Pular para o conteúdo principal

Doentes mentais são elegíveis à morte assistida? A resposta não é fácil, mas o Canadá já decidiu

A questão está sendo discutida por médicos de todo o mundo e especialistas em éticas médicas


Maria Kulp 
professora associada de filosofia, Universidade Gonzaga, EUA 

The Conversationl
plataforma de informação produzida por acadêmicos e jornalistas

Em Imagine que você convive com uma doença há anos. O sofrimento que essa doença causou é devastador — tanto que você deseja morrer. Você não se sente mais a pessoa que era antes. Você já consultou especialistas, tentou os melhores tratamentos, mas nada funciona.

Maria Kulp

Essa é a realidade de muitas pessoas, e não apenas devido a distúrbios físicos e doenças. A doença mental crônica pode ser igualmente devastadora. 


O Canadá começou a dar assistência médica em caso de morte para pessoas com doenças mentais — expandindo um programa já disponível para pacientes com doenças físicas terminais ou crônicas. Em 2022, mais de 13 mil pessoas morreram no Canadá com assistência médica, segundo um relatório do governo.

Em fevereiro, porém, o governo anunciou um adiamento de três anos para o controverso programa, dizendo que o sistema de saúde precisa de mais tempo para se preparar.

Quando for promulgada em março de 2027, a nova disposição tornará o Canadá um dos poucos países, como Holanda e Suíça, que permite a morte assistida para doentes mentais. Apenas uma minoria de estados dos EUA, como o Maine e o Oregon, permite qualquer tipo para esse procedimento, embora muitos outros o tenham debatido — e nenhum o permite para doenças mentais.

Poucos países decidiram
sobre a dimensão da
autonomia do doente mental
FOTO: REDE SOCIAL

Os críticos dizem que existem salvaguardas inadequadas e uma escassez de cobertura de cuidados de saúde para questões psiquiátricas e psicológicas, o que poderia levar as pessoas a verem a morte assistida como a sua única alternativa. Eles também apontam para a dificuldade de prever se a doença mental de alguém acabará melhorando ou não.

Ativistas afirmam que  a maid (assistência médica ao morrer (na tradução da sigla do inglês para o português), é moralmente necessário. Mas mesmo as pessoas que não se opõem à nova disposição do Canadá estão preocupadas se o sistema está pronto.

Como filósofo especializado em ética do fim da vida e morte assistida por médico, pesquiso uma distinção que está no centro deste debate. Há uma diferença subtil mas crucial entre ser suicida de forma aguda — uma experiência que pode passar — e, após longa reflexão, desejar a morte face ao sofrimento.

Meu corpo, minha decisão?

Muitas pessoas se opõem à morte assistida — muitas vezes chamada de morte assistida por médico — sob quaisquer circunstâncias, incluindo doenças físicas terminais. Alguns acreditam que isso viola a santidade da vida humana.

Outros têm receio de pedir aos médicos, que normalmente se preocupam com a preservação da vida humana, que participem no seu fim. Por outras palavras, enfatizam a não maleficência, a obrigação de não causar danos — um dos princípios fundamentais da ética médica.

Muitos proponentes, por outro lado, baseiam os seus argumentos em dois outros princípios fundamentais: beneficência — a obrigação de beneficiar o paciente — e autonomia. Os argumentos de autonomia geralmente assumem que um governo só tem justificativa para restringir a liberdade dos cidadãos se o exercício dessa liberdade puder causar danos a outras pessoas.


Os defensores da morte assistida por médico enfatizam que acabar com a própria vida não prejudica outras pessoas, sugerindo que o governo não tem nada a ver com restringir as escolhas do paciente. A legalização garante que os cidadãos tomem as suas próprias decisões sobre um dos momentos mais pessoais e carregados de valores da vida.

Na opinião dos especialistas em ética médica, para uma pessoa ser considerada autônoma, deve ser capaz de agir intencionalmente e com compreensão das potenciais consequências das suas ações. Além disso, uma pessoa autônoma está razoavelmente livre de influências indevidas — tais como a pressão de membros da família ou considerações financeiras que restrinjam as suas escolhas.

Quando se trata de doença física, os especialistas em ética que argumentam que a morte assistida por médico é moralmente permissível veem os pacientes como atores livres que exercem a sua autonomia se cumprirem vários critérios: têm doenças terminais e crônicas, trabalharam com profissionais médicos ao longo do tempo e estabeleceram um desejo imutável de acabar com seu sofrimento.

Questões espinhosas

As experiências de doença mental, contudo, levantam sérias questões sobre a autonomia dos pacientes.

As doenças mentais muitas vezes limitam a capacidade de uma pessoa governar a sua própria vida livre dos efeitos da sua doença. Por exemplo, um paciente com transtorno bipolar 1 (doente cujos sintomas inclui a desconexão da realidade) não é totalmente autônomo durante um episódio maníaco.

Isso não é verdade para todas as doenças mentais, ou em todos os momentos. Uma pessoa com transtorno bipolar 1 bem tratado terá períodos em que seus sintomas estarão sob controle. Na verdade, é nestes períodos de lucidez que alguns pacientes bipolares decidem que a sua própria morte seria preferível ao sofrimento que suportam.

Além disso, os proponentes da extensão da morte assistida por médico às doenças mentais acreditam que o processo de aprovação pode proteger as pessoas que o solicitam quando têm tendências suicidas agudas ou que ainda não receberam tratamento adequado.


No sistema proposto pelo Canadá, uma pessoa com doença mental que solicite a medida deve ter sido informada de todas as opções razoáveis ​​de tratamento. Eles também devem demonstrar um desejo sustentado de receber o procedimento, inclusive aguardando 90 dias após a solicitação. Finalmente, o paciente deve ter dois médicos que certifiquem que seu sofrimento é “grave e irremediável” de qualquer forma que o paciente considere aceitável.

Uma questão fundamental na preparação do sistema de saúde do Canadá é se os prestadores receberam formação suficiente para diferenciar alguém que é gravemente suicida de alguém que está em estado de espírito para tomar esta decisão cuidadosamente.

Se alguém estiver experimentando um desejo agudo de morrer, o que pode ser um sintoma de sua doença, a maioria dos especialistas em ética consideraria a morte assistida moralmente inadmissível. Se, no entanto, uma pessoa com doença mental passou anos sofrendo, esgotou o tratamento razoável e manteve o desejo de morrer por algum tempo, alguns especialistas em ética acreditam que a maid apropriada.

> Esse artigo foi publicado originalmente em inglês. A Universidade Gonzaga se apresenta como "uma jesuíta, católica e humanística.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Ateu usa coador de macarrão como chapéu 'religioso' em foto oficial

Fundamentalismo de Feliciano é ‘opinião pessoal’, diz jornalista

Sheherazade não disse quais seriam as 'opiniões não pessoais' do deputado Rachel Sheherazade (foto), apresentadora do telejornal SBT Brasil, destacou na quarta-feira (20) que as afirmações de Marco Feliciano tidas como homofóbicas e racistas são apenas “opiniões pessoais”, o que pareceu ser, da parte da jornalista,  uma tentativa de atenuar o fundamentalismo cristão do pastor e deputado. Ficou subentendido, no comentário, que Feliciano tem também “opiniões não pessoais”, e seriam essas, e não aquelas, que valem quando o deputado preside a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Se assim for, Sheherazade deveria ter citado algumas das opiniões “não pessoais” do pastor-deputado, porque ninguém as conhece e seria interessante saber o que esse “outro” Feliciano pensa, por exemplo, do casamento gay. Em referência às críticas que Feliciano vem recebendo, ela disse que “não se pode confundir o pastor com o parlamentar”. A jornalista deveria mandar esse recado...

PMs de Cristo combatem violência com oração e jejum

Violência se agrava em SP, e os PMs evangélicos oram Houve um recrudescimento da violência na Grande São Paulo. Os homicídios cresceram e em menos de 24 horas, de anteontem para ontem, ocorreram pelo menos 20 assassinatos (incluindo o de policiais), o triplo da média diária de seis mortes por violência. Um grupo de PMs acredita que pode ajudar a combater a violência pedindo a intercessão divina. A Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, que é mais conhecida como PMs de Cristo, iniciou no dia 25 de outubro uma campanha de “52 dias de oração e jejum pela polícia e pela paz na cidade”, conforme diz o site da entidade. “Essa é a nossa nobre e divina missão. Vamos avante!” Um representante do comando da corporação participou do lançamento da campanha. Com o objetivo de dar assistência espiritual aos policiais, a associação PMs de Cristo foi fundada em 1992 sob a inspiração de Neemias, o personagem bíblico que teria sido o responsável por uma mobili...

Wyllys vai processar Feliciano por difamação em vídeo

Wyllys afirmou que pastor faz 'campanha nojenta' contra ele O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), na foto, vai dar entrada na Justiça a uma representação criminal contra o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) por causa de um vídeo com ataques aos defensores dos homossexuais.  O vídeo “Marco Feliciano Renuncia” de oito minutos (ver abaixo) foi postado na segunda-feira (18) por um assessor de Feliciano e rapidamente se espalhou pela rede social por dar a entender que o deputado tinha saído da presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Mas a “renúncia” do pastor, no caso, diz o vídeo em referência aos protestos contra o deputado, é à “privacidade” e às “noites de paz e sono tranquilo”, para cuidar dos direitos humanos. O vídeo termina com o pastor com cara de choro, colocando-se como vítima. Feliciano admitiu que o responsável pelo vídeo é um assessor seu, mas acrescentou que desconhecia o conteúdo. Wyllys afirmou que o vídeo faz parte de uma...

Embrião tem alma, dizem antiabortistas. Mas existe alma?

por Hélio Schwartsman para Folha  Se a alma existe, ela se instala  logo após a fecundação? Depois do festival de hipocrisia que foi a última campanha presidencial, com os principais candidatos se esforçando para posar de coroinhas, é quase um bálsamo ver uma autoridade pública assumindo claramente posição pró-aborto, como o fez a nova ministra das Mulheres, Eleonora Menicucci. E, como ela própria defende que a questão seja debatida, dou hoje minha modesta contribuição. O argumento central dos antiabortistas é o de que a vida tem início na concepção e deve desde então ser protegida. Para essa posição tornar-se coerente, é necessário introduzir um dogma de fé: o homem é composto de corpo e alma. E a Igreja Católica inclina-se a afirmar que esta é instilada no novo ser no momento da concepção. Sem isso, a vida humana não seria diferente da de um animal e o instante da fusão dos gametas não teria nada de especial. O problema é que ninguém jamais demonstrou que ...

Defensores do Estado laico são ‘intolerantes’, diz apresentadora

Evangélico quebrou centro espírita para desafiar o diabo

"Peguei aquelas imagens e comei a quebrar" O evangélico Afonso Henrique Alves , 25, da Igreja Geração Jesus Cristo, postou vídeo [ver abaixo] no Youtube no qual diz que depredou um centro espírita em junho do ano passado para desafiar o diabo. “Eu peguei todas aquelas imagens e comecei a quebrar...” [foto acima] Na sexta (19), ele foi preso por intolerância religiosa e por apologia do ódio. “Ele é um criminoso que usa a internet para obter discípulos”, disse a delegada Helen Sardenberg, depois de prendê-lo ao término de um culto no Morro do Pinto, na Zona Portuária do Rio. Também foi preso o pastor Tupirani da Hora Lores, 43. Foi a primeira prisão no país por causa de intolerância religiosa, segundo a delegada. Como 'discípulo da verdade', Alves afirma no vídeo coisas como: centro espírito é lugar de invocação do diabo, todo pai de santo é homossexual, a imprensa e a polícia estão a serviço do demônio, na Rede Globo existe um monte de macumbeiros, etc. A...

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Apoio de âncora a Feliciano constrange jornalistas do SBT

Opiniões da jornalista são rejeitadas pelos seus colegas O apoio velado que a âncora Rachel Sheherazade (foto) manifestou ao pastor-deputado Marco Feliciano (PSC-SP)  deixou jornalistas e funcionários do "SBT Brasil" constrangidos. O clima na redação do telejornal é de “indignação”, segundo a Folha de S.Paulo. Na semana passada, Sheherazade minimizou a importância das afirmações tidas como homofóbicas e racistas de Feliciano, embora ele seja o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, dizendo tratar-se apenas de “opinião pessoal”. A Folha informou que os funcionários do telejornal estariam elaborando um abaixo assinado intitulado “Rachel não nos representa” para ser encaminhado à direção da emissora. Marcelo Parada, diretor de jornalismo do SBT, afirmou não saber nada sobre o abaixo assinado e acrescentou que os âncoras têm liberdade para manifestar sua opinião. Apesar da rejeição de seus colegas, Sheherazade se sente segura no cargo porque ela cont...