Pular para o conteúdo principal

Estudo de brasileiros e chineses compatibiliza princípios da teoria quântica

Comprovou-se que as manifestações "não localidade" e "contextualidade" não são complementares de um mesmo fenômeno

JOSÉ TADEU ARANTES | Agência FAPESP
jornalista

Concebida e formulada ao longo das três primeiras décadas do século 20, a teoria quântica já é centenária. Capaz de descrever com precisão uma ampla variedade de fenômenos — proeminentes nas escalas molecular, atômica e subatômica —, possui também um extenso rol de usos tecnológicos. Basta lembrar três aplicações que se tornaram quase onipresentes na vida cotidiana: os dispositivos a laser para leitura de códigos de barra, o LED (sigla em inglês para diodo emissor de luz) e o GPS (sigla em inglês para sistema de posicionamento global).

Apesar disso, a compreensão dos fundamentos da teoria física quântica ainda não é inteiramente satisfatória. E alguns dos comportamentos que ela descreve são tão destoantes do chamado “senso comum”, baseado nas vivências empíricas do dia a dia, que surpreendem não apenas os leigos, mas até os físicos e filósofos da ciência.

Alguns aspectos contraintuitivos da teoria quântica devem-se ao seu caráter probabilístico. Sendo um conjunto de regras para calcular as probabilidades dos possíveis resultados de medições realizadas sobre sistemas físicos, a teoria quântica, em geral, não consegue prever, no nível de uma única medição, qual resultado será obtido.

Uma das ideias desafiadoras posta em pauta pela física quântica é a da “não localidade”. Essa característica da realidade se manifesta quando dois ou mais sistemas são gerados ou interagem de tal maneira que os estados quânticos de uns não podem ser descritos independentemente dos estados quânticos dos outros.

No jargão científico, diz-se que os sistemas ficam “emaranhados”, isto é, correlacionados fortemente (caso em que o estado quântico do todo não é dado por estados quânticos definidos de seus constituintes), a despeito da distância entre eles.

Outra ideia desafiadora, que parece vir no sentido contrário, é a da “contextualidade”. Trata-se da hipótese de que os resultados de uma medição realizada sobre um objeto quântico dependem do contexto em que ela é feita — vale dizer, de outras medições compatíveis, realizadas conjuntamente com a primeira.

Nascidas com a teoria quântica, não localidade e contextualidade seguiram caminhos independentes por várias décadas. Um estudo realizado com um caso particular em 2014 chegou a demonstrar, inclusive, que apenas um dos dois fenômenos poderia se manifestar em um sistema quântico. Esse resultado ficou conhecido como “monogamia”. E seus autores conjecturaram que não localidade e contextualidade poderiam ser diferentes faces de um mesmo comportamento geral, que só se manifestaria de uma ou outra maneira.

No entanto, um novo estudo, conduzido por pesquisadores brasileiros e chineses, demonstrou, tanto teórica quanto experimentalmente, que isso não é verdade. A pesquisa, coordenada por Rafael Rabelo, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (IFGW-Unicamp), teve a participação de Gabriel Ruffolo e André Mazzari, também do IFGW-Unicamp; de Marcelo Terra Cunha, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc-Unicamp); de Tassius Temístocles, do Instituto Federal de Alagoas, e de Peng Xue e Lei Xiao, do Beijing Computational Science Research Center, na China. Artigo a respeito foi destaque na revista Physical Review Letters.

“Provamos que é, sim, possível observar concomitantemente ambos os fenômenos em sistemas quânticos. E a abordagem teórica, desenvolvida aqui, no Brasil, foi comprovada por um experimento de óptica quântica realizado por nossos colaboradores chineses”, diz Rabelo à Agência FAPESP.

Do ponto de vista fundamental, o novo trabalho demonstra, de forma definitiva, que dois dos aspectos fundamentais onde a física quântica mais difere da física clássica podem ser observados ao mesmo tempo no mesmo sistema, contrariamente ao que se acreditava. “Assim, fica evidente que não localidade e contextualidade não são manifestações complementares de um mesmo fenômeno”, comenta Rabelo.

Esta figura geométrica representa as relações de compatibilidade entre todas as medições de um experimento. Cada medição é representada por um vértice. E vértices conectados por uma aresta representam medições compatíveis. As duas medições do “Observador A” (vértices vermelhos) são compatíveis com todas as medições do “Observador B” (vértices azuis). A compatibilidade das medições de B é representada, no caso, pelo heptágono azul claro. Conjuntos de medidas que são compatíveis duas a duas são compatíveis em conjunto 


Já do ponto de vista prático, a não localidade é um importante recurso para criptografia quântica; e a contextualidade é a base para um modelo específico de computação quântica; entre outras aplicações. “A possibilidade de se ter ambas, ao mesmo tempo, em um mesmo sistema, pode abrir caminhos para o desenvolvimento de novos protocolos de processamento quântico de informação e de comunicação quântica”, conjectura o pesquisador.

Um pouco de história da ciência


A ideia de não localidade foi uma espécie de resposta à objeção feita por Albert Einstein (1879 – 1955) ao caráter probabilístico da física quântica. Em um artigo seminal, publicado em 1935, Einstein, Boris Podolsky (1896-1966) e Nathan Rosen (1909-1995) questionaram a completude da teoria quântica. E, para isso, conceberam um experimento mental que ficou conhecido como “Paradoxo EPR” (sendo essas letras as iniciais dos sobrenomes dos três cientistas). 

A crítica de EPR sugeria que para justificar certas correlações não clássicas, advindas do emaranhamento, seria necessário que sistemas quânticos distantes trocassem informação de forma instantânea, Contrariando a teoria especial da relatividade. E que esse tipo de paradoxo decorreria do caráter incompleto da teoria quântica, que poderia ser corrigida com a incorporação de variáveis ocultas locais. Estas devolveriam à física quântica o caráter supostamente determinista da física clássica.

“Em 1964, John Stewart Bell (1928-1990) revisitou o trabalhou de Einstein, Podolski e Rosen e introduziu um formalismo elegante que englobava todas as teorias de variáveis ocultas locais, independentemente de propriedades particulares que cada uma poderia ter. Bell provou que nenhuma dessas teorias poderia reproduzir as correlações entre as medições realizadas em dois sistemas previstas pela física quântica. Esse resultado, que ficou conhecido como Teorema de Bell, é, na minha opinião, um dos mais importantes pilares da física quântica. A propriedade de tais correlações fortes, que não podem ser reproduzidas por nenhuma teoria local, é hoje conhecida como não localidade de Bell. Em 2022, John Clauser, Alain Aspect e Anton Zeilinger foram contemplados com o Prêmio Nobel de Física pela observação experimental da não localidade de Bell, dentre outras realizações”, informa Rabelo.

Outro importante resultado decorrente da discussão a respeito de variáveis ocultas foi apresentado em um artigo de Simon Kochen e Ernst Specker (1920-2011), publicado em 1967. Os autores demonstram que, devido à estrutura e às propriedades matemáticas das medições quânticas, qualquer teoria de variáveis ocultas que reproduza as predições da física quântica deve necessariamente exibir um aspecto de contextualidade.

“Apesar da motivação comum, o estudo da não localidade de Bell e da contextualidade de Kochen-Specker seguiu por caminhos independentes por bastante tempo. Apenas recentemente cresceu o interesse por saber se ambos os fenômenos poderiam se manifestar concomitantemente no mesmo sistema físico. Em um artigo publicado em 2014, Pawel Kurzynski, Adán Cabello e Dagomir Kaszlikowski disseram que não. Isso foi demonstrado a partir de um caso particular, mas de bastante interesse. Foi esse ‘não’ que conseguimos refutar agora com nosso estudo”, afirma Rabelo.

O estudo recebeu apoio da FAPESP por meio de Auxílio a Jovens Pesquisadores concedido a Rabelo; de Bolsa de Doutorado concedida a Ruffolo; e de Bolsa de Mestrado concedida a Mazzari.

> O artigo Synchronous Observation of Bell Nonlocality and State-Dependent Contextuality, publicado em Physical Review Letters com o destaque de ser uma “sugestão do editor”, pode ser acessado em: https://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.130.040201. Também está acessível gratuitamente na plataforma Arxiv. Crédito da figura geométrica: Rafael Rabelo/Unicamp)

• Universo é mais simples do que se imagina, diz última teoria de Hawking

• Nova teoria diz que fim do universo pode ocorrer com outro Big Bang

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

Vicente e Soraya falam do peso que é ter o nome Abdelmassih

Feliciano manda prender rapaz que o chamou de racista

Marcelo Pereira  foi colocado para fora pela polícia legislativa Na sessão de hoje da Comissão de Direitos Humanos e Minoria, o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP), na foto, mandou a polícia legislativa prender um manifestante por tê-lo chamado de racista sob a alegação de ter havido calúnia. Feliciano apontou o dedo para um rapaz: “Aquele senhor de barba, chama a segurança. Ele me chamou de racista. Racismo é crime. Ele vai sair preso daqui”. Marcelo Régis Pereira, o manifestante, protestou: “Isso [a detenção] é porque sou negro. Eu sou negro”. Depois que Pereira foi retirado da sala, Feliciano disse aos manifestantes: “Podem espernear, fui eleito com o voto do povo”. O deputado não conseguiu dar prosseguimento à sessão por causa dos apitos e das palavras de ordem cos manifestantes, como “Não, não me representa, não”; “Não respeita negros, não respeita homossexuais, não respeita mulheres, não vou te respeitar não”. Jovens evangélicos manifestaram apoio ao ...

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Rabino da Congregação Israelita Paulista é acusado de abusar de mulheres

Orkut tem viciados em profiles de gente morta

Uma das comunidades do Orkut que mais desperta interesse é a PGM ( Profile de Gente Morta). Neste momento em que escrevo, ela está com mais de 49 mil participantes e uma infinidade de tópicos. Cada tópico contém o endereço do profile (perfil) no Orkut de uma pessoa morta e, se possível, o motivo da morte. Apesar do elevado número de participantes, os mais ativos não passam de uma centena, como, aliás, ocorre com a maior parte das grandes comunidades do Orkut. Há uma turma que abastece a PGM de informações a partir de notícias do jornal. E há quem registre na comunidade a morte de parentes, amigos e conhecidos. Exemplo de um tópico: "[de] Giovanna † Moisés † Assassinato Ano passado fizemos faculdade juntos, e hoje ao ler o jornal descubri (sic) que ele foi assassinado pois tentou reagir ao assalto na loja em que era gerente. Tinha 22 anos...” Seguem os endereços do profile do Moisés e da namorada dele. Quando o tópico não tem o motivo da morte, há sempre alguém que ...

Limpem a boca para falar do Drauzio Varella, cristãos hipócritas!

Varella presta serviço que nenhum médico cristão quer fazer LUÍS CARLOS BALREIRA / opinião Eu meto o pau na Rede Globo desde o começo da década de 1990, quando tinha uma página dominical inteira no "Diário do Amazonas", em Manaus/AM. Sempre me declarei radicalmente a favor da pena de morte para estupradores, assassinos, pedófilos, etc. A maioria dos formadores de opinião covardes da grande mídia não toca na pena de morte, não discutem, nada. Os entrevistados de Sikera Júnior e Augusto Nunes, o povo cristão da rua, também não perdoam o transexual que Drauzio, um ateu, abraçou . Então que tipo de país de maioria cristã, tão propalada por Bolsonaro, é este. Bolsonaro é paradoxal porque fala que Jesus perdoa qualquer crime, base haver arrependimento Drauzio Varella é um médico e é ateu e parece ser muito mais cristão do que aqueles dois hipócritas.  Drauzio passou a vida toda cuidando de monstros. Eu jamais faria isso, porque sou ateu e a favor da pena de mor...

Prefeito de São Paulo veta a lei que criou o Dia do Orgulho Heterossexual

Kassab inicialmente disse que lei não era homofóbica

Suécia corta subsídios das igrejas fundamentalistas e impõe novas restrições

Psicóloga defende Feliciano e afirma que monstro é a Xuxa

Marisa Lobo fez referência ao filme de Xuxa com garoto de 12 anos A “psicóloga cristã” Marisa Lobo (foto) gravou um vídeo [ver abaixo] de 2 minutos para defender o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) da crítica da Xuxa segundo a qual ele é um “monstro” por propagar que a África é amaldiçoada e a Aids é uma “doença gay”. A apresentadora, em sua página no Facebook, pediu mobilização de seus fãs para que Feliciano seja destituído da presidência da Comissão de Direitos Humanos e das Minorias da Câmara. Lobo disse que “monstro é quem faz filme pornô com criança de 12 anos”. Foi uma referência ao filme “Amor Estranho Amor”, lançado em 1982, no qual Xuxa faz o papel de uma prostituta. Há uma cena em que a personagem, nua, seduz um garoto, filho de outra mulher do bordel. A psicóloga evangélica disse ter ficado “a-pa-vo-ra-da” por ter visto nas redes sociais que Xuxa, uma personalidade, ter incitado ódio contra um pastor. Ela disse que as filhas (adolescentes) do pastor são fãs...

Pastor da Frente Parlamentar quer ser presidente do Brasil

Feliciano sabe das 'estratégias do diabo' contra um presidente cristão O pastor Marco Feliciano (foto), 41, do Ministério Tempo de Avivamento, disse sonhar com um Brasil que tenha um presidente da República que abra o programa “Voz do Brasil” dizendo: “Eu cumprimento o povo brasileiro com a paz do Senhor”.  Esse presidente seria ele próprio, conforme desejo que revelou no começo deste ano. Feliciano também é deputado federal pelo PSC-SP e destacado membro da Frente Parlamentar Evangélica. Neste final de semana, após um encontro com José Serra (PSDB), candidato a prefeito de São Paulo, Feliciano falou durante um culto sobre “as estratégias do diabo” para dificultar o governo de um "presidente cristão":  "A militância dos gays, a militância do povo que luta pelo aborto, a militância dos que querem descriminalizar as drogas". Como parlamentar, Feliciano se comporta como se o Brasil fosse um imenso templo evangélico. Ele é autor, entre outros, do p...