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Cesar Victora lidera lista dos 107 cientistas do Brasil que mais influenciam decisões no mundo

O levantamento mostra que a produção desses pesquisadores embasou mais de 33,5 mil documentos de políticas públicas publicados desde 2019. Um quarto dos nomes (22) é da USP

Cada vez mais, cientistas são cobrados para que suas pesquisas tenham impacto direto na sociedade. Agora, isso já é mensurável: 107 pesquisadores brasileiros estão entre os mais citados em documentos que embasam tomadas de decisão mundo afora. 

Os dados são de um relatório da parceria entre a Bori e a Overton, maior plataforma internacional dedicada a mapear a interface entre ciência e políticas públicas.

Bori e Overton identificaram pesquisadoras e pesquisadores brasileiros mencionados em documentos estratégicos, relatórios técnicos e pareceres usados por governos, organismos internacionais e organizações da sociedade civil — cada um com pelo menos 150 citações. Assim, foram mapeados 107 cientistas.

Os cinco pesquisadores mais influentes em tomadas de decisão são da Ufpel (Universidade Federal de Pelotas) e da USP. 

Na ordem: César Victora (Ufpel), Carlos Monteiro (USP), Aluísio Barros (Ufpel), Paulo Saldiva (USP) e Pedro Hallal (Ufpel). Todos atuam em saúde ou na intersecção entre saúde e ambiente e somam mais de 5.500 citações em documentos ligados a decisões públicas.

Para o professor emérito da Ufpel Cesar Victora, que lidera a lista, embasar e direcionar políticas públicas é o “mais alto reconhecimento que um cientista pode receber da sociedade”. 

Victora:
“Só com
políticas e
programas
baseados em
evidência
poderemos
neutralizar a
circulação
de falsas e
perigosas
informações.”


Victora tem 231 trabalhos acadêmicos mencionados em 3.109 documentos de políticas públicas, com foco sobretudo em aleitamento materno. 

Seus estudos embasaram a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança no Brasil e fundamentaram relatório da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre desenvolvimento infantil, que, por sua vez, impactou quase duas centenas de outros documentos em 21 países.

Após Victora, aparecem: 

— Carlos Monteiro (USP), referência mundial em alimentação e nutrição, criador da classificação NOVA e influente em políticas de rotulagem e combate a ultraprocessados; 

— Aluísio Barros (Ufpel), epidemiologista que contribuiu para políticas de saúde materno-infantil e avaliação de programas sociais;

— Paulo Saldiva (USP), patologista e pesquisador de referência em poluição do ar e saúde urbana;

— e Pedro Hallal (Ufpel), epidemiologista reconhecido por liderar inquéritos nacionais de prevalência de Covid-19 e por sua atuação em políticas de promoção da atividade física.

Juntos, esses cientistas ilustram a capacidade da pesquisa brasileira de dialogar com desafios globais — da nutrição à urbanização — e de gerar evidências que moldam decisões públicas dentro e fora do país. 

“Compreender quais cientistas influenciam as políticas — e quem está faltando nessa conversa — é essencial para fortalecer a tomada de decisão baseada em evidências”, diz Euan Adie, fundador e diretor da Overton.

Os dados também evidenciam desigualdades. Há baixa presença de mulheres entre os pesquisadores do Brasil que mais influenciam políticas públicas: das 107 pessoas mapeadas, apenas dez são mulheres (9,3%).

Alguns nomes ilustram a relevância dessa presença: 

— Ester Sabino (USP), com forte atuação no estudo de vírus emergentes e papel fundamental durante a pandemia de Covid-19;

— Mayana Zatz (USP), referência em genética humana e doenças raras; 

—Sônia Hess de Souza (UFSC), destaque em química e desenvolvimento tecnológico;

— e Márcia Castro (Harvard T.H. Chan School of Public Health, dos EUA), especialista em saúde global e dinâmica de doenças no Brasil. 

Esses exemplos reforçam a força individual dessas pesquisadoras mesmo em um cenário de sub-representação.

Há também mulheres em destaque na análise específica sobre documentos relacionados ao ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima). O relatório identificou os 50 pesquisadores brasileiros mais citados nessa agenda, que somam mais de 7.600 menções.

É o caso de Luciana Gatti (Inpe), citada no relatório “Forest and Ice Tipping Points in the Earth System”, publicado em 2025 pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que alerta para os riscos de colapso de grandes sistemas naturais, como a Amazônia e as calotas polares, diante do aquecimento global.

Ela também é citada em documento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que apresenta indicadores técnicos sobre emissões e remoções de gases de efeito estufa.

Outro exemplo é Mercedes Bustamante (UnB), cujo trabalho embasou o “Workshop Report on Biodiversity and Pandemics” da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), de 2020, utilizado como referência em mais de 130 documentos de políticas ambientais globais. Sua produção também foi citada em documento do MCTI, contribuindo para a consolidação de dados nacionais de mitigação às mudanças climáticas.

Para Ana Paula Morales, cofundadora e diretora da Bori, a incidência do conhecimento científico em tomadas de decisão passa pela comunicação do que é feito na academia.

“Quando a evidência é comunicada de forma clara e acessível, molda o entendimento público e capacita a sociedade a exigir decisões embasadas no conhecimento”, diz. 

“Tornar a ciência visível não é apenas uma questão de reconhecimento — é expandir seu alcance e sua capacidade de transformar o cotidiano.”

Sabine Righetti, cofundadora da Bori e pesquisadora do Labjor-Unicamp, concorda. Para ela, o relatório Bori-Overton mostra que a ciência não é periférica para o Estado, mas um dos seus instrumentos de governança. 

“Reconhecer essa conexão fortalece a democracia, porque a formulação de políticas baseada em evidências é a expressão mais concreta da razão pública.”

Esse é o sétimo relatório publicado pela Bori com parceiros. Documentos anteriores, desenvolvidos com a editora científica Elsevier, revelaram queda inédita na produção científica brasileira e mostraram a distribuição de gênero na produção do país. 

A ideia dessas publicações é tirar retratos sistemáticos e periódicos da produção brasileira para contribuir com o debate público.

> Com informação do relatório Bori-Overton.

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