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Os sem religião saltam de 0,5% para 7,3% da população


do IHU Online

Com a tese "Os sem religião e a crise do pertencimento institucional no Brasil: o caso fluminense", Denise dos Santos Rodrigues dissecou, como nos disse, um grupo classificado como “sem religião” e, então, descobriu que, dentro dessa “categoria”, há pessoas com diferentes crenças, fé e representações de Deus, e outras que simplesmente que não têm relação com o transcendente, atéias e agnósticas. Nenhuma delas tem vínculos com religiões. “Encontrei uma série de pessoas que eram desconvertidas, que tinham tido alguma religião, mas romperam drasticamente com ela. Outras foram se desligando por falta de tempo, ainda outras não tiveram formação religiosa. Há ainda os buscadores, pessoas que ficam transitando entre um grupo e outro, o reflexo de um comportamento da nossa época. Identifiquei também aquelas que classifiquei como autênticas, pessoas que reivindicam uma forma particular de relação com o divino, elas dizem que têm sua própria religião.”

Ela é mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e doutora em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente é professora ligada à prefeitura do Rio de Janeiro.

Entrevista.

Como você categoriza os “sem religião” em sua tese?

Os “sem religião” são uma categoria censitária que, até 1950, não era classificada pelo IBGE separadamente. Ela era misturada com as pessoas sem declaração de religião. Mas, quando se fala de “sem religião”,  freqüentemente as pessoas pensam que essas são pessoas desprovidas de qualquer tipo de crença, um grupo de ateus. Isso pode ser acompanhando pela imprensa. Depois que essa categoria foi consolidada e começou a evoluir, saltando de 0,5% da população em 1960 para 7,3% no Censo 2000, crescendo ao lado dos evangélicos.

O panorama era o seguinte: com os católicos declinando, os evangélicos e os “sem religião” começaram a crescer. Quando se tem uma categoria que está em evidência e crescendo, ela chama a atenção. Só que a mídia e alguns pesquisadores começaram a interpretar os “sem religião” como o crescimento do ateísmo, o que não é verdade. Alguns estudiosos buscaram, principalmente na década de 1990, saber quem eram esses “sem religião” e concluíram que ali não estavam somente os ateus. Havia outros tipos também, só que ninguém dissecou essa categoria para entender realmente quem se encaixava como “sem religião”.

A minha proposta da tese foi pegar esta categoria e reclassificá-la. Identificar quais são os grupos embutidos nos “sem religião”. Quando fui analisá-los, localizei pessoas com uma variedade grande de crenças e pessoas desprovidas de crenças. Então resolvi separar ateus, agnósticos (aqueles em dúvida) e aqueles com algum tipo de relação com o transcendente, os quais reclassifiquei com minha própria tipologia.

Fiz o seguinte: reclassifiquei os ateus e os agnósticos como indivíduos sem religiosidade, já que eles não têm nenhum vínculo com o transcendente, e os outros, que tinham esse vínculo, classifiquei como indivíduos com religiosidade. Este vínculo com o transcendente é o critério que separou os “sem religião” dentro da minha nova classificação. Dentro desse grupo, há de tudo, até judeus laicos se encontram dentro dos “sem religião”. Os judeus, segundo a classificação do IBGE, deveriam estar classificados dentro do grupo dos judeus. Porém, quando fiz o trabalho de campo da minha pesquisa, observei que existe um grupo de judeus chamado de judeus laicos. Estes judeus que se afastam do transcendente, mantendo o judaísmo simplesmente como um vínculo cultural. Mas não querem nenhuma referência religiosa, apenas cultural, como se fosse somente uma questão racial. Eles também estão engrossando esta categoria dos “sem religião”.

Além dessa classificação, ainda denominei desconvertidas aquelas que tinham tido alguma religião, mas romperam com ela. Outras classifiquei como desligadas, aquelas que foram se afastando por falta de tempo; ainda outras, as quais chamei de indiferentes, não tiveram formação religiosa. Há ainda os buscadores, pessoas que ficam transitando entre um grupo e outro, o reflexo de um comportamento da nossa época. E, por fim, classifiquei os autênticos, pessoas que reivindicam uma forma particular de relação com o divino, elas dizem que têm sua própria religião. Quando ser católico já não é mais obrigatório, se tem uma maior liberdade de transitar entre os bens religiosos. Resumindo, na minha tese, investiguei a categoria censitária dos “sem religião”, do IBGE, criei outra tipologia para ela e mostrei que ser “sem religião” não quer dizer unicamente descrença, mas, sobretudo desinstitucionalização religiosa.

O sem religião é, antes de tudo, uma pessoa que não se encaixa dentro dos padrões religiosos convencionais. Não necessariamente ela é um descrente. Ela pode acreditar em uma força superior, pode acreditar em Deus à sua maneira. Sem religião não é sinônimo de ateísmo ou agnosticismo, Procuro deixar claro que o crescimento dos “sem religião” não é o crescimento do ateísmo, é o crescimento da desinstitucionalização religiosa, é a falta de vínculo com as instituições, a pessoa não quer estar atrelada às religiões e aos sistemas tradicionais religiosos.

Quem é Deus para esse grupo que você chama de sem-religião? Que características tem esse Deus?


Os sem religião sem religiosidade se afastam completamente da idéia de Deus. Mas os “sem religião” com religiosidade definem Deus como uma força superior, uma energia. Muitos criam uma teoria muito próxima daquelas da ciência. Acreditam que Deus é uma energia que está no ar, tem um pólo positivo e um negativo, e esta energia rege o universo. Mas essa força superior não está vinculada à noção cristã de Deus. Por isso, esse tipo de desvinculação institucional é marcada também pelo afastamento da idéia tradicional de Deus. Somente aqueles que vieram de formação evangélica ainda a mantêm, mas não querem vínculo com a instituição religiosa. Em geral, a maioria sustenta a idéia de Deus como uma força superior ou energia. Esse grupo se aproxima muito mais desses grupos da Nova Era, dos esotéricos, do que das ideias tradicionais.

Como você entende a necessidade de afastamento de Deus por parte dos ateus e essa nova compreensão da ideia de Deus que têm aqueles que o ressignificam?

Não são todos que se afastam de Deus, eles se afastam da noção tradicional de Deus, disseminada pelas instituições tradicionais religiosas. A maioria das pessoas é muito crítica às instituições. Elas são críticas porque atualmente há uma divulgação muito maior de informações. A todo o momento os bastidores das Igrejas vêm sendo revelados, acontecimentos com pessoas que compõem a hierarquia das religiões tradicionais vêm à tona na mídia. As pessoas vão absorvendo essas informações e vão se tornando cada vez mais críticas. Isto fora os livros, as outras fontes. Estas pessoas vão se desinteressando do vínculo com a instituição religiosa, não exatamente com Deus. Elas ressignificam Deus. Algumas delas, por exemplo, não falam que rezam, mas que conversam com Deus, percebe-se a mudança até na forma de se relacionar com o divino. Elas querem acreditar que possa existir alguma força que possa ajudá-las em algum momento, mas elas não querem mais aquela idéia que as instituições tradicionais vendem, até porque muitas delas estão toda hora na mídia, com membros acusados de pedofilia, por exemplo. As estruturas de algumas instituições estão em evidências, e as pessoas vão questionando.

Não podemos esquecer que este século XXI é marcado pela refletividade e, a partir do momento em que se vive em um Estado laico, onde a religião não é mais obrigatória, aumenta-se o questionamento, a liberdade de crítica e autonomia do indivíduo, e este vai se sentindo mais à vontade para criticar. Antigamente, revelar-se ateu ou agnóstico poderia se gerar certo desconforto, mas à medida que o tempo foi passando, as pessoas foram de acostumando com a idéia do Estado laico. Elas também foram tendo contato com outras crenças, não podemos esquecer que vivemos num país plural onde se pode ter contato com várias formas de religiosidade, e as pessoas se sentem livres para experimentar. Elas buscam a eficácia simbólica mais adequada às suas necessidades, o que dá mais efeito. Então, as pessoas se sentem mais livres para transitar, experimentar, circular e para ressignificar a relação com o transcendente.

Por que a senhora estudou o caso fluminense?

Estudei o caso fluminense porque o Rio de Janeiro é a cidade que tem o maior número de “sem religião”. O Sudeste é a região onde se tem o maior número de pessoas “sem religião”, embora essas pessoas estejam presentes no Brasil e no mundo inteiro. Os grupos religiosos variam de um lugar para outro. Convém ressaltar que existem países em que a religião não faz parte do recenseamento e, nesses países, as pesquisas ocorrem de outra forma. Nos países onde a questão da religião está dentro do recenseamento é possível analisar isso mais tranquilamente. O Rio de Janeiro é onde se tem o maior número de evangélicos também, então foi por isso que concentrei nessa região, para observar os contrastes. Em um Estado onde se tem um grupo católico muito forte, nem sempre se tem um grupo de “sem religião” muito forte.

O Rio de Janeiro é um lugar onde o neo-pentecostalismo, segundo alguns pesquisadores, vem crescendo. Esta afirmação é verdadeira?

Isto eu explico da seguinte forma. No Rio de Janeiro, se tem o declínio do catolicismo, o crescimento do neo-pentecostalismo e dos “sem religião”. Então esses “sem religião” podem ser originários de desconversões entre os evangélicos. Ou seja, a pessoa era católica, se converteu a uma denominação evangélica, mas não conseguiu seguir a denominação. Ao deixá-la, ela não irá voltar para o grupo católico depois de se desconverter do grupo evangélico, e acaba ficando “sem religião”. As desconversões dentro dos grupos evangélicos podem estar engrossando a categoria dos “sem religião”. Quando se observa também o mapa das religiões se vê que os “sem religião” não crescem somente nas áreas mais abastardas, de maior poder aquisitivo, mas também nas áreas periféricas, de menor poder aquisitivo. Nas áreas periféricas, é onde estão concentrado, também, os grupos evangélicos, e isso me leva a crer que uma parcela importante desses “sem religião” que estão nessas áreas são desconvertidos. Na minha pesquisa de campo, encontrei desconvertidos da Igreja Universal do Reino de Deus, da Assembléia de Deus, das Igrejas Batista e de outros grupos.

De que forma, em sua opinião, o confronto entre as religiões ditas tradicionais e as novas religiões influenciam no crescimento do número de pessoas que são definidas como “sem religião”?


Não sei se existe um confronto. Existe uma liberdade do indivíduo circular. Não há uma guerra instalada entre as religiões, existe é uma maior autonomia do indivíduo. O indivíduo circula, experimenta e migra. Há estudos do trânsito religioso que mostram que o grupo católico é um dos maiores doadores, considerados doadores universais. E há grupos classificados como receptores, e os “sem religião” e evangélicos são exemplos deles. Há pessoas que se desencantam, se desconvertem, e preferem não aderir a mais nenhuma instituição religiosa. É uma questão de pertencimento institucional. Confronto dá uma idéia de conflito, guerra, e não é isso. Os evangélicos, com grande visibilidade na mídia, são grupos de conversão de massa. O objetivo deles é obter o maior número de fiéis possível, elaborando estratégias para isso. Eles atraem fiéis, mas também perdem quando as pessoas se desencantam. Muitas não conseguem se adaptar às normas, às vezes muito rígidas, fazendo-as mudar seus estilos de vida. Então, saem e resolvem não aderir a religião nenhuma. Então, sim, existem conflitos internos, decepção com líderes religiosos e com os outros membros do grupo. Quando se vai analisar esse fluxo do crescimento de certos grupos há uma tendência a falar de uma competição, mas não há. Há pessoas transitando. Os censos são realizados a cada dez anos, o período em que se podem constatar as migrações e as movimentações populacionais e, assim, percebemos modificações. Não há um conflito, há uma liberdade, ainda mais em um país tão plural como o nosso. Há até uma teoria que diz haver uma orientalização do ocidente. Quando se passa a ter o movimento de importar valores que antigamente eram das culturas orientais para a ocidental. Refiro-me à adesão a práticas como a Yoga, o Tai Chi, a concepção de Deus como natureza. Em um país plural, absorver esses novos significados é muito mais fácil.

Em que medida essas pessoas sem religião refletem o tipo de sociedade que vivemos hoje?

Como eu disse, a sociedade que vivemos hoje é marcada pela reflexividade, a capacidade que se tem de reavaliar os valores e conteúdos já existentes. No Estado é laico as pessoas reivindicam a liberdade de culto e de expressão, é um grupo de liberdades que o indivíduo do século XXI não abre mão. Vive-se em uma sociedade livre, que reivindica seus direitos, sem recriminações, onde a religião se torna uma questão de escolha pessoal. É escolha, inclusive, revelar que tem uma religião ou não. Acho que os “sem religião” representam essa liberdade do indivíduo do século XXI. Os “sem religião” representam a coragem do indivíduo assumir que não quer ter uma religião, que se quer estabelecer uma relação com Deus sem um intermediário. Para que um padre ou pastor, se podemos nos comunicar diretamente com o nosso Deus? Assim pensam os “sem religião”.

Como se dá a questão da ética afastada de uma religião formal? Que tipo de ética se pode pensar a partir dessa noção de pessoas sem religião?

Não falamos de ética, falamos sobre liberdade. As pessoas estão livres para não ter nenhuma religião. Este fato não quer dizer que terão uma postura antiética. A pessoa pode ter uma excelente índole sem precisar de uma religião para orientá-la. Alguns entrevistados na pesquisa me responderam que a religião é boa para disciplinar, para nortear as pessoas. Eles falaram que algumas pessoas precisam de uma religião para ter bons valores. Se a pessoa acha que uma religião é o que vai ajudá-la a dar bons valores para seus filhos, ela pode dar uma orientação religiosa para o filho. Se ela acha que uma religião é o que vai ajudar a colocar a pessoa no caminho do bem, saber como se comportar em sociedade, dar o freio para estabelecer uma conduta harmônica, ela pode dar uma orientação religiosa, mas não necessariamente. Tem pessoas extremamente éticas que não possuem religião. Às vezes, todos esses valores estão dentro da própria pessoa ou da nova relação que ela estabeleça com o divino, sem a necessidade da presença de uma instituição religiosa.

abril de 2011

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