Pular para o conteúdo principal

Brasileira que não crê em Deus é submetida à opressão em dobro

A religião é historicamente usada para legitimar o domínio dos homens sobre as mulheres


Ricardo Oliveira da Silva
doutor em história

O dia 8 de março de 2021 foi oficializado pela ONU em 1975 como o dia internacional das mulheres. Contudo, a data foi idealizada bem antes, já no início do século XX, como desdobramento da luta das trabalhadoras por direitos sociais, políticos e igualdade de gênero.

Ainda que o 08/03 adquira muitas vezes um caráter comercial, ela ainda está vinculada a uma reflexão sobre a realidade social das mulheres em sociedades patriarcais onde a igualdade de gênero, de oportunidades econômicas e políticas não é uma realidade universal.

Aqui quero pegar o Brasil como amostra empírica: dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, conforme tive acesso a partir do site do UOL, mostram que em 2018 o país estava em 5º lugar no ranking mundial por feminicídio; uma mulher sofria violência doméstica a cada dois minutos e quase metade das brasileiras era vítima de assédio sexual no trabalho.

A luta das mulheres ocorre com ações de denúncia e propostas de mudança dessa realidade opressora. E aqui eu gostaria de falar sobre as ateias no Brasil, um grupo que, em minha opinião, pode oferecer uma contribuição na reflexão sobre as mulheres no país de hoje.

Ateias podem
contribuir na
reflexão sobre
as brasileiras

De acordo com Lana Lage de Gama Lima e Suellen André de Souza no texto Patriarcado, publicado no livro Dicionário Crítico de Gênero, o patriarcalismo se refere a uma organização familiar e social onde o homem (o patriarca) submete os outros membros da família ao seu poder. E isso ocorre particularmente em relação às mulheres.

A religião é uma interpretação de mundo que foi construída e historicamente utilizada como justificativa para legitimar o domínio dos homens sobre as mulheres. Christine Overall, no texto Feminismo e Ateísmo, aborda essa questão ao falar particularmente das religiões monoteístas (no caso especifico: judaísmo, cristianismo e islamismo).

Para Christine Overall essas religiões estabeleceram a concepção de Deus como masculino, um patriarca cósmico e divino. Além disso, as igrejas dessas religiões, falando em nome de Deus com base em textos sagrados, marginalizaram as mulheres de sua hierarquia e a conceberam em uma dicotomia onde elas ou são idealizadas como santas e mães assexuadas, ou então são definidas como pecadoras, fonte do mal e agentes do demônio.

A partir da perspectiva de uma feminista ateia, Christine Overall defende que uma das formas de refletir sobre o papel de marginalização e opressão vivida pelas mulheres em sociedades patriarcais é questionar suas fontes de legitimação. E uma dessas fontes é a religião.

Em um país com forte tradição religiosa e um longo histórico de machismo e violência de gênero, ser mulher e ateia no Brasil é uma dupla condição suscetível das mais variadas formas de opressão. Esses fatores ajudam a entender o fato da pouca visibilidade social que elas possuem, até mesmo no ativismo ateísta, que não está livre de atitudes machistas.

Diante disso penso que o dia internacional das mulheres, recordando o contexto que deu origem ao surgimento da data, pode contribuir para potencializar a presença das ateias no espaço público, combatendo preconceitos, e na luta por uma sociedade inclusiva e igualitária.

> Ricardo Oliveira da Silva é professor do Curso de História da UFMS. 




Comentários

Não custa nada lembrar que mulher não é sinônimo de hétero-cisgênera. Muitas vezes as "feministas" só lembram das hétero-cis ou como "se fossem" assim.
Os preconceitos mais do que comuns: LGBTs, gênero, mulheres. E muito interligados, com fator conSAGRADO de haver religiosidade no meio como grande formentador. Desconsiderando questões ideológicas, aí quando ateus são ainda mais preconceituados...
Obs.: no "Mulher é inferior em todas as religiões, diz feminista egípcia", os comentários? Não há possibilidade de fazê-los. "Todas" religiões? Desconsiderando a Wicca, p.ex...

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Ateu usa coador de macarrão como chapéu 'religioso' em foto oficial

Fundamentalismo de Feliciano é ‘opinião pessoal’, diz jornalista

Sheherazade não disse quais seriam as 'opiniões não pessoais' do deputado Rachel Sheherazade (foto), apresentadora do telejornal SBT Brasil, destacou na quarta-feira (20) que as afirmações de Marco Feliciano tidas como homofóbicas e racistas são apenas “opiniões pessoais”, o que pareceu ser, da parte da jornalista,  uma tentativa de atenuar o fundamentalismo cristão do pastor e deputado. Ficou subentendido, no comentário, que Feliciano tem também “opiniões não pessoais”, e seriam essas, e não aquelas, que valem quando o deputado preside a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Se assim for, Sheherazade deveria ter citado algumas das opiniões “não pessoais” do pastor-deputado, porque ninguém as conhece e seria interessante saber o que esse “outro” Feliciano pensa, por exemplo, do casamento gay. Em referência às críticas que Feliciano vem recebendo, ela disse que “não se pode confundir o pastor com o parlamentar”. A jornalista deveria mandar esse recado...

PMs de Cristo combatem violência com oração e jejum

Violência se agrava em SP, e os PMs evangélicos oram Houve um recrudescimento da violência na Grande São Paulo. Os homicídios cresceram e em menos de 24 horas, de anteontem para ontem, ocorreram pelo menos 20 assassinatos (incluindo o de policiais), o triplo da média diária de seis mortes por violência. Um grupo de PMs acredita que pode ajudar a combater a violência pedindo a intercessão divina. A Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, que é mais conhecida como PMs de Cristo, iniciou no dia 25 de outubro uma campanha de “52 dias de oração e jejum pela polícia e pela paz na cidade”, conforme diz o site da entidade. “Essa é a nossa nobre e divina missão. Vamos avante!” Um representante do comando da corporação participou do lançamento da campanha. Com o objetivo de dar assistência espiritual aos policiais, a associação PMs de Cristo foi fundada em 1992 sob a inspiração de Neemias, o personagem bíblico que teria sido o responsável por uma mobili...

Wyllys vai processar Feliciano por difamação em vídeo

Wyllys afirmou que pastor faz 'campanha nojenta' contra ele O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), na foto, vai dar entrada na Justiça a uma representação criminal contra o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) por causa de um vídeo com ataques aos defensores dos homossexuais.  O vídeo “Marco Feliciano Renuncia” de oito minutos (ver abaixo) foi postado na segunda-feira (18) por um assessor de Feliciano e rapidamente se espalhou pela rede social por dar a entender que o deputado tinha saído da presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Mas a “renúncia” do pastor, no caso, diz o vídeo em referência aos protestos contra o deputado, é à “privacidade” e às “noites de paz e sono tranquilo”, para cuidar dos direitos humanos. O vídeo termina com o pastor com cara de choro, colocando-se como vítima. Feliciano admitiu que o responsável pelo vídeo é um assessor seu, mas acrescentou que desconhecia o conteúdo. Wyllys afirmou que o vídeo faz parte de uma...

Embrião tem alma, dizem antiabortistas. Mas existe alma?

por Hélio Schwartsman para Folha  Se a alma existe, ela se instala  logo após a fecundação? Depois do festival de hipocrisia que foi a última campanha presidencial, com os principais candidatos se esforçando para posar de coroinhas, é quase um bálsamo ver uma autoridade pública assumindo claramente posição pró-aborto, como o fez a nova ministra das Mulheres, Eleonora Menicucci. E, como ela própria defende que a questão seja debatida, dou hoje minha modesta contribuição. O argumento central dos antiabortistas é o de que a vida tem início na concepção e deve desde então ser protegida. Para essa posição tornar-se coerente, é necessário introduzir um dogma de fé: o homem é composto de corpo e alma. E a Igreja Católica inclina-se a afirmar que esta é instilada no novo ser no momento da concepção. Sem isso, a vida humana não seria diferente da de um animal e o instante da fusão dos gametas não teria nada de especial. O problema é que ninguém jamais demonstrou que ...

Defensores do Estado laico são ‘intolerantes’, diz apresentadora

Evangélico quebrou centro espírita para desafiar o diabo

"Peguei aquelas imagens e comei a quebrar" O evangélico Afonso Henrique Alves , 25, da Igreja Geração Jesus Cristo, postou vídeo [ver abaixo] no Youtube no qual diz que depredou um centro espírita em junho do ano passado para desafiar o diabo. “Eu peguei todas aquelas imagens e comecei a quebrar...” [foto acima] Na sexta (19), ele foi preso por intolerância religiosa e por apologia do ódio. “Ele é um criminoso que usa a internet para obter discípulos”, disse a delegada Helen Sardenberg, depois de prendê-lo ao término de um culto no Morro do Pinto, na Zona Portuária do Rio. Também foi preso o pastor Tupirani da Hora Lores, 43. Foi a primeira prisão no país por causa de intolerância religiosa, segundo a delegada. Como 'discípulo da verdade', Alves afirma no vídeo coisas como: centro espírito é lugar de invocação do diabo, todo pai de santo é homossexual, a imprensa e a polícia estão a serviço do demônio, na Rede Globo existe um monte de macumbeiros, etc. A...

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Apoio de âncora a Feliciano constrange jornalistas do SBT

Opiniões da jornalista são rejeitadas pelos seus colegas O apoio velado que a âncora Rachel Sheherazade (foto) manifestou ao pastor-deputado Marco Feliciano (PSC-SP)  deixou jornalistas e funcionários do "SBT Brasil" constrangidos. O clima na redação do telejornal é de “indignação”, segundo a Folha de S.Paulo. Na semana passada, Sheherazade minimizou a importância das afirmações tidas como homofóbicas e racistas de Feliciano, embora ele seja o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, dizendo tratar-se apenas de “opinião pessoal”. A Folha informou que os funcionários do telejornal estariam elaborando um abaixo assinado intitulado “Rachel não nos representa” para ser encaminhado à direção da emissora. Marcelo Parada, diretor de jornalismo do SBT, afirmou não saber nada sobre o abaixo assinado e acrescentou que os âncoras têm liberdade para manifestar sua opinião. Apesar da rejeição de seus colegas, Sheherazade se sente segura no cargo porque ela cont...