Falta de dados sobre ateus no Censo reforça preconceito histórico e limita estudos sobre a descrença no Brasil, afirma Flávio Gordon
 
Gordon analisou o tema em sua tese de doutorado “A cidade dos Brights: Religião, Política e Ciência no Movimento Neo-Ateísta”, defendida em 2011 na UFRJ. O estudo aponta que o apagamento de ateus nos dados oficiais confirma o constrangimento à liberdade de não crer.
O Censo de 2010 foi o único a distinguir ateus do conjunto dos “sem religião”. Os que declararam não crer em nenhuma divindade representavam 0,3% da população, cerca de 615 mil pessoas.
Esse percentual era semelhante ao dos que se declaravam umbandistas ou candomblecistas, mostrando que o grupo dos ateus já tinha presença significativa há 15 anos.
A mesma pesquisa indicou 124 mil agnósticos. Gordon observa que essa diferença é essencial: “Ateu é quem afirma que deuses não existem. Agnóstico é quem considera impossível afirmar ou negar sua existência.”
Segundo o Censo, 8% dos brasileiros se declaravam sem religião em 2010. Em 2020, esse grupo subiu para 9,3%. Gordon considera provável que, dentro dele, o número de ateus também tenha crescido.
Uma pesquisa da Gallup International, de 2014, com 57 países, mostrou queda no número de religiosos, de 77% para 68%, e aumento de 3% de ateus no mesmo período. Para Gordon, essa tendência mundial também se aplica ao Brasil.
Ele diferencia quem não segue religião de quem se declara ateu. “Há pessoas sem religião que continuam crendo em Deus. Já o ateu assume uma posição filosófica clara, baseada no materialismo científico.”
O pesquisador chama isso de “ateísmo explícito”. Ele vê confusão entre ateísmo e agnosticismo, inclusive na própria Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA), que trata os dois termos como equivalentes.
Para Gordon, “essa fusão é equivocada”. Ele cita a tradição marxista, segundo a qual o agnosticismo é uma forma de indecisão, diferente do materialismo ateu. “Lênin já criticava isso em 1908, dizendo que o agnóstico nega a possibilidade de conhecer a realidade objetiva.”
O apagamento estatístico dos ateus, diz ele, é reflexo de uma discriminação antiga. “As classes dominantes acusaram os comunistas de abolir a liberdade religiosa, mas foram elas que perseguiram o direito de não crer.”
Gordon lembra que esse preconceito também atinge religiões minoritárias. “O fechamento de terreiros por traficantes evangélicos é exemplo do controle religioso sobre a vida pública”, disse.
O pesquisador considera grave a situação em países com passado colonial. “No Brasil, a república nasceu sem ruptura com o poder religioso herdado da monarquia. Isso perpetua o domínio da fé sobre o Estado.”
O presidente da ATEA, Daniel Sottomaior, concorda. Em artigo no portal The Intercept, ele afirmou que “a separação entre religião e Estado é quase uma causa perdida no Brasil”.
Segundo ele, “a direita não quer a laicidade e a esquerda a defende de modo seletivo, ignorando símbolos religiosos em repartições públicas e o uso de verbas oficiais para eventos religiosos”.
Gordon vê nisso um retrocesso. “A religião e a política estão entrelaçadas como não se via desde o Império”, disse. Ele cita a influência religiosa em temas como aborto e educação.
“Mulheres continuam impedidas de decidir sobre o próprio corpo, e crianças ateias sofrem constrangimento em escolas públicas que promovem orações”, afirma.
Para o pesquisador, o preconceito contra o ateísmo não é apenas simbólico. “Ele tem efeitos práticos, e o apagamento nos dados oficiais é mais uma forma de exclusão.”
A ausência de estatísticas confiáveis impede políticas públicas e estudos sobre descrença. “Sem dados, não há como entender o comportamento social dos não crentes”, concluiu Gordon.
Ele defende que o IBGE volte a separar ateus e agnósticos em seus levantamentos. “O reconhecimento é o primeiro passo para combater o preconceito e garantir o direito de não acreditar.”
 
O número de ateus no Brasil é menor nas estatísticas do que na realidade. A causa, segundo o antropólogo Flávio Gordon, é o preconceito que leva muitos descrentes a esconder a falta de fé.
Gordon analisou o tema em sua tese de doutorado “A cidade dos Brights: Religião, Política e Ciência no Movimento Neo-Ateísta”, defendida em 2011 na UFRJ. O estudo aponta que o apagamento de ateus nos dados oficiais confirma o constrangimento à liberdade de não crer.
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O Censo de 2010 foi o único a distinguir ateus do conjunto dos “sem religião”. Os que declararam não crer em nenhuma divindade representavam 0,3% da população, cerca de 615 mil pessoas.
Esse percentual era semelhante ao dos que se declaravam umbandistas ou candomblecistas, mostrando que o grupo dos ateus já tinha presença significativa há 15 anos.
A mesma pesquisa indicou 124 mil agnósticos. Gordon observa que essa diferença é essencial: “Ateu é quem afirma que deuses não existem. Agnóstico é quem considera impossível afirmar ou negar sua existência.”
Segundo o Censo, 8% dos brasileiros se declaravam sem religião em 2010. Em 2020, esse grupo subiu para 9,3%. Gordon considera provável que, dentro dele, o número de ateus também tenha crescido.
Uma pesquisa da Gallup International, de 2014, com 57 países, mostrou queda no número de religiosos, de 77% para 68%, e aumento de 3% de ateus no mesmo período. Para Gordon, essa tendência mundial também se aplica ao Brasil.
Ele diferencia quem não segue religião de quem se declara ateu. “Há pessoas sem religião que continuam crendo em Deus. Já o ateu assume uma posição filosófica clara, baseada no materialismo científico.”
O pesquisador chama isso de “ateísmo explícito”. Ele vê confusão entre ateísmo e agnosticismo, inclusive na própria Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA), que trata os dois termos como equivalentes.
Para Gordon, “essa fusão é equivocada”. Ele cita a tradição marxista, segundo a qual o agnosticismo é uma forma de indecisão, diferente do materialismo ateu. “Lênin já criticava isso em 1908, dizendo que o agnóstico nega a possibilidade de conhecer a realidade objetiva.”
O apagamento estatístico dos ateus, diz ele, é reflexo de uma discriminação antiga. “As classes dominantes acusaram os comunistas de abolir a liberdade religiosa, mas foram elas que perseguiram o direito de não crer.”
Gordon lembra que esse preconceito também atinge religiões minoritárias. “O fechamento de terreiros por traficantes evangélicos é exemplo do controle religioso sobre a vida pública”, disse.
O pesquisador considera grave a situação em países com passado colonial. “No Brasil, a república nasceu sem ruptura com o poder religioso herdado da monarquia. Isso perpetua o domínio da fé sobre o Estado.”
O presidente da ATEA, Daniel Sottomaior, concorda. Em artigo no portal The Intercept, ele afirmou que “a separação entre religião e Estado é quase uma causa perdida no Brasil”.
Segundo ele, “a direita não quer a laicidade e a esquerda a defende de modo seletivo, ignorando símbolos religiosos em repartições públicas e o uso de verbas oficiais para eventos religiosos”.
Gordon vê nisso um retrocesso. “A religião e a política estão entrelaçadas como não se via desde o Império”, disse. Ele cita a influência religiosa em temas como aborto e educação.
“Mulheres continuam impedidas de decidir sobre o próprio corpo, e crianças ateias sofrem constrangimento em escolas públicas que promovem orações”, afirma.
Para o pesquisador, o preconceito contra o ateísmo não é apenas simbólico. “Ele tem efeitos práticos, e o apagamento nos dados oficiais é mais uma forma de exclusão.”
A ausência de estatísticas confiáveis impede políticas públicas e estudos sobre descrença. “Sem dados, não há como entender o comportamento social dos não crentes”, concluiu Gordon.
Ele defende que o IBGE volte a separar ateus e agnósticos em seus levantamentos. “O reconhecimento é o primeiro passo para combater o preconceito e garantir o direito de não acreditar.”
> Com base na tese de doutorado “A cidade dos Brights: Religião, Política e Ciência no Movimento Neo-Ateísta”, de Flávio Gordon, defendida na UFRJ em 2011.
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