Pular para o conteúdo principal

Interesses econômicos estão por detrás do movimento anticiência

por Paulo Artaxo
para Jornal da USP

Recente movimento global anticiência, do qual o presidente Trump é um dos expoentes, tenta colocar a ciência em xeque, quando os resultados científicos não apoiam seus interesses. Com a questão das mudanças climáticas não poderia ser diferente.

Portanto, pode-se afirmar, de antemão, que as manifestações “anticiência” não são questionamentos científicos propriamente ditos, mas uma clara investida no sentido de desconstruir discursivamente a credibilidade científica com o objetivo de defender posições econômicas, políticas ou até religiosas próprias. Assim, qualquer tentativa de trazer ao debate o método científico nesta discussão é inócua.

No caso específico das mudanças climáticas, a posição de negação à ciência é emblemática. O enfrentamento das questões climáticas vai exigir profundas mudanças no sistema socioeconômico  global, de acordo com o recente relatório SR1.5 do IPCC (https://www.ipcc.ch/). 


Os setores econômicos que hoje arrecadam trilhões de dólares, obviamente, não têm interesse em diminuir seus lucros, mesmo à custa de colocar em a humanidade e, em última instância, o futuro de seu próprio negócio. Não há uma visão de longo prazo acerca dos danos possíveis e prováveis ao nosso planeta.

Não por acaso, a indústria do petróleo e carvão financia campanhas de políticos no mundo todo (Estados Unidos liderando) com o intuito de não aprovar medidas que diminuam seus lucros. É a tal lógica do “mercado”.

 Os negacionistas climáticos são, em geral, financiados por essas grandes corporações ou por grupos ultraconservadores de extrema direita, que não querem perder seus atuais privilégios econômicos. A luta para manter esse atual sistema econômico de concentração de renda não cessará. Se cada casa puder gerar sua própria energia (solar ou eólica), por exemplo, os grandes conglomerados energéticos e os governos perdem força para um sistema descentralizado, que é muito mais difícil de ser controlado do que o modelo vigente.

Pensando em um mundo no qual as mudanças climáticas seriam realmente enfrentadas, teríamos obrigatoriamente que redirecionar nossos padrões socioeconômicos, começando por uma forte redução do consumo, especialmente em países desenvolvidos, e isso, claro, vai contra toda a indústria e a economia como as conhecemos hoje.

Nessa perspectiva, deixaríamos de privilegiar o indivíduo para priorizar o interesse comum maior. É premente implementar fortes políticas públicas de reordenamento do modelo de desenvolvimento atual, propondo alternativas sustentáveis que garantam a preservação do meio ambiente.

Convém salientar que ciência, por definição, é um processo dinâmico de construção do conhecimento, em permanente evolução. Não é imutável, nem poderia. No caso das mudanças climáticas, não se pode ignorar o atual estágio de robustez a que chegou a ciência do clima, com resultados sólidos nas pesquisas e também com a intensificação de eventos climáticos extremos, tais como secas severas, queimadas, enchentes etc.




Para a ideologia predominante hoje, contudo, mudanças climáticas são vistas como uma “ameaça”. Afinal, uma das medidas mais urgentes é impor limites ao uso indiscriminado dos nossos recursos naturais, contrariando grandes indústrias de petróleo e carvão, do agronegócio etc.. Por outro lado, não há qualquer interesse dos países ricos em diminuir o consumo desenfreado. Não há uma consciência global de que só teremos saída se atuarmos todos juntos.

O enfrentamento das mudanças climáticas exige uma ação cuidadosamente planejada, coordenada e urgente, que está muito além da lógica competitiva das indústrias que buscam aumentar o valor de suas ações o mais rápido possível e sempre crescer. Governos e iniciativa privada geralmente fazem planos para quatro anos, ou no máximo até dez anos. Porém, a humanidade tem que pensar nas próximas décadas e séculos. 

A ciência das mudanças climáticas é muito clara: temos que agir agora, mudar nosso nível de consumo e o uso dos recursos naturais do planeta, e construir uma nova sociedade mais igualitária e sustentável. Este é o embate das próximas décadas. A ciência há de vencer. Caso contrário, todos perderão.

Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física (IF-USP).





Aviso de novo post por e-mail

‘Medicina alternativa’ coloca o SUS contra a ciência, dizem estudiosas

Ciência descarta a 'hipótese Deus', diz filósofo italiano

Informação, tecnologia e ciência ampliam nosso tempo e espaço





Crença que rejeita a ciência não merece respeito, diz Dawkins


A responsabilidade dos comentários é de seus autores.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Vicente e Soraya falam do peso que é ter o nome Abdelmassih

Chico Buarque: 'Sou ateu, faz parte do meu tipo sanguíneo'

Ateísmo faz parte há milênios de tradições asiáticas

Escritor ateu relata em livro viagem que fez com o papa Francisco, 'o louco de Deus'

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

Mulheres tendem a ser mais religiosas que os homens, mas nos EUA geração Z pode mudar isso

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Documentário relata abusos sexuais do autor dos mosaicos do Santuário de Aparecida