Pular para o conteúdo principal

Existem várias perspectivas para o ateísmo, e a política é uma delas, afirma autor de livro

O professor de história Ricardo Oliveira da Silva está lançando o seu terceiro livro sobre ateísmo. Trata-se do “Capítulos da História do Ateísmo” onde apresenta uma biografia de ateus que, em diferentes momentos, se sobressaíram na defesa da razão e da libertação da humanidade das alegorias dos deuses. Na entrevista abaixo, com perguntas e respostas feitas por escrito, Silva fala sobre as duas principais correntes do ateísmo — a humanista e a científica. Entre outros temas, ele também cita os ateus antirreligiosos, que vicejam na internet mas não são novidades porque estavam presentes na Revolução Francesa e na edificação da União Soviética. Ao final, o professor faz uma reflexão


                              Foto: divulgação

Silva mostra a
capa do livro
“Capítulos da
História do
Ateísmo”

Paulopes: No seu novo livro, você apresenta o ateísmo humanista, citando como exemplos Ernestine Rose e Sikivu Hutchinson, e o ateísmo científico (Darwin, Russell e Dawkins). No Brasil, atualmente, como essas duas correntes atuam e se mesclam? Uma dela prepondera? Pela sua percepção, o ateu brasileiro é mais humanista ou científico?

Silva: Assim como em países europeus e nos Estados Unidos, no Brasil a vertente do ateísmo científico realça o conflito epistemológico entre ciência e religião e o ateísmo humanista realça a religião como criação humana e fonte de legitimação de estruturas de poder social e político. De forma preliminar, pelo que vejo na internet, me parece que no Brasil prepondera o ateísmo científico.

No compêndio você cita a Rose e a Sikivu. Qual o papel das mulheres no movimento ateísta atual? Por que elas são pouco citadas? Além do machismo, há algo mais?

Historicamente as mulheres receberam menos oportunidades para questionar dogmas religiosos ao serem confinadas em casa para cumprir o papel de mãe, esposa e dona de casa. Para isso, se construiu ao longo do tempo um discurso de fundo religioso e científico que retratou mulheres como detentoras de uma “natureza emotiva e submissa”, diferente da “natureza racional e ativa” do homem. Com base nisso, se criou uma narrativa de incompatibilidade no binômio mulher/ateísmo.

O papel das mulheres ateias no ativismo, tanto no passado como hoje, pelo que entendo, está em parte em questionar esses discursos e abordar, por exemplo, o sentido da construção patriarcal da figura de Deus como forma para legitimar opressões sobre mulheres.

A população brasileira está de fato cada vez mais evangélica. Em decorrência disso, tem havido na internet o surgimento de ateus que foram evangélicos, pastores, inclusive. Esses “novíssimos” ateus têm uma retórica marcadamente antirreligiosa, usando as inúmeras contradições da Bíblia. Eles chegam a pregar o ateísmo. Como você encaixaria esse novo fenômeno no movimento ateísta?

Esse é um fato interessante. São pessoas cuja vida foi muito impactada pela religião, muitas vezes de forma traumática, talvez percebendo que “tenham perdido tempo de suas vidas”, ou tenham sido “enganadas” e “ludibriadas” por igrejas e figuras religiosas. Quando se tornam ateias, isso pode desembocar numa atitude explosiva de combate ao universo religioso por meio de uma retórica agressiva. Mas isso não é novo, desde o século XVIII encontramos essa vertente antirreligiosa que passou a ser incluída como parte da história do ateísmo. Na Revolução Francesa, muitas igrejas e padres foram hostilizados e na antiga União Soviética.

Acredito que, em novas edições, o seu livro apresente outros nomes importantes, Christopher Hitchens e Drauzio Varella.

Sim, a meta é sempre abordar mais e mais as ideias e ativismo de pessoas ateias. Tratei de Hitchens no meu livro O Ateísmo no Brasil. Drauzio Varella já manifestou em diversas ocasiões sua posição ateia e merece um estudo. Aliás, na medida em que encontro fontes quero pesquisar cada vez mais as histórias de ateus e ateias do país. A história do ateísmo brasileiro ainda está encoberta por uma penumbra de desconhecimento e silêncio.
Richard Dawkins, proeminente ateu e uma das personalidades do seu livro, tem sido cancelado por entidades ateístas sob a acusação de transfobia, porque, para ele, só existem dois gêneros, homem e mulher. Dawkins é um conceituado biólogo, que preza, portanto, os cromossomos XX e XY, que definem biologicamente o masculino e o feminismo. Para você, quem está sendo intransigente? Dawkins ou movimentos ateístas?

Olha, na minha avaliação é pertinente uma crítica quando o único critério para falar sobre pessoas trans se resume a uma definição biológica de feminino e masculino. Esse tema não se reduz ao horizonte biológico, ainda que seja importante, mas é enriquecido pelas teorias nas ciências sociais e possui uma dimensão política que não pode ser negligenciada. Estamos falando também de relações de poder e luta por direitos. Sei que existem pessoas ateias que concordam com Dawkins e outras não. Neste debate eu não estou ao lado de Dawkins.

Você entende que o ateísmo não se esgota em si mesmo porque se trata de um movimento político e, portanto, acrescento, ele possui uma ambição de poder. O que esse movimento tem feito no Brasil e em outros países? O que ele poderá fazer? Os fatos, nesse caso, confirmam a premissa?

Acredito que existem múltiplas perspectivas para se pensar o ateísmo. Alguns preferem o debate teológico, outros, o científico, há o filosófico, existem diversas formas de conceber a arte sem viés religioso e, claro, há indivíduos e grupos que o pensam como elemento de construção de movimentos políticos. Isso implica em almejar exercer uma influência na sociedade e, portanto, há uma questão de poder.

O tema da laicidade é um exemplo disso. No Brasil, tivemos a tentativa de construir um movimento neste sentido alguns anos atrás. No entanto, por uma série de razões, ele se desestruturou.

Olhando para o caso do Brasil, que conheço um pouco mais, talvez um dos desafios para que pessoas e grupos consigam mais uma vez tentar construir um movimento político é pensar o ateísmo para além do que ele nega (Deus). O que se pode propor de positivo, não apenas para as pessoas ateias, mas para o conjunto da sociedade. Eis uma reflexão.



> Mais sobre Ricardo de Oliveira da Silva

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

Vicente e Soraya falam do peso que é ter o nome Abdelmassih

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Limpem a boca para falar do Drauzio Varella, cristãos hipócritas!

Varella presta serviço que nenhum médico cristão quer fazer LUÍS CARLOS BALREIRA / opinião Eu meto o pau na Rede Globo desde o começo da década de 1990, quando tinha uma página dominical inteira no "Diário do Amazonas", em Manaus/AM. Sempre me declarei radicalmente a favor da pena de morte para estupradores, assassinos, pedófilos, etc. A maioria dos formadores de opinião covardes da grande mídia não toca na pena de morte, não discutem, nada. Os entrevistados de Sikera Júnior e Augusto Nunes, o povo cristão da rua, também não perdoam o transexual que Drauzio, um ateu, abraçou . Então que tipo de país de maioria cristã, tão propalada por Bolsonaro, é este. Bolsonaro é paradoxal porque fala que Jesus perdoa qualquer crime, base haver arrependimento Drauzio Varella é um médico e é ateu e parece ser muito mais cristão do que aqueles dois hipócritas.  Drauzio passou a vida toda cuidando de monstros. Eu jamais faria isso, porque sou ateu e a favor da pena de mor...

Feliciano manda prender rapaz que o chamou de racista

Marcelo Pereira  foi colocado para fora pela polícia legislativa Na sessão de hoje da Comissão de Direitos Humanos e Minoria, o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP), na foto, mandou a polícia legislativa prender um manifestante por tê-lo chamado de racista sob a alegação de ter havido calúnia. Feliciano apontou o dedo para um rapaz: “Aquele senhor de barba, chama a segurança. Ele me chamou de racista. Racismo é crime. Ele vai sair preso daqui”. Marcelo Régis Pereira, o manifestante, protestou: “Isso [a detenção] é porque sou negro. Eu sou negro”. Depois que Pereira foi retirado da sala, Feliciano disse aos manifestantes: “Podem espernear, fui eleito com o voto do povo”. O deputado não conseguiu dar prosseguimento à sessão por causa dos apitos e das palavras de ordem cos manifestantes, como “Não, não me representa, não”; “Não respeita negros, não respeita homossexuais, não respeita mulheres, não vou te respeitar não”. Jovens evangélicos manifestaram apoio ao ...

Prefeito de São Paulo veta a lei que criou o Dia do Orgulho Heterossexual

Kassab inicialmente disse que lei não era homofóbica

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Deputado gay é ameaçado de morte no Twitter por supostos evangélicos

Resposta do deputado Jean Wyllys O militante gay e deputado Jean Wyllys (PSOL) recebeu hoje (18) pelo Twitter três ameaças de morte de supostos evangélicos. Diz uma delas: "É por ofender a bondade de Deus que você deve morrer". Outra: "Cuidado ao sair de casa, você pode não voltar". A terceira: “"A morte chega, você não tarda por esperar".  O deputado acredita que as ameaças tenham partido de fanáticos religiosos. “Esses religiosos homofóbicos, fundamentalistas, racistas e enganadores de pobres pensam que me assustam com ameaças de morte!”, escreveu ele no Twitter. Wyllys responsabilizou os pastores por essas “pessoas doentes” porque “eles as conduzem demonizando minorias”. Informou que vai acionar as autoridades para que os autores da ameaça seja penalizados. Escreveu: "Vou recorrer à Justiça toda vez que alguém disseminar o ódio racista, misógino e homofóbico no Twitter, mesmo que seja em nome de seu deus". Defensor da união civi...

Drauzio Varella afirma por que ateus despertam a ira de religiosos

Promotor nega ter se apaixonado por Suzane, mas foi suspenso

Gonçalves, hoje com 45 anos, e Suzane quando foi presa, 23 No dia 15 de janeiro de 2007, o promotor Eliseu José Berardo Gonçalves (foto), 45, em seu gabinete no Ministério Público em Ribeirão Preto e ao som de músicas românticas de João Gilberto, disse a Suzane Louise Freifrau von Richthofen (foto), 27, estar apaixonado por ela. Essa é a versão dela. Condenada a 38 anos de prisão pela morte de seus pais em outubro de 2002, a moça foi levada até lá para relatar supostas ameaças de detentas do presídio da cidade. Depois daquele encontro com o promotor, ela contou para uma juíza ter sido cortejadar.  Gonçalves, que é casado, negou com veemência: “Não me apaixonei por ela”. Aparentemente, Gonçalves não conseguiu convencer sequer o Ministério Público, porque foi suspenso 22 dias de suas atividades por “conduta inadequada” e por também por ter dispensado uma testemunha importante em outro caso. Ele não receberá o salário correspondente a esse período. O Fantástico de ontem apre...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus