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E se a realidade não existe? E se ela for um delírio humano? Cientistas examinam a questão

Entre outros pensadores, livro cita o filósofo David Hume, para quem é impossível saber se a realidade objetiva existe ou não


Antonio Ruiz de Elvira Serra
catedrático de física aplicada, Universidade de Alcalá, Espanha

The Conversation
plataforma de informação e análise produzida por acadêmicos e jornalistas

Inventamos a realidade? É apenas fruto do cérebro humano?

Existe uma corrente, baseada na física quântica, que insiste em afastar a realidade da realidade. A proposta é esta: se uma árvore morrer, para dar um exemplo, ela estará morta não importa quem a observe, e podemos ter provas empíricas de que assim é. Porém, quando entramos no território da física quântica, a realidade não é tão sólida.

A realidade objetiva
é construída por um
conjunto de mentes?
FOTO: SHUTTERSTOCK / TRAVELWILD

Um antigo teste mental chamado “Amigo de Wigner”, do físico e ganhador do Nobel Eugene Wigner, descreveu um experimento mental em que dois observadores podem vivenciar realidades diferentes. No entanto, mesmo a física quântica não é tão estranha como é vendida.

Um livro recente, The Rigor of Angels, do acadêmico e crítico literário americano William Egginton, explora a natureza da realidade, ou melhor, a irrealidade que filósofos, físicos e literatos. Mais especificamente, um filósofo (Kant), um físico (Heisenberg) e um autor de ficção (Borges).

Criar

O ser humano pode falar, projetar, construir, pintar, fazer música, pois em seu cérebro consegue combinar imagens gravadas nos circuitos neurais com novas imagens. Chamamos isso de criação.

Todos podemos imaginar homens voando batendo os braços. Ou, como fizeram os gregos, minotauros, pégasos, centauros e outras alucinações mentais que os humanos antes acreditavam serem reais.

Mas existe alguma maneira de discernir entre o que é real e o que o cérebro constrói? Existe alguma maneira de provar que não vivemos num mundo que nós mesmos criamos em nossas mentes?

O vôo de Lindbergh e a física quântica

The Rigor of Angels começa contando a aventura de Lindbergh, o primeiro voo solo sem escalas entre Nova York e Paris, em 1927. E ele a compara ao salto de um elétron de um nível de energia para outro quando o elétron faz parte de um átomo.

Lindbergh também fez voos para a Bélgica e Grã-Bretanha no Spirit antes de retornar aos Estados Unidos. Uma multidão o recebeu no sul de Londres em 29 de maio de 1927. Wikimedia commons , CC BY

O livro inclui a proposta do físico teórico alemão Werner Karl Heisenberg em que descreve como o elétron está em um nível, recebe uma quantidade de energia e aparece em outro nível, mas, no intervalo do salto, deixou de existir. 

Na comparação de Heisenberg, é como se o piloto Charles Lindbergh tivesse deixado de existir ao sair de Nova York, voltando à vida quando foi observado em solo na França.

Relata Heisenberg, em una carta ao físico austríaco Wolfgang Ernst Pauli:

“A trajetória de uma partícula só surge quando a observamos.”

Mas o autor do livro esquece de mencionar, como muitos dos que então trabalharam em física de partículas, que o observador não é apenas aquele que está no destino: quem detecta ou observa as entidades, os objetos, não está sozinho no destino.

Os elétrons são entidades com carga elétrica, portanto qualquer outra carga elétrica no universo os detecta, os observa constantemente, os “sente” a todo momento, até mesmo no momento do salto.

Quanto ao piloto Lindbergh, ele foi detectado por ondas, correntes de ar, aves marinhas, enfim, todo tipo de outras entidades do universo, observadores no momento do trânsito.

Centauros de Kant

Para o filósofo David Hume, a questão de saber se a realidade objetiva existe ou não é insolúvel. Hume afirma que não só não sabemos o que são as coisas, como nem sabemos se elas existem, e que o que o cérebro supõe ser real é outra alucinação como a dos centauros.

Immanuel Kant tentou resolvê-lo recorrendo à arquitetura do cérebro humano. Ocorre a Kant pensar que o espaço e o tempo são construções mentais semelhantes aos centauros e pégasos, irreais.

Essa semelhança é altamente duvidosa. Se uma vez que abrimos os olhos vemos uma pintura na parede, e a vemos tantas vezes quantas abrimos os olhos, e ela é vista por uma multidão de outras pessoas com quem não nos comunicamos durante a visão, a única possibilidade é que na parede tem uma certa pintura.

Traduzimos as correntes nervosas, as unidades de impulsos, os “bits” em representações de algo real. A realidade não é criada no cérebro, ela existe independentemente dos seres humanos e deriva das constantes interações entre entidades, os objetos da natureza.

Dar forma a um universo

O problema de o cérebro de um humano inventar um mundo inteiro, com milhares de milhões de estrelas e um número ainda maior de bactérias, é que existem oito bilhões seres humanos que compreendem o que esse ser humano inventou. Embora para o neurocientista britânico Anil Seth a realidade seja uma alucinação controlada.

Já se passou quase um século desde que Poincaré, Heisenberg e Gödel perceberam que a ciência não pode explicar tudo. Mas se usarmos o princípio da navalha de Ockham, ou seja, a solução mais simples é a correta, o mais simples é aceitar que a realidade existe fora de nós, e que cada um dos oito bilhões de humanos recebe sensações em nossos sentidos e processamos mais ou menos a mesma coisa em nossos cérebros, e esse “mesmo” tem todos os sinais de ser real.

Kant, Heisenberg e até Borges focaram na individualidade, na sensação de uma pessoa, de um único átomo, de uma biblioteca gigantesca que só recebeu uma pessoa. Mas a realidade está na interação constante entre múltiplas individualidades.

O erro comum é idealizar o ser humano, e acreditar que algo tão pequeno como ele é capaz de criar um universo tão gigantesco como este em que vivemos... ou sonhamos?

> Com informação do liveo The Rigor of Angels e outras fontes.

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