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Experimento descobre que a energia escura evolui e está se diluindo

O universo pode ser comparado a um mar de energia escura cheio de ilhas de matéria e em cada uma dela há um farol


Ruth Lazkoz

professor de Física Teórica, Universidade do País Basco / Universidade do País Basco

David Figueruelo Hernán
pesquisador de Pós-Doutorado em Cosmologia, Universidade de Salamanca

The Conversation
plataforma de informação e análise produzida por acadêmicos e jornalistas

Cada nova grande experiência para compreender o universo é como um capítulo de um romance muito longo. A peça mais recente disponibilizada ao público foi realizada pela colaboração DESI [Dark Energy Spectroscopic Instrument ou, em português, Instrumento Espectroscópico de Energia Escura], a maior experiência desde que a humanidade investigou o cosmos.

O telescópio  fica a uma altitude de 2.195 metros nas montanhas de Santa Catalina, a cerca de 88 km a sudoeste de Tucson, no Observatório Nacional Kitt Peak, no Arizona,  Estados Unidos.

Com o DESI, conseguimos mapear um grande número de galáxias e quasares no universo, proporcionando uma visão sem precedentes da sua distribuição e estrutura.

 Agora, temos um mapa da distribuição da matéria nos últimos 11 bilhões de anos. Nada mal, considerando que o universo inteiro tem pouco menos de 14 bilhões de anos.


Com o DESI, os cientistas
elaboraram o melhor mapa
tridimensional do universo,
com 1% de incerteza

Vamos imaginar o universo como um mar cheio de ilhas de matéria. Cada ilha tem um farol, as galáxias. Não vemos toda a terra de cada ilha, mas sabemos que onde houver um farol, haverá uma ilha. Essas ilhas são um pouco particulares porque se movem, cada uma a uma velocidade diferente tanto em direção como em quantidade. A partir dessas velocidades podemos saber a que distância cada galáxia está de nós. É algo como saber se uma ambulância está se aproximando ou se afastando pela forma como ouvimos sua sirene.

Como qualquer boa história, ela fica mais interessante à medida que avança. Graças ao mapa que o DESI nos forneceu, neste momento o nosso conhecimento sobre a evolução do universo tem uma incerteza que não ultrapassa 1%.

Mudanças, tudo muda

Entre as abundantes informações do DESI, a descoberta mais importante é que a energia escura parece subscrever uma canção antiga, aquela com um verso que dizia “mude, tudo muda”.

E, durante décadas, pensamos que a melhor descrição possível da energia escura era uma constante cosmológica. Nesse modelo, a densidade desse ingrediente da sopa cósmica permaneceu inalterada, quase como uma fotografia. Porém, mesmo que seja constante, a repulsão gravitacional exercida por esse tipo de energia escura faz com que o universo acelere constantemente.

O que estamos vendo pode não ser uma fotografia, mas um filme lento e emocionante. É bem possível que, como num bom romance de Agatha Christie, haja uma reviravolta final inesperada e que venha das mãos da energia escura.

Continuando com a analogia literária, O DESI é o Hercule Poirot deste romance.

Mapeando nossa ignorância

Um dos cenários mais populares para explicar a evolução do universo tem como parâmetro a velocidade com que ele se expande e um modelo matemático muito simples. Tomamos o valor atual (a que velocidade o universo mais jovem se move) e por outro lado o valor da velocidade observada no universo primitivo. Desenhamos uma linha que une o valor atual e o valor mais antigo que podemos ter. O DESI foi responsável por ver a inclinação da linha. 

Para fazer isso, os pesquisadores o reconstroem com seus dados. Por vezes há áreas que são inacessíveis a essa experiência específica e recorrem aos valores de outros projetos. Noutras ocasiões, há um deserto de dados e temos de recorrer ao preenchimento da lacuna com engenhosidade matemática. De alguma forma, estamos mapeando nossa ignorância.

As galáxias cuja física foi observada pelo DESI com altíssima precisão permitem limitar cada vez mais esta incerteza.

A energia escura é diluída

O resultado dos dados analisados ​​pelo DESI permite interpretar que a energia escura do universo está a ser diluída. Embora se dilua — sim, muito lentamente — continua a dominar tudo. Enquanto isso, o universo continua e continuará a se expandir rapidamente.

Mas o DESI mostra algo novo: nas primeiras fases do universo não era esse o caso. Naquele período, a matéria, como agora, era um ator secundário, e a energia escura nem sequer estava listada no grande mercado cósmico. Nesse início entre princípios, o protagonismo correspondia aos fótons que hoje formam a radiação cósmica de fundo.

Segundo o DESI, durante essa fase a densidade da energia escura aumentou gradualmente, reivindicando o seu papel relevante.

Podemos aprender algo com essa mudança de tendência. Se o comportamento atual da energia escura difere muito do primitivo, é porque... ocorreu uma evolução! A reviravolta final foi descoberta pelo nosso Hercule Poirot, DESI!

A agitação entre os físicos

Essas descobertas desencadearam uma atividade frenética. Muitos pesquisadores se lançaram para refutar ou apoiar os resultados. Por um lado, a física envolvida é tremendamente complexa. Por outro, o tratamento estatístico dos dados deve ser impecável. Muitos de nós começamos a procurar nos cantos por pistas sobre algo que não se encaixa perfeitamente. 

Alguns cosmólogos tornam-se o personagem fofoqueiro do romance, que fornece informações ao principal responsável pela pesquisa.

A próxima questão a ser resolvida pelo nosso detetive cósmico pode ser formulada assim: por que a energia escura se comportou de maneira diferente em dois períodos do universo?

O DESI tem muita pesquisa pela frente. Pelo menos até 2026 continuará a observar.

Quem sabe que mais mistérios surgirão? E quem sabe se também resolverá alguns dos mistérios cosmológicos que já temos em mãos?

Tudo muda

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