelmente com raízes na antiga práxis alemã), segundo a qual a ordenação jurídica do Estado alemão exige que as organizações religiosas sejam financiadas por seus próprios membros.

Isso significa que os católicos alemães são obrigados por lei a pagar o Kirchensteuer, ou seja, o imposto eclesiástico, que representa mais 8%-9% do que já pagam em impostos sobre o rendimento, com um valor que varia consoante a região a que pertencem. Por exemplo, um católico que vive em Berlim ganha um salário médio anual de € 43.722 e paga € 5.981 de imposto de renda. Anualmente, o governo deduz 538,29 euros adicionais (ou 9%) de seu salário e os repassa à Arquidiocese de Berlim, um processo que é automático.

Quando um alemão é batizado na Igreja Católica, ele não é apenas registrado no livro de batismo, mas também contado como "católico" junto ao governo local. Quando o sujeito começa a pagar os impostos, o imposto eclesiástico é automaticamente deduzido pelo Estado dos seus rendimentos mensais e redistribuído à diocese a que pertence, com uma pequena “taxa” adicional que facilita a transação.


Portanto, a única maneira de parar de pagar o imposto eclesiástico é acabar com a filiação à Igreja Católica como entidade legalmente reconhecida na sociedade alemã, comparecendo diante de um magistrado do governo local e declarando publicamente não ser mais católico. O ato não anula o batismo de ninguém, mas torna tecnicamente quem o faz não idôneo a receber a Eucaristia e os outros sacramentos, e até mesmo ter um enterro cristão, pelo menos de acordo com as disposições atuais dos bispos alemães, confirmadas em um decreto de 2012. De fato, a desfiliação da estrutura da Igreja é amplamente descrita como uma "autoexcomunhão de facto”.

Todo o sistema do kirchensteuer também é altamente controverso entre alguns católicos que estão alarmados com os esforços de reforma do Caminho Sinodal e não querem ser forçados a financiá-los com um imposto eclesiástico obrigatório. 

Conforme relatado pelo National Catholic Register, numerosos pedidos de acordos alternativos foram apresentados ao Vaticano. Mas a resposta de Roma foi coerente: embora a desfiliação não deveria ser considerada "apostasia", a filiação à Igreja Católica na Alemanha exige o pagamento da taxa.
Quem abandona e por que razão?

Mas, enquanto uma pequena minoria de católicos alemães que não pretendem violar sua consciência contribuindo para o processo sinodal poderia ser computada entre os 522.821 desfiliados da Igreja local no ano passado, a grande maioria provavelmente saiu por diferentes motivos.

Embora a conferência dos bispos não tenha divulgado quem se desfiliou e por que escolheu fazer isso, alguns relatórios e estudos sobre o abandono nos últimos anos apresentam um quadro bastante homogêneo: a maioria das pessoas que se desfiliam não quer continuar pagando por uma entidade religiosa em que não confiam mais ou que representa uma fé na qual não acreditam ou que não praticam mais.

Um relatório de 2021 da CNA Deutsch destacou que um em cada três católicos na Alemanha estava pensando em deixar a Igreja. Os motivos do abandono variam, entre os mais idosos que citam a forma como a Igreja lidou com a crise dos abusos sexuais, que eclodiu em 2010, e os mais jovens que denunciam a obrigação de pagar o imposto eclesiástico. Mas, enquanto a crise do abuso sexual possa certamente ser um fator que contribui para a desfiliação, assim como as preocupações econômicas compreensíveis, uma causa mais profunda é provavelmente a crescente onda de secularismo, em particular na Alemanha Oriental, que é considerada uma das zonas mais ateias do mundo. Uma estimativa de 2021 destacou que 42% dos alemães não são religiosos, em relação aos 30% de 2010.

Em comparação, a porcentagem de pessoas na Alemanha que não eram católicas ou protestantes em 1950 era de apenas 4%. A incredulidade, ou pelo menos o abandono da prática religiosa, também se espalharam entre aqueles que se registraram como católicos por décadas, o que significa que o número de frequência à missa dominical caiu abaixo de 5% em todo o país, mesmo antes do Covid.

Mas as práxis observadas até agora, como ter que agendar uma visita ao magistrado local e pagar uma pequena taxa, bem como os incentivos familiares e municipais para permanecer afiliado, diminuíram à medida que mais e mais pessoas optaram por sair. À medida que aumentam aqueles que abandonam, a desfiliação aumenta como uma bola de neve. Segundo um estudo, o número de católicos alemães que pagam kirchensteuer cairá pela metade até 2060.

Qual é o impacto potencial?

Do ponto de vista prático, o meio milhão de desfiliações em 2022 corresponde à perda de centenas de milhões de euros em receitas fiscais para a Igreja Católica no país.

A Igreja alemã recebeu € 7,32 bilhões via impostos religiosos no ano passado, estimando que o católico alemão médio paga cerca de € 350 em kirchensteuer por ano. Com base nesse valor, a perda de 520.000 membros que pagam a taxa representa um déficit anual estimado em quase 183 milhões de euros.

Não é um valor insignificante, sobretudo em vista da próxima fase do Caminho Sinodal. Quatro bispos alemães bloquearam recentemente os fundos nacionais da Igreja destinados ao chamado Comitê Sinodal, um órgão transitório designado para implementar as resoluções acordadas pelas assembleias do Caminho Sinodal. O ônus financeiro recai, portanto, sobre os 23 bispos que apoiam o Comitê Sinodal.

O impacto da taxa de abandono mais recente varia de acordo com a diocese. Por exemplo, Berlim, Hamburgo e Munique registraram número de desfiliação significativamente superior à média nacional, ou seja, 3,4, 3,7 e 3,2%, respectivamente, enquanto a diocese de Gorlitz perdeu apenas 1,4% de seus membros, o que representa o valor mais baixo de qualquer outra diocese alemã.

A longo prazo, as projeções dos números de desfiliações para 2022 desde já permitem entrever situações dramáticas, como sublinha o relatório que estima em 40.000 as paróquias, os mosteiros e as outras estruturas católicas terão de ser encerradas até 2060 por falta de fundos.

Sentindo os primeiros sintomas da situação, muitas dioceses estão fechando paróquias e escolas. E continuar a empregar um número de pessoas calculado em cerca de 800.000 que trabalham na Igreja Católica como está agora é claramente insustentável.

A perspectiva a longo prazo é de uma redução significativa - para a Igreja alemã - também de seus status público, de suas dimensões e de peso institucional.

A implosão do número de membros poderia levar a Igreja Católica a renunciar ao kirchensteuer, contando menos com o financiamento obrigatório dos membros e mais sobre as doações voluntárias daqueles que são mais engajados e envolvidos na vida católica.
Reformas necessárias, mas quais?

Os defensores do controverso Caminho Sinodal não hesitaram em interpretar os recentes números de desfiliação de acordo com sua sensibilidade.

Irme Stetter-Karp, presidente do Comitê Central dos Católicos Alemães (ZdK), disse estar "triste, mas não muito surpresa" com os resultados, afirmando também que a liderança da Igreja "atualmente não está suficientemente determinada para implementar visões de futuro do cristianismo na Igreja... Precisamos urgentemente de reformas na Igreja".

O bispo Georg Bätzing, da diocese de Limburg, chamou de "lamentável" a falta de financiamento para as reformas sinodais. “Uma Igreja em constante declínio e com pessoal em crise permanente não é muito atrativa para quem está em busca”.

Bätzing compartilhou a interpretação dos números de desfiliação e seu impacto no Caminho Sinodal. “Propomo-nos perguntas e desenvolvimentos importantes no Caminho Sinodal – disse. A maioria de nós encontrou respostas e deseja promover a mudança."

A mudança que Stetter-Karp e o bispo Bätzing consideram essencial para um “futuro do cristianismo” viável parece incluir as reformas promovidas pelo Caminho Sinodal, ou seja: governo leigo, bênção das uniões entre pessoas do mesmo sexo, incorporação da teoria de gênero na vida e na prática da Igreja, ordenação das mulheres e abolição do celibato para os padres.

Mas – rebateram os críticos do Caminho Sinodal –, as reformas desejadas já estão sendo implementadas há anos na Igreja Luterana alemã, sem nenhum efeito evidente na diminuição do número de membros. O outrora dominante corpo eclesial perdeu 390.000 membros somente em 2017, uma queda de 1,8%. No ano passado, os dados mostram que a Igreja Luterana no norte da Alemanha perdeu 18,5% de seus membros nos últimos 10 anos.

Em última análise, o colapso evidentemente inevitável da filiação à Igreja Católica poderia sugerir que “brincar com os números” projetando reformas destinadas a conter a desfiliação poderia não ser a abordagem correta.

Em vez disso – argumentam os críticos do Synodaler Weg -, o melhor remédio é abraçar uma nova fidelidade à fé católica, confiando que, se houvesse uma estabilização, para não dizer um crescimento, no número de católicos na Alemanha, isso aconteceria apenas com a graça de Deus, não através das artimanhas dos homens.

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