Pular para o conteúdo principal

Mescla da política e religião intimida ateus no Brasil. E defendê-los e defender a razão

Jornalista escreve que o Estado laico no Brasil é uma farsa e que, mesmo assim, os oráculos da atualidade, como o Santuário de Aparecida e o Templo de Salomão, um dia vão se tornar pontos turísticos, como Delfos, na Grécia


Mario Sergio Conti
jornalista

Folha de S.Paulo

A religião helênica [da Grécia, em Delfos] está mortinha da silva. Isso permite um vaticínio a este oráculo paulistano: um dia, Meca, o Muro das Lamentações, o Vaticano — e, aqui, o Santuário de Aparecida e o Templo de Salomão, no Brás — só atrairão admiradores do engenho humano, e não crentes no além.

Duvida? Pois vá à Escandinávia. É a região do globo, rezam as pesquisas e estatísticas, mais próspera, igualitária e feliz. Nela se concentra a maior taxa de ateus. Os que não creem em deus são 72% dos noruegueses, 80% dos dinamarqueses e 85% dos suecos.

Não há relação comprovada entre ateísmo e bem-estar social. Mas dá o que pensar o fato de que, no último Censo, só 8% dos brasileiros tenham dito não ter religião. São 15,4 milhões de pessoas; bem mais que os espíritas (1,4 milhão) e os adeptos do candomblé e da umbanda (588 mil).


Eis o que restou
do oráculo de
Delfos, que foi
considerado o
centro do universo
FOTO: DIVULGAÇÃO

Para os 92% religiosos, os 8% descrentes são uma minoria má e perversa. Expressiva em números absolutos, ela é pacífica e passiva. Aceita de cabeça baixa que as instituições e meios de comunicação, a cultura e as artes os discriminem e façam propaganda de crendices continuamente.

Em teoria, o Estado é laico desde 1891, quando a classe proprietária e seus tentáculos armados — Exército, Marinha e polícias — impuseram a primeira Constituição republicana à massa de agregados e ex-escravos. Na prática, a separação entre religiões e Estado é uma farsa.

A Constituição atual anuncia já no preâmbulo que foi feita “sob a proteção de Deus”. Entra-se no plenário do STF e se topa com a imagem de um homem exangue, sangrando em troncos transversais. A mesma figura de mau gosto adorna o gabinete do presidente da República. É um abuso.

Está firme na cadeira? Então escuta esta: deus não existe. É uma invenção compensatória. Quando falta o que comer e vestir, onde amar e trabalhar em paz, alguns compatriotas recorrem à entidade que seria capaz, se não de prover suas carências, de ao menos servir de consolo.

Com um mínimo de lógica, contudo, conclui-se que não há uma mísera prova disso. A ideia de deus persiste porque na sociedade de consumo bilhões não consomem. As religiões cumprem nela a função de dar um alívio imaginário a quem não o tem na vida real e material.

Os iluministas do século 18 viram no fim da crença em deuses um passo para que a razão vença os mitos. Com perspectivas diferentes, dois dos seus herdeiros, ambos de origem judaica, defenderam o ateísmo. Para Marx, a religião era o coração de um mundo sem coração, o ópio do povo. Para Freud, uma neurose obsessiva da humanidade.

Os ateus estão acoelhados no Brasil. Silenciam ante o avanço da mescla deletéria de política e religião que tanta destruição causou e causa — vide as guerras entre católicos e protestantes na Europa dos séculos 16 e 17 e o atual morticínio que Israel perpetra em Gaza.

Defender os ateus é defender a razão, a única via para que a humanidade supere as carências que geram a obscuridade religiosa.

> Íntegra do artigo, que na Folha de S. Paulo foi publicado com o título "Defender os ateus é defender a razão".

Comentários

betoquintas disse…
"A religião helênica [da Grécia, em Delfos] está mortinha da silva."

Parece que o autor e o Paulo nunca ouviram falar dos grupos de helenismo, surgidos no século XVIII. Reconstrução cultural de algo que estava apenas latente com a imposição do Cristianismo. Parece que a intenção do autor e do Paulo é de impor o ateísmo. Podem bater o pé e fazer beicinho. Toda nossa cultura (inclusive a ciência) vem dos povos antigos, todos, religiosos.
Robert Saint disse…
A ciência sob forma alguma provém da religiosidade. Pelo contrário, foi atrasada e ameaçada anos sem fim pela mediocridade de religiosos com medo de perder seu status de vendedores de milagres e graças. É bem possível não crer em Deus e não ser ateu, notadamente quando se trata de deuses e dogmas de outras religiões. Os católicos não creem nos milhares de deuses indianos e nem por isso são considerados ateus. Mas se o conceito de ateu é não acreditar em algum Deus, todos então são ateus. Agora, o mais interessante no momento são os comentários de religiosos cristãos a afirmar que os gaúchos estão pagando seus pecados, sofrendo com as enchentes (possivelmente divinas) por terem grande percentual se ateus e crentes na umbanda. Pode, Paulo?

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Malafaia divulga mensagem homofóbica em outdoors do Rio

Traficantes evangélicos proíbem no Rio cultos de matriz africana

Agência Brasil Comissão da Combate à Intolerância diz que bandidos atacam centros espíritas  O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e a CCIR (Comissão de Combate à Intolerância Religiosa) se reuniram na terça-feira para debater o pedido de instauração de inquérito de modo a investigar a denúncia de que traficantes que se declaram evangélicos de Vaz Lobo e Vicente de Carvalho, na zona norte do Rio, estão proibindo religiões de matriz africana de manterem cultos na região. Segundo a comissão, vários centros espíritas estão sendo invadidos por pessoas que dizem ser do tráfico, expulsando fiéis e ameaçando pessoas por usarem roupa branca. O presidente da CCIR, Ivanir dos Santos, relatou que a discriminação não é novidade e que vários religiosos de matriz africana passaram por situações parecidas diversas vezes. "Isso não começou hoje, vem desde 2008. Precisávamos conversar neste momento com o Ministério Público para conseguir uma atuação mais concreta. Vamos entre

MP pede prisão do 'irmão Aldo' da Apostólica sob acusação de estupro

Neymar paga por mês R$ 40 mil de dízimo à Igreja Batista

Dinheiro do jogador é administrado por seu pai O jogador Neymar da Silva Santos Júnior (foto), 18, paga por mês R$ 40 mil de dízimo, ou seja, 10% de R$ 400 mil. Essa quantia é a soma de seu salário de R$ 150 mil nos Santos com os patrocínios. O dinheiro do jogador é administrado pelo seu pai e empresário, que lhe dá R$ 5 mil por mês para gastos em geral. O pai do jogador, que também se chama Neymar, lembrou que o primeiro salário do filho foi de R$ 450. Desse total, R$ 45 foram para a Igreja Batista Peniel, de São Vicente, no litoral paulista, que a família frequenta há anos. Neymar, o pai, disse que não deixa muito dinheiro com o filho para impedi-lo de se tornar consumista. “Cinco mil ainda acho muito, porque o Juninho não precisa comprar nada. Ele tem contrato com a Nike, ganha roupas, tudo. Parece um polvo, tem mais de 50 pares de sapatos”, disse o pai a Debora Bergamasco, do Estadão. O pai contou que Neymar teve rápida ascensão salarial e que ele, o filho, nunca d

Ricardo Gondim seus colegas pastores que são 'vigaristas'

Título original: Por que parti por Ricardo Gondim  (foto), pastor Gondim: "Restou-me dizer  chega  por não aguentar mais" Depois dos enxovalhos, decepções e constrangimentos, resolvi partir. Fiz consciente. Redigi um texto em que me despedia do convívio do Movimento Evangélico. Eu já não suportava o arrocho que segmentos impunham sobre mim. Tudo o que eu disse por alguns anos ficou sob suspeita. Eu precisava respirar. Sabedor de que não conseguiria satisfazer as expectativas dos guardiões do templo, pedi licença. Depois de tantos escarros, renunciei. Notei que a instituição que me servia de referencial teológico vinha se transformando no sepulcro caiado descrito pelos Evangelhos. Restou-me dizer chega por não aguentar mais. Eu havia expressado minha exaustão antes. O sistema religioso que me abrigou se esboroava. Notei que ele me levava junto. Falei de fadiga como denúncia. Alguns interpretaram como fraqueza. Se era fraqueza, foi proveitosa, pois despertava

Sociedade está endeusando os homossexuais, afirma Apolinario

por Carlos Apolinário para Folha Não é verdade que a criação do Dia do Orgulho Hétero incentiva a homofobia. Com a aprovação da lei, meu objetivo foi debater o que é direito e o que é privilégio. Muitos discordam do casamento gay e da adoção de crianças por homossexuais, mas lutar por isso é direito dos gays. Porém, ao manterem apenas a Parada Gay na avenida Paulista, estamos diante de um privilégio. Com privilégios desse tipo, a sociedade caminha para o endeusamento dos homossexuais. Parece exagero, mas é disso que se trata quando a militância gay tenta aprovar no Congresso o projeto de lei nº 122, que ameaça a liberdade de imprensa. Se essa lei for aprovada, caso um jornal entreviste alguém que fale contra o casamento gay, poderá ser processado. Os líderes do movimento gay querem colocar o homossexualismo acima do bem e do mal. E mais: se colocam como vítimas de tudo. Dá até a impressão de que, em todas as ruas do Brasil, tem alguém querendo matar um gay. Dizem que a cada

Estudante expulsa acusa escola adventista de homofobia

Arianne disse ter pedido outra com chance, mas a escola negou com atualização Arianne Pacheco Rodrigues (foto), 19, está acusando o Instituto Adventista Brasil Central — uma escola interna em Planalmira (GO) — de tê-la expulsada em novembro de 2010 por motivo homofóbico. Marilda Pacheco, a mãe da estudante, está processando a escola com o pedido de indenização de R$ 50 mil por danos morais. A primeira audiência na Justiça ocorreu na semana passada. A jovem contou que a punição foi decidida por uma comissão disciplinar que analisou a troca de cartas entre ela e outra garota, sua namorada na época. Na ata da reunião da comissão consta que a causa da expulsão das duas alunas foi “postura homossexual reincidente”. O pastor  Weslei Zukowski (na foto abaixo), diretor da escola, negou ter havido homofobia e disse que a expulsão ocorreu em consequência de “intimidade sexual” (contato físico), o que, disse, é expressamente proibido pelo regulamento do estabelecimento. Consel

Milagrento Valdemiro Santiago radicaliza na exploração da fé

'O que se pode plantar no meio de tanto veneno deste blog?'

de um leitor a propósito de Por que o todo poderoso Deus ficou cansado após seis dias de trabalho?   Bem, sou de Deus e fiquei pensativo se escrevia  algo aqui porque o que se nota é um desespero angustiado na alma de alguns cheios de certezas envenenadas, com muita ironia, muita ironia mesmo. Paulo foi o maior perseguidor do evangelho e se tornou o maior sofredor da causa cristã. Os judeus são o povo escolhido, mas Deus cegou seu entendimento para que a salvação se estendesse aos gentios. Isso mostra que quando Deus decide Se revelar a alguém, Ele o faz, seja ou não ateu. Todo esse rebuliço e vozes de revolta, insatisfação, desdém em que podem afetá-Lo? Quanto a esse blog, "o que se pode plantar no meio de tanto veneno?" Tudo aqui parece gerar mais discórdia. Se vocês não têm fé e não acreditam Nele, por que a ideia de Deus lhe perturbam tanto e alguns (não todos) passam a perseguir quem expressa uma fé, principalmente a cristã? Por que tanto desamor e