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Mutações mais contagiosas do coronavírus mostram que com a evolução não se brinca

Diogo Meyer | Jornal da USP   O material genético do coronavírus que hoje circula pelo mundo causando a Covid tem várias diferenças em relação àquele que começou a se espalhar no final de 2019. Essa transformação resulta de mutações, que são erros que ocorrem quando o material genético é copiado. 

Algumas das mutações que surgiram se tornaram comuns. As linhagens do coronavírus, como a P.1, que se torna cada vez mais comum no Brasil, são definidas pela combinação de mutações que acumularam. A mudança na composição genética de uma espécie ao longo do tempo é uma forma de definir a evolução. Assim como outros seres vivos, o vírus evolui.

Há dois principais processos que explicam por que uma mutação no vírus pode se tornar comum, com o passar do tempo. Um deles é o acaso. Se uma mutação não altera de modo importante o funcionamento do vírus, ela pode tornar-se comum ou sumir por mero acaso, num processo chamado de deriva genética. Por outro lado, há mutações que se tornam comuns pois trazem alguma vantagem. É o caso da mutação D614G, presente numa linhagem do coronavírus chamada B.1, e que altera um aminoácido da proteína que o vírus usa para entrar em células humanas, tornando-o mais infeccioso. Nesse caso, estamos diante de uma mudança que resulta da ação da seleção natural.

Vírus em geral, e com o coronavírus não é diferente, sofrem seleção natural constantemente. A seleção explica o aumento de frequência de mutações que os tornam capazes de resistir a drogas antivirais, de resistir a anticorpos gerados pela imunidade natural e à imunidade induzida pela vacina, ou de apresentar maior potencial de infecção. 

Os vírus evoluem, e a evolução por seleção natural torna-os capazes de burlar nossas defesas. Ainda não sabemos quais das novas variantes foram selecionadas, mas há indícios de que algumas delas aumentem a transmissão e algumas reduzam a eficácia dos anticorpos geradas pela exposição às formas mais antigas do vírus.

Antivirais e vacinas exercem uma pressão seletiva sobre os vírus, favorecendo a disseminação de formas resistentes. Pode então parecer que há algo indesejável no uso de antivirais e vacinas, pois eles são agentes de mudança evolutiva indesejável. Mas analisando com atenção como antivirais e vacinas podem mitigar epidemias, e pensando sobre a forma ideal de usá-los, vemos que o risco de selecionarmos formas resistentes é algo que pode ser minimizado, como explico agora.

As mutações acontecem quando o material genético do vírus é copiado. O vírus não é capaz de ativamente “escolher” uma mutação que lhe seja vantajosa; dentre as milhares que ocorrem, ocasionalmente haverá aquelas que lhe conferem uma vantagem.

O surgimento de uma mutação vantajosa é, portanto, como “ganhar na loteria”, um evento muito improvável. Porém, considere o que acontece quando o vírus se disseminou extensamente numa população, havendo muitas pessoas infectadas e altas taxas de transmissão.

Nesse caso, haverá um número grande de vírus tendo seu material genético copiado: são milhares de bilhetes lotéricos sendo vendidos, o que aumenta a chance de que entre eles surgirá uma variante que confere vantagem ao vírus.

Repare então que entramos num ciclo perigoso: a maior proliferação do vírus implica o surgimento de mais mutações, o que por sua vez aumenta as chances de que entre elas haverá uma variante que torna o vírus mais infeccioso, ou mais resistente a tratamentos (digamos, por antivirais) ou à prevenção (por exemplo, usando vacinas). 

Controlar a disseminação do vírus – por isolamento físico, pela vacinação extensa e rápida— irá reduzir o número de cópias de vírus circulando, encurralando o vírus, no sentido de diminuir seus números a ponto de tornar mais improvável que sejam originadas, por mutação, formas resistentes. 

À luz desse raciocínio, não é surpreendente que algumas das variantes que mais nos preocupam tenham se originado em países com grandes números de pessoas infectadas (Espanha, Reino Unido, África do Sul, Brasil).

O ambiente ao qual o vírus está submetido é moldado por ações humanas. Quando criamos condições para o vírus proliferar (pela ausência de medidas de distanciamento, pela falta de tratamento médico, pela baixa vacinação), estamos favorecendo o surgimento de novas linhagens. 

Pior ainda, se essas linhagens surgem num ambiente em que há uma fração pequena da população vacinada, a exposição dessas variantes às vacinas cria uma condição em que pode haver seleção favorecendo a disseminação de linhagens resistentes. Dessa forma, um processo de vacinação lento tem o potencial de favorecer o surgimento de linhagens resistentes: a baixa vacinação não diminui a população viral, permitindo que surjam mutantes, e expõe as novas mutantes à seleção pelos indivíduos vacinados. Uma vacinação rápida e em massa diminuiria os riscos de surgimento de formas resistentes.

Outro cenário preocupante é o da infecção de pessoas imunocomprometidas com o coronavírus. Nelas, o vírus persiste por muito tempo, e na ausência de defesas eficazes sua proliferação pode ser extensa, gerando muitas novas variantes. 

Um estudo recente mostrou que, num homem com uma história de imunossupressão, o vírus gerou linhagens resistentes aos anticorpos com os quais ele vinha sendo tratado. Nesse caso, a evolução do vírus ocorreu dentro de uma pessoa. 

Proteger pessoas imunocomprometidas seria, portanto, uma forma de proteger não só a sua saúde delas, mas também uma forma de reduzir as chances de surgirem linhagens com adaptações a drogas ou vacinas.

Vírus evoluem. Para enfrentá-los, precisamos evitar que encontrem condições favoráveis para que surjam linhagens novas e perigosas, e que elas proliferem. 

Em termos práticos, sabemos o que fazer: tomar atitudes para diminuir a quantidade de vírus circulando, realizar a vacinação de modo ágil e em massa, e monitorar o surgimento de novas linhagens, para sabermos como o vírus está evoluindo. Essas são nossas estratégias. O vírus, de seu lado, conta com a evolução. E com a evolução não se brinca.

Mutações tornam os vírus
mais resistentes a drogas e
ao sistema imunológico

> Diogo Meyer é professor do Instituto de Biociências da USP.

Comentários

CBTF disse…
Fico imaginando os criacionistas vendo essas novas cepas de vírus circulando, o que será que se passa na cabeça deles?
Será que nem vendo essa nova cepa brasileira ser bem mais letal que as outras, será que nem assim acreditam na evolução?
Os criacionistas do século 21 devem ser os mesmos que negam a pandemia..
Paulo Lopes disse…
Suponho que eles imaginam que Deus está criando as novas cepas para combater o efeito da vacina, de modo que a humanidade seja punida pelos seus pecados. Essa gente é maluca.

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