Pular para o conteúdo principal

Nos EUA, igreja negra fez uso da política e apoiou a democracia. Nacionalismo cristão branco de hoje, não

Os nacionalistas cristãos brancos americanos não aceitam os negros como irmãos em Cristo


Tobin Miller Tosquiador 
professor de história e estudo afro-americanos, Universidade de Montana, Estados Unidos

The Conversationl
plataforma de informação produzida por acadêmicos e jornalistas

Cinquenta e oito anos atrás, em 1966, um grupo de líderes de igrejas negras publicou um anúncio de página inteira no The New York Times intitulado “Black Power”. 

Sua declaração densamente redigida convocou líderes nacionais, “clérigos brancos”, cidadãos negros e a mídia de massa a corrigir o desequilíbrio de poder racial do país. Em essência, eles pediram a seus concidadãos que apoiassem o poder negro.

Líderes proeminentes da igreja, como o Rev. Paul Washington da Church of the Advocate na Filadélfia, o Rev. Gayraud Wilmore da Presbyterian Commission on Religion and Race e o Rev. Benjamin Payton do National Council of Churches estavam entre os signatários.

Com anos de experiência em direitos civis, 48 ​​líderes negros da igreja corajosamente afirmaram seu apoio inequívoco ao movimento Black Power.

Como muitos nacionalistas cristãos brancos em 2024, esses líderes da igreja negra acreditavam que Deus estava punindo seu amado país. Ambos os grupos clamavam por arrependimento e mudança fundamental. E como os nacionalistas cristãos brancos, os ativistas cristãos negros de 1966 afirmaram que sua fé tinha algo a dizer sobre questões de identidade racial e política de poder.

Tal comparação pode sugerir que os dois grupos — cada um orgulhoso de sua identidade racial — eram semelhantes nos fins que buscavam. 

No entanto, os defensores do Black Power baseados na igreja em 1966 articularam sua visão, perseguiram seu objetivo de corrigir a corrupção da nação e se envolveram com seus concidadãos de maneiras dramaticamente diferentes do que os nacionalistas cristãos brancos fazem hoje.

Como estudioso de religião e raça em movimentos de protesto social, argumento que a afirmação do poder negro não foi de forma alguma uma ameaça à democracia — ao contrário das demandas dos nacionalistas cristãos brancos de hoje por tomar as rédeas do poder.

Abordagem programática do poder   


Stokely Carmichael,
no centro, com
seus amigos


Apenas algumas semanas antes do anúncio aparecer, o ativista Stokely Carmichael havia trazido a frase “Black Power” à atenção nacional durante uma marcha pela liberdade em Greenwood, Mississippi. Ele proclamou: “Estamos dizendo liberdade há seis anos, e não temos nada. 

O que temos que começar a dizer agora é Black Power! Queremos Black Power.” Sua retórica e os distúrbios raciais que então abalavam o país em cidades como Chicago, Cleveland e Dayton, Ohio, levaram os líderes da igreja negra a publicar seu anúncio.

Na declaração de quase 3.000 palavras em página inteira, os pastores propuseram que a distribuição justa do poder político e econômico resolveria os problemas das cidades. 

Cobertura de notícias precisa, pleno emprego e educação igualitária tornariam esse compartilhamento de poder possível. Como líderes religiosos, eles também convocaram suas congregações a curar divisões internas e praticar o amor próprio racial.

Além disso, os líderes da igreja negra usaram o texto de seu anúncio pago para refutar a ideia de que qualquer “nação, raça ou organização” tinha o direito de deter “poder supremo”. 

Eles visavam tranquilizar os leitores de que os ativistas do Black Power também não deveriam deter o poder supremo. Eles então moderaram seu patriotismo ao notar que “a América é nossa amada pátria”, mas que o país “não era Deus”. 

Ao contrário de alguns ativistas nacionalistas negros da época, eles não pediram a separação da sociedade branca.

Em vez de uma “concepção sobrenatural do poder de Deus”, eles se concentraram em seu anúncio em exercer poder no “aqui e agora”. E eles pediram acesso ao poder que permitiria aos cidadãos negros participar de “todos os níveis da vida de nossa nação”.

Como observou o historiador e ativista Vincent Harding, suas palavras ecoaram os fiéis que criticavam os líderes religiosos excessivamente espirituais, afirmando: "Orar é bom em uma reunião de oração, mas não é bom em uma reunião de ursos". Ou seja, em uma situação perigosa — seja uma rebelião urbana ou um encontro com um animal selvagem — os recursos religiosos eram insuficientes.

A deles foi uma adoção pragmática do poder, baseada num apelo aos princípios fundadores dos Estados Unidos.

Poder com limites

No entanto, sua busca pelo poder negro tinha limites. No texto de seu anúncio, os líderes da igreja negra defendiam claramente que “todas as pessoas” tivessem poder, o que, por necessidade, exigia que os negros também tivessem poder.

Eles também admitiram que as próprias instituições que lideravam — congregações negras — já tinham algum grau de poder. Desde o êxodo em massa de congregantes negros de congregações lideradas por brancos após a emancipação, congregações negras independentes forneceram apoio religioso e sustento, ao mesmo tempo em que fomentavam uma base para ação política.

Congregações negras apoiaram fiéis que desafiaram a supremacia branca durante a Reconstrução, pediram acesso a empregos durante a Segunda Guerra Mundial e marcharam em Washington por empregos e liberdade durante o Movimento pelos Direitos Civis.

Um meio para a participação

Mas talvez o mais importante seja que os 48 signatários da declaração do The New York Times — assim como outros defensores seculares do poder negro na época — não buscavam o controle do país.

Em vez de “um esforço tolo de dominação” ou uma “nova forma de isolacionismo”, eles disseram no anúncio, eles buscavam poder para poderem participar efetivamente “em todos os níveis da vida de nossa nação”. Seu objetivo era “fazer da reconstrução de nossas cidades” a primeira prioridade do país.

Em uma década da publicação da declaração em 1966, a frase Black Power havia diminuído até mesmo entre seus defensores mais vocais. Fraturas internas, frequentemente motivadas por informantes pagos, haviam enfraquecido as organizações Black Power. 

O diretor do FBI, J. Edgar Hoover, havia organizado ataques violentos contra ativistas do Black Power. Outros proponentes do Black Power foram presos e encarcerados por autoridades locais e federais.

Como Lerone Martin, diretor do King Center da Universidade de Stanford, demonstrou, Hoover foi motivado a minar o poder dos negros por sua expressão devota de um cristianismo que era “inequivocamente conservador, patriótico e branco”.

Outra maneira de unir fé e política

Apoiadores de Donald Trump
realizam um comício "Stop
The Steal" no Capitólio
dos EUA em Washington
em 6 de janeiro de 2021


Os defensores do nacionalismo cristão branco continuam a buscar um governo religioso e dominado por brancos. Um estudo recente do PPRI também descobriu que os nacionalistas cristãos brancos tinham duas vezes mais probabilidade de apoiar a violência política.

Em contraste, o exemplo da promoção efêmera e baseada na igreja do poder negro coloca o nacionalismo cristão contemporâneo em um contexto mais amplo. 

Os líderes da igreja negra demonstraram que havia uma maneira de trazer compromissos religiosos para suportar buscas políticas sem insistir no domínio racial ou rejeitar a separação entre igreja e estado.

Como esses defensores do Black Power deixaram claro, era possível ser patriota e também ser crítico das falhas da nação em incorporar a justiça racial. 

Ao contrário dos proponentes contemporâneos de uma crença nos Estados Unidos como fundada em princípios cristãos e ameaçada por “não brancos, não cristãos e imigrantes”, em sua declaração os defensores do Black Power de 1966 condenaram a “violência aberta dos tumultos”. 

Até Malcolm X, o ativista franco da Nação do Islã, foi suspenso de seus deveres religiosos por insinuar que as ações do presidente John F. Kennedy resultaram em seu assassinato quando ele disse que as galinhas tinham voltado “para o poleiro”.

De uma posição pragmática e de princípios, os líderes da igreja negra não viam a violência como viável. Mesmo ao promover a ideia altamente controversa do poder negro para uma nação branca, eles mantiveram a crença de que a democracia era consistente com seus objetivos, em vez de oposta a eles.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Ateu usa coador de macarrão como chapéu 'religioso' em foto oficial

Fundamentalismo de Feliciano é ‘opinião pessoal’, diz jornalista

Sheherazade não disse quais seriam as 'opiniões não pessoais' do deputado Rachel Sheherazade (foto), apresentadora do telejornal SBT Brasil, destacou na quarta-feira (20) que as afirmações de Marco Feliciano tidas como homofóbicas e racistas são apenas “opiniões pessoais”, o que pareceu ser, da parte da jornalista,  uma tentativa de atenuar o fundamentalismo cristão do pastor e deputado. Ficou subentendido, no comentário, que Feliciano tem também “opiniões não pessoais”, e seriam essas, e não aquelas, que valem quando o deputado preside a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Se assim for, Sheherazade deveria ter citado algumas das opiniões “não pessoais” do pastor-deputado, porque ninguém as conhece e seria interessante saber o que esse “outro” Feliciano pensa, por exemplo, do casamento gay. Em referência às críticas que Feliciano vem recebendo, ela disse que “não se pode confundir o pastor com o parlamentar”. A jornalista deveria mandar esse recado...

PMs de Cristo combatem violência com oração e jejum

Violência se agrava em SP, e os PMs evangélicos oram Houve um recrudescimento da violência na Grande São Paulo. Os homicídios cresceram e em menos de 24 horas, de anteontem para ontem, ocorreram pelo menos 20 assassinatos (incluindo o de policiais), o triplo da média diária de seis mortes por violência. Um grupo de PMs acredita que pode ajudar a combater a violência pedindo a intercessão divina. A Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, que é mais conhecida como PMs de Cristo, iniciou no dia 25 de outubro uma campanha de “52 dias de oração e jejum pela polícia e pela paz na cidade”, conforme diz o site da entidade. “Essa é a nossa nobre e divina missão. Vamos avante!” Um representante do comando da corporação participou do lançamento da campanha. Com o objetivo de dar assistência espiritual aos policiais, a associação PMs de Cristo foi fundada em 1992 sob a inspiração de Neemias, o personagem bíblico que teria sido o responsável por uma mobili...

Wyllys vai processar Feliciano por difamação em vídeo

Wyllys afirmou que pastor faz 'campanha nojenta' contra ele O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), na foto, vai dar entrada na Justiça a uma representação criminal contra o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) por causa de um vídeo com ataques aos defensores dos homossexuais.  O vídeo “Marco Feliciano Renuncia” de oito minutos (ver abaixo) foi postado na segunda-feira (18) por um assessor de Feliciano e rapidamente se espalhou pela rede social por dar a entender que o deputado tinha saído da presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Mas a “renúncia” do pastor, no caso, diz o vídeo em referência aos protestos contra o deputado, é à “privacidade” e às “noites de paz e sono tranquilo”, para cuidar dos direitos humanos. O vídeo termina com o pastor com cara de choro, colocando-se como vítima. Feliciano admitiu que o responsável pelo vídeo é um assessor seu, mas acrescentou que desconhecia o conteúdo. Wyllys afirmou que o vídeo faz parte de uma...

Embrião tem alma, dizem antiabortistas. Mas existe alma?

por Hélio Schwartsman para Folha  Se a alma existe, ela se instala  logo após a fecundação? Depois do festival de hipocrisia que foi a última campanha presidencial, com os principais candidatos se esforçando para posar de coroinhas, é quase um bálsamo ver uma autoridade pública assumindo claramente posição pró-aborto, como o fez a nova ministra das Mulheres, Eleonora Menicucci. E, como ela própria defende que a questão seja debatida, dou hoje minha modesta contribuição. O argumento central dos antiabortistas é o de que a vida tem início na concepção e deve desde então ser protegida. Para essa posição tornar-se coerente, é necessário introduzir um dogma de fé: o homem é composto de corpo e alma. E a Igreja Católica inclina-se a afirmar que esta é instilada no novo ser no momento da concepção. Sem isso, a vida humana não seria diferente da de um animal e o instante da fusão dos gametas não teria nada de especial. O problema é que ninguém jamais demonstrou que ...

Defensores do Estado laico são ‘intolerantes’, diz apresentadora

Evangélico quebrou centro espírita para desafiar o diabo

"Peguei aquelas imagens e comei a quebrar" O evangélico Afonso Henrique Alves , 25, da Igreja Geração Jesus Cristo, postou vídeo [ver abaixo] no Youtube no qual diz que depredou um centro espírita em junho do ano passado para desafiar o diabo. “Eu peguei todas aquelas imagens e comecei a quebrar...” [foto acima] Na sexta (19), ele foi preso por intolerância religiosa e por apologia do ódio. “Ele é um criminoso que usa a internet para obter discípulos”, disse a delegada Helen Sardenberg, depois de prendê-lo ao término de um culto no Morro do Pinto, na Zona Portuária do Rio. Também foi preso o pastor Tupirani da Hora Lores, 43. Foi a primeira prisão no país por causa de intolerância religiosa, segundo a delegada. Como 'discípulo da verdade', Alves afirma no vídeo coisas como: centro espírito é lugar de invocação do diabo, todo pai de santo é homossexual, a imprensa e a polícia estão a serviço do demônio, na Rede Globo existe um monte de macumbeiros, etc. A...

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Apoio de âncora a Feliciano constrange jornalistas do SBT

Opiniões da jornalista são rejeitadas pelos seus colegas O apoio velado que a âncora Rachel Sheherazade (foto) manifestou ao pastor-deputado Marco Feliciano (PSC-SP)  deixou jornalistas e funcionários do "SBT Brasil" constrangidos. O clima na redação do telejornal é de “indignação”, segundo a Folha de S.Paulo. Na semana passada, Sheherazade minimizou a importância das afirmações tidas como homofóbicas e racistas de Feliciano, embora ele seja o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, dizendo tratar-se apenas de “opinião pessoal”. A Folha informou que os funcionários do telejornal estariam elaborando um abaixo assinado intitulado “Rachel não nos representa” para ser encaminhado à direção da emissora. Marcelo Parada, diretor de jornalismo do SBT, afirmou não saber nada sobre o abaixo assinado e acrescentou que os âncoras têm liberdade para manifestar sua opinião. Apesar da rejeição de seus colegas, Sheherazade se sente segura no cargo porque ela cont...