Pular para o conteúdo principal

Fóssil do Araripe sugere que pterossauros tinham penas coloridas

Os pterossauros pertenciam a um grupo próximo evolutivamente dos dinossauros

MARCOS PIVETTA
Revista Pesquisa Fapesp

Um fóssil bem preservado da crista de um pterossauro que 115 milhões de anos atrás sobrevoava a atual região da chapada do Araripe, no Nordeste, pode mudar o entendimento da origem e evolução das penas, estruturas atualmente presentes apenas nas aves e, no passado remoto, em dinossauros.

Segundo um artigo publicado na revista científica Nature, a protuberância na região da cabeça do exemplar estudado desse réptil alado extinto tinha duas coberturas de tecido mole análogas a penas coloridas: uma de tamanho reduzido e constituída por um filamento único semelhante a um cabelo; e outra maior, formada por estruturas ramificadas, mais parecida com as penas das aves atuais.

A presença dessas penas ou protopenas de diferentes tonalidades (impossíveis de serem precisadas) foi identificada por um grupo de paleontólogos europeus e brasileiros a partir de análise dos vestígios da crista e de parte do crânio de um pterossauro atribuído à espécie Tupandactylus imperator

Esse era um animal de grande porte, cujas asas abertas alcançavam uma envergadura estimada de 5 metros. 

O fóssil estava em posse do Instituto Real Belga de Ciências Naturais, de Bruxelas, e foi repatriado para o Museu de Ciências da Terra (MCTer), do Serviço Geológico do Brasil ‒ CPRM, no Rio de Janeiro, em fevereiro deste ano de forma amigável, sem processo judicial (ver quadro ao lado). 

O biólogo Hebert Bruno Nascimento Campos, do Centro Universitário Maurício de Nassau, de Campina Grande, na Paraíba, destaca a qualidade de conservação do pterossauro do Araripe. “O nível de preservação das estruturas moles é surpreendente”, diz Campos, um dos dois brasileiros que coassinam o estudo. O outro é o paleontólogo Edio-Ernst Kischlat, da unidade em Porto Alegre do Serviço Geológico do Brasil – CPRM.

Com o emprego de técnicas modernas de microscopia eletrônica, os pesquisadores encontraram, no tecido mole da crista preservada em rocha, dois tipos de melanossomos, com formatos diferentes. Essas organelas carregam o pigmento melanina, que dá cor à pele e às penas das aves atuais e de alguns dinossauros. 

Uma das formas das organelas tem uma geometria mais arredondada; a outra é mais comprida e ovalada. Os melanossomos foram identificados no interior de picnofibras da crista do Tupandactylus, um tipo de filamento denso típico da pele de pterossauros. Alguns estudiosos consideram as picnofibras como um revestimento mais semelhante aos pelos dos mamíferos. Outros, como a equipe do novo estudo, argumentam que são uma variante das penas.

“Nas aves de hoje, a cor das penas está fortemente ligada à forma dos melanossomos”, diz, em comunicado de imprensa, a paleontóloga Maria McNamara, do University College de Cork (UCC), da Irlanda, uma das coordenadoras do estudo. 

“Como os tipos de penas dos pterossauros tinham diferentes formas de melanossomo, esses animais devem ter tido o maquinário genético para controlar as cores de suas penas. Esse recurso mostra que a coloração era uma característica crítica até mesmo das primeiras penas.”

Os pterossauros foram o grupo de vertebrados mais próximo evolutivamente dos dinossauros, dos quais descendem as aves atuais. Foram contemporâneos e praticamente surgiram e desapareceram da Terra ao mesmo tempo. Coexistiram entre 235 milhões e 66 milhões de atrás, quando ambos os grupos se extinguiram. 

Representação artística
de Tupandactylus imperator

Como alguns dinossauros e os pterossauros teriam penas coloridas, a equipe de McNamara sugere que essas estruturas de revestimento teriam uma origem muito antiga. As penas, ou algo análogo a elas, já estariam presentes entre os vertebrados dos quais derivaram tanto os dinossauros como os pterossauros, por volta de 250 milhões de anos atrás.

Na interpretação dos autores do trabalho, essas penas ou protopenas do Tupandactylus não ajudavam os pterossauros a voar. Isso parece um paradoxo, visto que os pterossauros foram os primeiros vertebrados capazes de alçar voo, dezenas de milhões de anos antes das aves. As (candidatas a) penas coloridas do fóssil do Araripe deviam auxiliá-los a controlar a temperatura corporal e funcionavam possivelmente como um tipo de comunicação visual, um predicado extra, para atrair parceiros reprodutivos.

O paleontólogo britânico Michael Benton, da Universidade de Bristol, do Reino Unido, está convencido de que as picnofibras são um tipo de pena. “Em todos os detalhes, elas são idênticas a certas penas de dinossauros e aves — sua forma geral, tamanho, ramificação, fixação à pele e por conter melanossomos”, comenta Benton, em entrevista a Pesquisa FAPESP. O pesquisador de Bristol não participou do trabalho com o fóssil do Araripe, mas escreveu um comentário sobre o artigo de McNamara e colegas para a Nature.

Especialista em pterossauros, o paleontólogo Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional (MN) do Rio de Janeiro, discorda de Benton. “Não quero diminuir a importância desse novo estudo. O trabalho usa técnicas muito modernas, impulsiona um debate muito relevante sobre a origem das penas e foi feito com um material de qualidade do Araripe, um dos principais sítios do mundo com fósseis de pterossauros”, pondera Kellner. “Mas não estou convencido de que os melanossomos estavam dentro de penas.”

O paleontólogo do MN descreveu, em 1997, o primeiro exemplar conhecido de Tupandactylus imperator, o chamado holótipo da espécie. Em 2009, com base em um fóssil da China, denominou de picnofibras os filamentos típicos que costumam cobrir a pele de pterossauros. Kellner afirma que as picnofibras não têm as características essenciais das penas, em especial a raque, eixo principal de onde parte uma série de ramos (as barbas).

“Também é possível que não se trate de melanossomos e que essas estruturas identificadas no artigo como penas não sejam da epiderme [camada mais superficial da pele], mas da derme [camada mais interna, abaixo da epiderme]”, argumenta Kellner. “A pele cortada e exposta de um pterossauro poderia gerar estruturas que podem ser confundidas com as picnofibras. Já vi isso em um exemplar de dinossauro”.

Nem sempre é fácil divisar nos fósseis as diferentes estruturas que constituem os tecidos moles. Os organismos preservados nas camadas geológicas são usualmente achatados, com o corpo pressionado e “estampado” na rocha. Isso pode dificultar a separação e identificação das partes moles de um fóssil, como pele, músculos e tecido conjuntivo.

Há pelo menos cinco décadas, os paleontólogos debatem se os filamentos sobre a pele dos pterossauros podem ser considerados como penas. Essa discussão, que tem partidários dos dois lados, ganhou impulso depois da descrição em 1971 de um pequeno exemplar desses répteis alados encontrado no Cazaquistão, entre a Ásia central e o leste da Europa.

Era um fóssil com apenas 60 centímetros de envergadura de asas que tinha inequivocamente partes do corpo cobertas por filamentos. Não por acaso a espécie foi denominada Sordes pilosus, diabo peludo em uma tradução livre do latim.

Se ficar demonstrado que as picnofibras dos pterossauros podem ser consideradas penas, e ainda por cima coloridas, é possível que essas estruturas sobre a pele tenham se originado muito antes do que era consenso até agora. Elas podem ter sido uma característica de um grupo animal denominado Avemetatarsalia, uma linhagem de vertebrados que inclui tanto o grupo dos dinossauros (e das aves) quanto o dos pterossauros.

“Nesse caso, o cenário mais simples e parcimonioso para a origem das penas consistiria no aparecimento de estruturas a elas equivalentes, como as picnofibras, uma única vez no processo evolutivo”, comenta o paleontólogo Max Langer, da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto.

“As penas teriam surgido nos primeiros Avemetatarsalia, talvez há uns 250 milhões de anos, que teriam transmitido essa característica para linhagens que posteriormente deram origem a dinossauros e pterossauros.” É possível que as penas tenham aparecido mais de uma vez na história evolutiva, de forma independente e em períodos distintos, nos dinossauros e nos pterossauros. Mas os paleontólogos gostam de abraçar hipóteses econômicas, como presumem ser a lógica da natureza.

> Autor da representação artística é Bob Nicholls.

Pesquisadores descobrem no Paraná espécie rara de dinossauro




Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Ateu usa coador de macarrão como chapéu 'religioso' em foto oficial

Fundamentalismo de Feliciano é ‘opinião pessoal’, diz jornalista

Sheherazade não disse quais seriam as 'opiniões não pessoais' do deputado Rachel Sheherazade (foto), apresentadora do telejornal SBT Brasil, destacou na quarta-feira (20) que as afirmações de Marco Feliciano tidas como homofóbicas e racistas são apenas “opiniões pessoais”, o que pareceu ser, da parte da jornalista,  uma tentativa de atenuar o fundamentalismo cristão do pastor e deputado. Ficou subentendido, no comentário, que Feliciano tem também “opiniões não pessoais”, e seriam essas, e não aquelas, que valem quando o deputado preside a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Se assim for, Sheherazade deveria ter citado algumas das opiniões “não pessoais” do pastor-deputado, porque ninguém as conhece e seria interessante saber o que esse “outro” Feliciano pensa, por exemplo, do casamento gay. Em referência às críticas que Feliciano vem recebendo, ela disse que “não se pode confundir o pastor com o parlamentar”. A jornalista deveria mandar esse recado...

PMs de Cristo combatem violência com oração e jejum

Violência se agrava em SP, e os PMs evangélicos oram Houve um recrudescimento da violência na Grande São Paulo. Os homicídios cresceram e em menos de 24 horas, de anteontem para ontem, ocorreram pelo menos 20 assassinatos (incluindo o de policiais), o triplo da média diária de seis mortes por violência. Um grupo de PMs acredita que pode ajudar a combater a violência pedindo a intercessão divina. A Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, que é mais conhecida como PMs de Cristo, iniciou no dia 25 de outubro uma campanha de “52 dias de oração e jejum pela polícia e pela paz na cidade”, conforme diz o site da entidade. “Essa é a nossa nobre e divina missão. Vamos avante!” Um representante do comando da corporação participou do lançamento da campanha. Com o objetivo de dar assistência espiritual aos policiais, a associação PMs de Cristo foi fundada em 1992 sob a inspiração de Neemias, o personagem bíblico que teria sido o responsável por uma mobili...

Wyllys vai processar Feliciano por difamação em vídeo

Wyllys afirmou que pastor faz 'campanha nojenta' contra ele O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), na foto, vai dar entrada na Justiça a uma representação criminal contra o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) por causa de um vídeo com ataques aos defensores dos homossexuais.  O vídeo “Marco Feliciano Renuncia” de oito minutos (ver abaixo) foi postado na segunda-feira (18) por um assessor de Feliciano e rapidamente se espalhou pela rede social por dar a entender que o deputado tinha saído da presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Mas a “renúncia” do pastor, no caso, diz o vídeo em referência aos protestos contra o deputado, é à “privacidade” e às “noites de paz e sono tranquilo”, para cuidar dos direitos humanos. O vídeo termina com o pastor com cara de choro, colocando-se como vítima. Feliciano admitiu que o responsável pelo vídeo é um assessor seu, mas acrescentou que desconhecia o conteúdo. Wyllys afirmou que o vídeo faz parte de uma...

Embrião tem alma, dizem antiabortistas. Mas existe alma?

por Hélio Schwartsman para Folha  Se a alma existe, ela se instala  logo após a fecundação? Depois do festival de hipocrisia que foi a última campanha presidencial, com os principais candidatos se esforçando para posar de coroinhas, é quase um bálsamo ver uma autoridade pública assumindo claramente posição pró-aborto, como o fez a nova ministra das Mulheres, Eleonora Menicucci. E, como ela própria defende que a questão seja debatida, dou hoje minha modesta contribuição. O argumento central dos antiabortistas é o de que a vida tem início na concepção e deve desde então ser protegida. Para essa posição tornar-se coerente, é necessário introduzir um dogma de fé: o homem é composto de corpo e alma. E a Igreja Católica inclina-se a afirmar que esta é instilada no novo ser no momento da concepção. Sem isso, a vida humana não seria diferente da de um animal e o instante da fusão dos gametas não teria nada de especial. O problema é que ninguém jamais demonstrou que ...

Defensores do Estado laico são ‘intolerantes’, diz apresentadora

Evangélico quebrou centro espírita para desafiar o diabo

"Peguei aquelas imagens e comei a quebrar" O evangélico Afonso Henrique Alves , 25, da Igreja Geração Jesus Cristo, postou vídeo [ver abaixo] no Youtube no qual diz que depredou um centro espírita em junho do ano passado para desafiar o diabo. “Eu peguei todas aquelas imagens e comecei a quebrar...” [foto acima] Na sexta (19), ele foi preso por intolerância religiosa e por apologia do ódio. “Ele é um criminoso que usa a internet para obter discípulos”, disse a delegada Helen Sardenberg, depois de prendê-lo ao término de um culto no Morro do Pinto, na Zona Portuária do Rio. Também foi preso o pastor Tupirani da Hora Lores, 43. Foi a primeira prisão no país por causa de intolerância religiosa, segundo a delegada. Como 'discípulo da verdade', Alves afirma no vídeo coisas como: centro espírito é lugar de invocação do diabo, todo pai de santo é homossexual, a imprensa e a polícia estão a serviço do demônio, na Rede Globo existe um monte de macumbeiros, etc. A...

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Apoio de âncora a Feliciano constrange jornalistas do SBT

Opiniões da jornalista são rejeitadas pelos seus colegas O apoio velado que a âncora Rachel Sheherazade (foto) manifestou ao pastor-deputado Marco Feliciano (PSC-SP)  deixou jornalistas e funcionários do "SBT Brasil" constrangidos. O clima na redação do telejornal é de “indignação”, segundo a Folha de S.Paulo. Na semana passada, Sheherazade minimizou a importância das afirmações tidas como homofóbicas e racistas de Feliciano, embora ele seja o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, dizendo tratar-se apenas de “opinião pessoal”. A Folha informou que os funcionários do telejornal estariam elaborando um abaixo assinado intitulado “Rachel não nos representa” para ser encaminhado à direção da emissora. Marcelo Parada, diretor de jornalismo do SBT, afirmou não saber nada sobre o abaixo assinado e acrescentou que os âncoras têm liberdade para manifestar sua opinião. Apesar da rejeição de seus colegas, Sheherazade se sente segura no cargo porque ela cont...