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Vítimas de Rupnik: 'Anos de silêncio da Igreja. Agora queremos justiça e verdade'

Mulheres falam que decidiram falar devido ao “muro de borracha” levantada pelo Vaticano para impedir a repercussão do caso


Federica Tourn
jornalista

Domani
jornal italiano

“Fiquei em silêncio por tempo demais e hoje peço verdade, transparência e justiça pelas religiosas que sofreram violência”, disse Gloria Branciani durante a entrevista coletiva convocada em 21 de fevereiro em Roma por Anne Barrett Doyle, codiretora da BishopAccountability.org, para denunciar os encobrimentos do caso de Dom Marko Rupnik, o ex-jesuíta e artista acusado de abusos por pelo menos vinte religiosas.

As palavras de Gloria Branciani, que, em dezembro de 2022, foi a primeira a denunciar a Domani as violências sexuais, psicológicas e de consciência causadas por Rupnik na década de 1990, quando era freira da Comunidade Loyola, ressoaram particularmente graves cinco anos após a cúpula no Vaticano, promovida pelo Papa Francisco justamente para dar um basta aos abusos clericais e aos encobrimentos por parte dos bispos.

Aquele encontro solene sobre a proteção dos menores, que se realizou de 21 a 24 de fevereiro de 2019 e foi definido como um divisor de águas histórico na defesa das crianças e das pessoas vulneráveis na Igreja, de acordo com a BishopAccountability.org, a associação estadunidense que desde 2033 luta contra os abusos na Igreja Católica, revelou-se nos fatos um fracasso retumbante.

“Decidimos falar para nos opormos ao muro de borracha que as autoridades eclesiásticas levantaram todos esses anos”, explicou Mirjam Kovač, que na década de 1990 era a secretária da superiora da Comunidade Loyola Ivanka Hosta e que dois anos atrás escreveu uma carta aberta às autoridades eclesiásticas para apoiar o pedido de justiça de Gloria Branciani.

As acusações

“Não posso aceitar que nos ambientes próximos de Rupnik sejamos definidas como mulherzinhas enfeitiçadas por ele: o nosso, não é um desejo de vingança, mas a necessidade de reconhecimento público do mal que sofremos”, acrescentou Branciani, relembrando os abusos sofridos. 

“Rupnik entrou na minha psique, fez pressão sobre a minha personalidade e as minhas emoções na tentativa de mudar profundamente a minha identidade, incluindo o meu projeto vocacional. Todas as minhas dúvidas eram consideradas como uma parte frágil que precisava ser integrada, um desvio do carisma. Se eu não concordava com os seus pedidos sexuais, dizia que era por causa ao meu empobrecimento espiritual; manipulava-me continuamente para me tornar obediente, mansa, infantil: à sua disposição”.

“O caso de Rupnik lembra aquele do ex-cardeal Theodore McCarrick”, afirmou Barrett Doyle – as autoridades da igreja estavam cientes dos seus crimes pelo menos desde a década de 1990, mas não intervieram, aliás, o protegeram, ignorando o sofrimento das vítimas”. 

A co-presidente da BishopAccountability.org, entrevistada por Domani, falou de gestão irresponsável por parte da Igreja: “Não estamos falando de uma atitude no todo brilhante com algumas incoerências aqui e ali, mas de um modelo contínuo de apoio a molestadores conhecidos e com acusações credíveis”.

“Não é que o papa seja impedido pelos membros da cúria de aplicar as normas sobre a proteção das vítimas, ou que às vezes tenha o coração fraco — acrescentou Barrett Doyle — acredito que seja contra a reforma. É por isso que as mudanças que ele implementou após a cúpula revelaram-se completamente inadequadas e não tiveram nenhum impacto perceptível”.

“Quando o Papa Francisco fala com raiva sobre um problema, não se trata do estupro de crianças e adultos vulneráveis por sacerdotes. Não, se preocupa com o mal da fofoca – disse ainda Barrett Doyle – Acho que considera as vítimas como prejudiciais, porque do seu ponto de vista fomentam as fofocas”.
Ações legais

Laura Sgrò, que tratou de vários casos conhecidos, primeiro entre todos o desaparecimento de Emaunela Orlandi, agora assumiu a defesa das duas ex-religiosas. Durante a coletiva de imprensa, exortou outras vítimas a denunciar, não à Igreja, mas às autoridades do Estado. 

Sobre o processo canônico que terá que ser reaberto contra Rupnik por acusações de abuso que datam da década de 1990, que em 2022 haviam sido julgadas prescritas pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, Sgrò ressaltou que pretende solicitar o acesso ao processo. 

Gloria Branciani e Mirjam Kovač nos últimos meses já foram contatadas pelo Dicastério, mas preferiram não se apresentar sem um advogado. O jogo está aberto e não está excluído um pedido de indenização.

“Se a Igreja tem alguma esperança de se reformar, esta vem exclusivamente das pressões externas”, afirmou Anne Barrett Doyle. Isso já pode ser observado em alguns países, onde o clero não pode mais contar com o sigilo da confissão para se recusar a denunciar os abusos às entidades competentes. 

“Acho que no final, a Santa Sé será obrigada a renovar o direito canônico de forma radical – concluiu Barrett Doyle — Até lá, os escândalos continuarão e, pior ainda, as agressões sexuais, destruindo vidas inocentes”.

Rupnik foi expulso da Companhia de Jesus em julho passado por violação do voto de obediência aos seus superiores e posteriormente incardinado na diocese de Koper, na Eslovênia.

O Centro Aletti, do qual foi fundador, continua funcionando sob a direção de Maria Campatelli, recebida em audiência pelo Papa no último 15 de setembro. Nesse interim, os mosaicos “marca Rupnik” do atelier artístico do Centro nunca deixaram de ser produzidos e vendidos em todo o mundo.

> Com tradução de Luisa Rabolini para o IHU Online.


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