Pular para o conteúdo principal

Câmera ultrarrápida revela como funcionam os para-raios

Raios transportam correntes que equivalem a utilizada por 30 mil lâmpadas de 100 watts funcionando juntas

JOSÉ TADEU ARANTES | Agência FAPESP

Com uma câmera de vídeo ultrarrápida, e o trunfo de estar no lugar certo no momento certo, o físico Marcelo Saba, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e o doutorando Diego Rhamon obtiveram uma imagem inédita da descarga de um raio, mostrando detalhes de sua conexão com vários para-raios localizados nas imediações.

A raridade da imagem fez com que ela fosse reproduzida na capa da Geophysical Research Letters (GRL), uma das mais importantes revistas científicas da área. O trabalho contou com apoio da FAPESP.

“A imagem foi captada em uma noite de verão, em São José dos Campos [SP], quando um raio descendente de carga negativa se aproximava do solo com a velocidade de 370 quilômetros por segundo [km/s]", conta Saba.

"No instante em que a descarga estava a apenas algumas dezenas de metros do solo, vários para-raios e saliências de edifícios situados na região produziram descargas positivas ascendentes, competindo para conectar-se com o raio que descia. A imagem final anterior à conexão foi obtida 25 milionésimos de segundo antes do impacto do raio sobre um dos prédios.”

Foi essa imagem espetacular que os editores da GRL reproduziram na capa da publicação.

O pesquisador informa que sua câmera captou 40 mil imagens por segundo. Rodado em superslow motion, o vídeo mostra como os para-raios se comportam. E também que os raios podem ser um perigo se esses equipamentos de proteção não estiverem corretamente instalados. Isto porque, apesar de haver mais de 30 para-raios nas proximidades, o raio não se conectou com nenhum deles, mas, sim, com a chaminé de um forno localizado na cobertura de um dos edifícios. 

“Uma falha na instalação deixou essa área desprotegida. E o impacto de uma corrente de 30 mil amperes produziu nela um estrago impressionante.”

Em média, 20% dos raios são constituídos por trocas de carga elétrica entre as nuvens e o solo. Os 80% restantes são compostos por descargas elétricas no interior das nuvens. Dos que tocam o solo, a quase totalidade são raios descendentes: começam na nuvem e vêm para o solo. Raios ascendentes também existem, mas são raros. E só acontecem a partir de estruturas altas, como topos de montanhas, arranha-céus, torres e antenas. Dependendo da carga que transferem ao solo, os raios podem ser ainda classificados como negativos ou positivos.

“Os raios podem alcançar até 100 km de comprimento. E transportar correntes da ordem de 30 mil amperes. Isso equivale à corrente utilizada por 30 mil lâmpadas de 100 watts funcionando juntas. Em alguns casos, a corrente pode chegar a 300 mil amperes. A temperatura de um raio, de 30 mil oC, é cinco vezes maior do que a temperatura da superfície do Sol”, afirma Saba.

Como se formam os raios


O pesquisador explica que tudo começa com a eletrificação das nuvens. Seu mecanismo ainda não é inteiramente conhecido. Mas decorre, grosso modo, do atrito entre partículas de gelo, gotículas de água e granizo, que libera cargas e cria polaridades entre diferentes regiões das nuvens, com diferenças de potencial elétrico que variam de 100 milhões a 1 bilhão de volts.

“É preciso levar em conta que as nuvens de tempestades são estruturas enormes, com base a 2 ou 3 km do solo e cujo topo pode alcançar até 20 km de altitude. Seus diâmetros vão entre 10 e 20 km”, diz.

As duas ramificações
descendentes são
do mesmo raio,
que atingiu o
prédio à direita

A forma ramificada assumida pelos raios se explica pelo fato de que as cargas elétricas buscam o caminho mais fácil, isto é, que oferece menor resistência, e não o caminho mais curto, que seria a linha reta. O caminho mais fácil, geralmente em zigue-zague, é determinado por diferentes características elétricas da atmosfera, que não é homogênea. 

“Um raio composto de várias descargas pode durar até 2 segundos. No entanto, cada descarga dura apenas frações de milésimos de segundo.”

Ele destaca que o para-raios não atrai nem repele os raios. Tampouco descarrega as nuvens como se pensava antigamente. Ele simplesmente oferece ao raio um caminho fácil e seguro até o solo.

Como nem sempre é possível contar com a proteção de um para-raios e o verão é a época em que ocorre a maioria das descargas elétricas atmosféricas, convém considerar as recomendações de Saba. “As tempestades acontecem mais à tarde do que de manhã. Assim, cuidado com as atividades ao ar livre nas tardes de verão. Ao ouvir um trovão, busque abrigo. Nunca fique embaixo de árvores ou postes. Nem mesmo sob coberturas precárias. No caso de não haver um local robusto para se proteger, fique no carro e espere a tempestade passar. Se não houver carro nem qualquer outro lugar onde se abrigar, fique de cócoras com os pés juntos. Nunca de pé, nem deitado. Em casa, evite o contato com eletrodomésticos e o uso de telefone com fio.”

O pesquisador afirma que uma pessoa atingida por raio pode sobreviver. E há vários exemplos disso. As chances aumentam quando a pessoa é prontamente atendida. “A parada cardíaca é a única causa de óbito. Nesse caso, o atendimento recomendado é a ressuscitação cardiopulmonar”, ensina.

Saba iniciou o estudo sistemático de relâmpagos com câmeras de alta velocidade em 2003. Esse estudo, ainda vigente, proporcionou o maior banco de vídeos de raios filmados em alta velocidade no mundo. O pesquisador e seus orientandos já foram contemplados com 17 auxílios ou bolsas providos pela FAPESP.



> O artigo Close View of the Lightning Attachment Process Unveils the Streamer Zone Fine Structure pode ser acessado em: https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2022GL101482. A foto é de Diego Rhamon/Inpe.  


Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Professor obtém imunidade para criticar criacionismo nas aulas

A Corte de Apelação da Califórnia (EUA) decidiu que um professor de uma escola pública de Mission Viejo tem imunidade para depreciar o criacionismo, não podendo, portanto, ser punido por isso. A cidade fica no Condado de Orange e tem cerca de 94 mil habitantes. Durante uma aula, o professor de história James Corbett, da Capistrano Valley High School, afirmou que o criacionismo não pode ser provado cientificamente porque se trata de uma “bobagem supersticiosa”. Um aluno foi à Justiça alegando que Corbett ofendeu a sua religião, desrespeitando, assim, a liberdade de crença garantida pela Primeira Emenda da Constituição. Ele perdeu a causa em primeira instância e recorreu a um tribunal superior. Por unanimidade, os três juízes da Corte de Apelação sentenciaram que a Primeira Emenda não pode ser utilizada para cercear as atividades de um professor dentro da sala de aula, mesmo quando ele hostiliza crenças religiosas. Além disso, eles também argumentaram que o professor não ...

Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola

O estudante já vinha sendo intimidado O estudante Ciel Vieira (foto), 17, de Miraí (MG), não se conformava com a atitude da professora de geografia Lila Jane de Paula de iniciar a aula com um pai-nosso. Um dia, ele se manteve em silêncio, o que levou a professora a dizer: “Jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida”. Era um recado para ele. Na classe, todos sabem que ele é ateu. A escola se chama Santo  Antônio e é do ensino estadual de Minas. Miraí é uma cidade pequena. Tem cerca de 14 mil habitantes e fica a 300 km de Belo Horizonte. Quando houve outra aula, Ciel disse para a professora que ela estava desrespeitando a Constituição que determina a laicidade do Estado. Lila afirmou não existir nenhuma lei que a impeça de rezar, o que ela faz havia 25 anos e que não ia parar, mesmo se ele levasse um juiz à sala de aula. Na aula seguinte, Ciel chegou atrasado, quando a oração estava começando, e percebeu ele tinha sido incluído no pai-nosso. Aparentemen...

Aluno com guarda-chuva se joga de prédio e vira piada na UERJ

"O campus é depressivo, sombrio, cinza, pesado" Por volta das 10h de ontem (31 de março de 2001), um jovem pulou do 11º andar do prédio de Letra da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e virou motivo de piadinhas de estudantes, no campus Maracanã e na internet, por ter cometido o suicídio com um guarda-chuva. Do Orkut, um exemplo: "Eu vi o presunto, e o mais engraçado é que ele está segurando um guarda-chuva! O que esse imbecil tentou fazer? Usar o guarda-chuva de paraquedas?" Uma estudante de primeiro ano na universidade relatou em seu blog que um colega lhe dissera na sala de aula ter ouvido o som do impacto da queda de alguma coisa. Contou que depois, de uma janela do 3º andar, viu o corpo. E escreveu o que ouviu de um estudante veterano: “Parabéns, você acaba de ver o seu primeiro suicídio na UERJ.” De fato, a morte do jovem é mais uma que ocorre naquele campus. Em um site que deu a notícia do suicido, uma estudante escreveu: “O campus é depressivo, s...

Seleção feminina de vôlei não sabe que Brasil é laico desde 1891

Título original: O Brasil é ouro em intolerância Jogadoras  se excederam com oração diante das câmeras por André Barcinski para Folha Já virou hábito: toda vez que um time ou uma seleção do Brasil ganha um título, os atletas interrompem a comemoração para abrir um círculo e rezar. Sempre diante das câmeras, claro. O mesmo aconteceu sábado passado, quando a seleção feminina de vôlei conquistou espetacularmente o bicampeonato olímpico em cima da seleção norte-americana, que era favorita. O Brasil é oficialmente laico desde 1891 e a Constituição prevê a liberdade de religião. Será mesmo? O que aconteceria se alguma jogadora da seleção de vôlei fosse budista? Ou mórmon? Ou umbandista? Ou agnóstica? Ou islâmica? Alguém perguntou a todas as atletas e aos membros da comissão técnica se gostariam de rezar o “Pai Nosso”? Ou será que alguns se sentiram compelidos a participar para não destoar da festa? Será que essas manifestações públicas e encenadas, em vez de prop...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

Ateus são o grupo que menos apoia a pena de morte, apura Datafolha

No noticiário, casos de pastores pedófilos superam os de padres