Pular para o conteúdo principal

Acordo Brasil-Vaticano concede privilégios à Igreja Católica

por Debora Diniz
para o Estadão

Bento 16 e Lula 
assinaram o acordo
 em novembro de 2008
A ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre o ensino religioso merece aplausos. Em agosto de 2010, o MPF propôs a ação contestando a constitucionalidade do acordo bilateral firmado entre o Brasil e o Vaticano em 2008 - por meio dele, o ensino religioso nas escolas públicas deve necessariamente ser católico, além de incluir outras confissões religiosas.

A tese do MPF é a de que o ensino religioso confessional nas escolas públicas deve ser proibido, pois ameaça o direito à liberdade religiosa e a diversidade cultural do País. Ao garantir que todo ensino religioso na escola pública seja também católico, o acordo bilateral violou um dispositivo central da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB): a proibição do proselitismo religioso nas escolas públicas. É imperdoável que o acordo tenha confundido ensino religioso com educação religiosa.

A Constituição Federal prevê o ensino religioso nas escolas públicas, no inciso primeiro do artigo 210: “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”. 

Ao contrário do que sustentam os defensores da constitucionalidade do acordo bilateral, o ensino religioso não teria por objetivo apenas a formação integral da pessoa, mas a formação básica comum da sociedade brasileira. Esse não é um detalhe irrelevante para a discussão sobre o que deve ser ensinado e sobre como deve ser ministrado o ensino religioso nas escolas públicas: além da fixação de conteúdos mínimos, é preciso que o ensino garanta a formação básica comum e não a proteção à fé privada de cada indivíduo.

A surpresa do MPF talvez seja mais bem traduzida em termos filosóficos como um paradoxo: como se pode garantir a formação básica comum por meio do ensino confessional? A identidade confessional do ensino ameaça o próprio espírito inquieto da escola pública - esperamos que nossas crianças e adolescentes exercitem a capacidade imaginativa e questionadora diante de questões profundas da vida humana, para as quais as religiões oferecem algumas respostas, mas não todas.

O estatuto de verdade de cada religião é resultado de um ato de fé e, portanto, inconciliável entre os indivíduos e as comunidades religiosas. O ensino público não persegue as religiões, mas reconhece nelas um diferente estatuto epistemológico diante do conhecimento que formará nossos futuros cidadãos. O caráter absoluto das crenças religiosas e, consequentemente, o respeito à confessionalidade em seus próprios termos é garantido pelo direito à liberdade religiosa: as famílias podem oferecer aos seus filhos a formação religiosa que lhes convier, mas em igrejas, templos ou terreiros, isto é, em espaços privados de convivência.

Por isso, não há inconstitucionalidade na LDB: a regulamentação do ensino religioso proíbe o proselitismo, o direito de expressão missionária de uma fé. O proselitismo é também um direito individual e dos grupos religiosos, desde que fora das instituições básicas do Estado brasileiro.

A ideia de que seria possível um ensino religioso confessional ou interconfessional nas escolas públicas é um ruído histórico. As primeiras versões da LDB, de fato, mencionavam os tipos de ensino religioso e a identidade confessional era uma de suas formas. No entanto, a LDB aprovada há 14 anos não menciona ensino religioso confessional e é explícita em proibir o proselitismo. A LDB oferece instrumentos eficazes para que o ensino religioso não se resuma a panfletos clericais nas escolas. Mas tão significativo quanto esse ruído histórico é o mal-entendido teórico sobre o sentido da secularidade da sociedade brasileira e da laicidade do Estado.

Há quem diga que os deuses são brasileiros, mas o certo é que nem todos eles são católicos. O acordo bilateral entre o Brasil e o Vaticano concede privilégios indevidos à religião católica e, por isso, é injusto com a diversidade religiosa da sociedade brasileira.

A laicidade do Estado brasileiro é o dispositivo jurídico que, ao proteger a separação entre o Estado e as religiões, garante o direito individual de construir diferentes sentidos para uma vida boa. Não há como garantir o igual direito de representação às religiões se o caminho for a confessionalidade do ensino religioso nas escolas. Não há ateísmo nessa tese, há uma constatação jurídica de ameaça à laicidade e um reconhecimento ético de que a proteção à diversidade religiosa é um valor. 

A ação do MPF deve ser entendida como um pacto de amizade com as religiões: deseja reconhecer o igual direito de todas as comunidades à liberdade religiosa, ao mesmo tempo que protege a escola pública de qualquer ambição proselitista.

Debora Diniz é professora da Universidade de Brasília e pesquisadora do  Instituto de Biotécnica, Direitos Humanos e Gênero.





Íntegra de acordo assinado entre o Brasil e a Santa Fé


Comentários

Anônimo disse…
O problema é que , o que está em jogo para ambos, tanto o Vaticano quanto o Governo Brasileiro, não é a fé, tampouco a consciência moral das pessoas dos educandos; mas a submissão aos poderes constituídos, hierárquicos, que inculcados desde a infância e a adolescência; aliena-os, tornando-os bitolados, sempre dependentes de um pastor ou condottiere, seja eclesiástico ou político. Nada melhor para formar um cidadão alienado politicamente, sempre infantil e idiotizado pela submissão indevida da consciência à autoridade exterior, alheia, seja da autoridade religiosa quanto da opinião pública, o que é chamado de heteronomia moral; que adestrá-lo com aquelas historinhas bíblicas semeadas de valores e princípios que incentivam ao rebanho, seja ele o catolicismo ou o PT. E o PT deve sua existência desde a gestação até o parto aos cartilheiros da Igreja Católica; aquela ala de marxistas "esotéricos", coloridos e bem animados das fileiras de esquerdistas, teólogos da libertação e hoje todos empreendedoristas e neoliberais, adeptos do lulismo...Por mais contraditório que possa parecer, não sabe o Papa que aqui o Catolicismo também é como dizia Brizola do socialismo, MORENO; logo, longe de toda essa brava gente varonil seguir fielmente os princípios romanistas da ortodoxia católica; seguirá mesmo é o sincretismo neobarroco e pósmodernista da magia, do feiticismo e do carnaval. Lógico, que garantindo sempre a supremacia do padre, do teólogo, nas espirituais questões, ANTES DO PASTOR, que fique bem claro, e da mãe-de-santo ou do rabino, que no Brasil nem se sabe o que é isso...E toda aquela legião de enrustidos e modernas beatas assanhadas, formadas nas pedagogias de licenciatura em ciências religiosas, com o discurso petista e neoliberal, modelando as consciências futuras pela submissão à autoridade, o que é a mesmíiiiissima coisa que faziam os militares com a chamada moral e cívica e depois OSPB. Essa foto, inclusive, é emblemática; qualquer alusão ao acordo entre Hitler e Pio XII pela salvaguarda da supremacia da Igreja Católica no ensino e educação dos jovens na Alemanha, - motivo pelo qual ficou calado ante o genocídio dos judeus-; é sacrílega coincidência.
Concí Sales disse…
Infelizmente, tenho de concordar nalguns pontos com a comentadora de acima, e questiono-me até que ponto é possível reafirmarmos a velha tese, de que a história se repete...
Anônimo disse…
Mais privilégios? Só se for caso de transformarem a igreja em ministério da ação social. Porque já ganham concessões de rádio, tvs, controlam quase toda a mídia confessional, os melhores colégios pagos, e agora o ensino de religião católica na escola oficial? Putz, que democrático coisa nenhuma, o PT é uma teocracia pós-medieval!
Anônimo disse…
Lukretia, você é do PSTU?
Anônimo disse…
É inútil ensinar religião na escola. Ninguém assiste a aula, aproveitando que é facultativo, toda a turma sai e vai pra biblioteca, ou fica circulando pelos corredores. Os professores só falam de problemas sociais, política, essas coisas. O ano passado a professora chegou a comparar Deus com o Serra e a Canção Nova e os paulistas, enquanto o diabo era o PT, os sem-terra e os nordestinos.
Anônimo disse…
Inútil, nada. Serve de cabide de emprego, plataforma política de conselheiros tutelares, assessores e outras maracutaias toleradas pelo Conselho de Educação.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Morre o americano Daniel C. Dennett, filósofo e referência contemporânea do ateísmo

Entre os 10 autores mais influentes de posts da extrema-direita, 8 são evangélicos

Ignorância, fé religiosa e "ciência" cristã se voltam contra o conhecimento

Vídeo mostra adolescente 'endemoninhado' no chão. É um culto em escola pública de Caxias

Oriente Médio não precisa de mais Deus. Precisa de mais ateus

Malafaia divulga mensagem homofóbica em outdoors do Rio

Veja os 10 trechos mais cruéis da Bíblia

Ateu, Chico Anysio teve de enfrentar a ira de crentes