Pular para o conteúdo principal

Análise de ambientes retrata a mega diversidade de insetos do Brasil

Existem 90 mil espécies catalogadas, mas estima-se que haja muito mais nas terras brasileiras, é o maior grupo do reino animal


CAMILLA ALMEIDA
jornalista

Jornal USP

O Brasil é um dos 17 países considerados megadiversos pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Dentre toda a abundância da biodiversidade brasileira, é possível destacar milhares espécies de insetos – o grupo mais rico em diversidade biológica do reino animal. 

Estima-se que 90 mil espécies já foram catalogadas em solo brasileiro, o que representa quase 9% do total já registrado no mundo. 

Embora esse número seja expressivo, ainda existem muitas descobertas a serem feitas, tanto no campo taxonômico (que identifica, nomeia e classifica os seres vivos) quanto sobre sua distribuição e interações ecológicas. 

Em vista disso, um estudo feito por cientistas do Serviço de Entomologia do Museu de Zoologia (MZ) da USP explorou a diversidade de insetos que vivem em montanhas, como o Pico da Neblina, mais especificamente em ambientes madícolos (superfícies rochosas cobertas por películas de água).

Os pesquisadores buscavam testar a hipótese da variabilidade climática, já verificada em ecossistemas localizados no Hemisfério Norte, mas nunca aplicada no Brasil. 

Inseto em superfície
rochosa húmida:
Corydalus sp., Megaloptera


De acordo com a teoria, insetos que vivem em montanhas em regiões temperadas, ou seja, distantes da linha do Equador, apresentam uma ampla faixa de distribuição altitudinal, devido a sua considerável tolerância termal. Tolerância esta resultante da elevada variação climática à qual estão submetidas as espécies nessas regiões.

Em contraponto, acredita-se que em regiões tropicais, a distribuição está limitada a curtas faixas de altitudes, uma vez que as alterações de temperatura e outros fatores climáticos ao longo do gradiente de altitude representam efetivas barreiras para o seu estabelecimento – isto é, as espécies teriam uma amplitude de distribuição mais curta por conta de sua baixa tolerância às variações climáticas.

Durante o processo de pesquisa, uma expedição ao Pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil, localizado no Estado do Amazonas, foi orquestrada pelos cientistas para coleta de dados ecológicos.

Para realizar uma comparação e testar a hipótese de fato, áreas montanhosas de Mata Atlântica também foram analisadas. As expedições foram realizadas entre os anos de 2018 e 2022.

“Nós esperávamos encontrar, seguindo a hipótese, que as espécies da Mata Atlântica teriam uma faixa de distribuição maior ao longo dos gradientes altitudinais e, portanto, que elas ocupariam áreas mais extensas do que aquelas encontradas na região da Amazônia, situada em latitude zero”, explica Erika Shimabukuro, pós-doutora pelo MZ-USP. 

Entretanto, a pesquisa revelou uma curta faixa de distribuição das espécies em ambas as localidades, com uma diferença grande entre as comunidades de insetos observadas nas montanhas.

“Contudo, mesmo com a notável diversidade biológica verificada entre as comunidades na Mata Atlântica, nós observamos que ela estava menos correlacionada com os fatores ambientais, diferente do que ocorria na Amazônia”, afirma Shimabukuro. 

Dessa forma, foi possível confirmar a hipótese da variabilidade climática, constatando que toda essa mudança de espécies que ocorre ao longo do gradiente altitudinal é muito mais intensa na região dos trópicos, pelo fato de as alterações nos fatores ambientais ao longo das altitudes serem mais “sentidas” por essas espécies.

De acordo com a pesquisadora, a elevada disparidade vista na Mata Atlântica possivelmente está relacionada aos vários eventos históricos – geológicos e climáticos – que ocorreram na região e que contribuíram para moldar a biodiversidade nessas montanhas.

Eventos climáticos extremos

Os resultados obtidos apontam que as comunidades de insetos estudadas na floresta amazônica possuem maior sensibilidade a alterações ambientais, como a temperatura – o que desperta preocupação em relação à biodiversidade em meio ao processo de aquecimento global. 

O Brasil vem cada vez mais sendo impactado por eventos climáticos extremos. Exemplo disso é a onda de calor acentuado que assolou o país em setembro de 2023, e deixou nove estados em alerta vermelho, “de intensidade excepcional”, de acordo com a classificação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Entre eles, Pará e Tocantins, Estados que são ocupados pelo bioma amazônico.

O desmatamento e a degradação da Amazônia e da Mata Atlântica também despertam a apreensão dos especialistas, com a destruição do habitat natural dos insetos. 

De acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, foi registrado um desflorestamento de 20.075 hectares (ha) no bioma entre outubro de 2021 e outubro de 2022 – o equivalente a mais de 20 mil campos de futebol. Na Amazônia, 1.057.300 ha foram destruídos em 2022, o equivalente a 3 mil campos, segundo levantamentos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Em meio a essas preocupações, Carlos Lamas, professor e curador da coleção de insetos de ordem Diptera do MZ-USP, reitera a fundamentalidade da realização de pesquisas e expedições que possibilitem a ampliação de conhecimentos sobre a biodiversidade brasileira. 

“O monitoramento dessas informações é uma atividade importante não apenas para conhecermos a diversidade de espécies, mas também para sabermos, por exemplo, o quanto o aquecimento global e as alterações ambientais estão interferindo na fauna no decorrer do tempo", afirma o pesquisador

"Ter esse material como testemunho depositado nas coleções científicas do museu possibilita a realização de estudos comparativos com outros períodos da história.”

O Museu de Zoologia da USP abriga uma coleção de 12 milhões de exemplares preservados, além de informações relacionadas à biologia evolutiva, paleontologia, ecologia e biologia molecular de milhares de espécies. Esses recursos desempenham um papel fundamental no processo de monitoramento ambiental.

Desafios

Shimabukuro aponta que as formações montanhosas detêm uma grande diversidade de insetos inexplorada pelos desafios de acessar e planejar expedições a tais localidades – principalmente aquelas com maior altitude e mais isoladas geograficamente. 

“O Pico da Neblina foi, com certeza, o lugar mais desafiador em que já fui, tanto em termos burocráticos, já que levamos quase um ano para conseguir todas as autorizações, quanto físicos”, conta a pesquisadora. 

A expedição ao pico também possibilitou a descrição de novas espécies e até o registro um novo gênero de inseto para o Brasil – que acreditava-se ser encontrado apenas na região Andina e na Patagônia.

“Foram descritas nesse meio tempo mais de 20 espécies novas encontradas neste tipo de ambiente. Esse número ainda é uma quantidade ínfima comparado ao que ainda pode ser documentado.”

Os resultados do estudo foram publicados no artigo Mountain passes are higher at low latitudes for madicolous insect communities of the Neotropical region, disponível na revista Diversity and Distributions.

> Mais informações: e-mail erika.msh@gmail.com, com Erika Shimabukuro; e-mail einicker@usp.br, com Carlos Lamas

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

Vicente e Soraya falam do peso que é ter o nome Abdelmassih

Limpem a boca para falar do Drauzio Varella, cristãos hipócritas!

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Promotor nega ter se apaixonado por Suzane, mas foi suspenso

Gonçalves, hoje com 45 anos, e Suzane quando foi presa, 23 No dia 15 de janeiro de 2007, o promotor Eliseu José Berardo Gonçalves (foto), 45, em seu gabinete no Ministério Público em Ribeirão Preto e ao som de músicas românticas de João Gilberto, disse a Suzane Louise Freifrau von Richthofen (foto), 27, estar apaixonado por ela. Essa é a versão dela. Condenada a 38 anos de prisão pela morte de seus pais em outubro de 2002, a moça foi levada até lá para relatar supostas ameaças de detentas do presídio da cidade. Depois daquele encontro com o promotor, ela contou para uma juíza ter sido cortejadar.  Gonçalves, que é casado, negou com veemência: “Não me apaixonei por ela”. Aparentemente, Gonçalves não conseguiu convencer sequer o Ministério Público, porque foi suspenso 22 dias de suas atividades por “conduta inadequada” e por também por ter dispensado uma testemunha importante em outro caso. Ele não receberá o salário correspondente a esse período. O Fantástico de ontem apre...

Prefeito de São Paulo veta a lei que criou o Dia do Orgulho Heterossexual

Kassab inicialmente disse que lei não era homofóbica

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Em vídeo, Malafaia pede voto para Serra e critica Universal e Lula

Malafaia disse que Lula está fazendo papel de "cabo eleitoral ridículo" A seis dias das eleições, o pastor Silas Malafaia (foto), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, gravou um vídeo de 8 minutos [ver abaixo] pedindo votos para o candidato à prefeitura de São Paulo José Serra (PSDB) e criticou a Igreja Universal e o ex-presidente José Inácio Lula da Silva. Malafaia começou criticando o preconceito que, segundo ele, existe contra pastor que emite opinião sobre política, o mesmo não ocorrendo com outros cidadãos, como operários, sindicalistas, médicos e filósofos. O que não pode, afirmou, é a Igreja, como instituição, se posicionar politicamente. “A Igreja é de Jesus.” Ele falou que tinha de se manifestar agora porque quem for para o segundo turno, se José Serra ou se Fernando Haddad, é quase certeza que será eleito, porque Celso Russomanno está caindo nas pesquisas por causa do apoio que tem recebido da Igreja Universal. Afirmou que apoia Serra na expectativa de...

Orkut tem viciados em profiles de gente morta

Uma das comunidades do Orkut que mais desperta interesse é a PGM ( Profile de Gente Morta). Neste momento em que escrevo, ela está com mais de 49 mil participantes e uma infinidade de tópicos. Cada tópico contém o endereço do profile (perfil) no Orkut de uma pessoa morta e, se possível, o motivo da morte. Apesar do elevado número de participantes, os mais ativos não passam de uma centena, como, aliás, ocorre com a maior parte das grandes comunidades do Orkut. Há uma turma que abastece a PGM de informações a partir de notícias do jornal. E há quem registre na comunidade a morte de parentes, amigos e conhecidos. Exemplo de um tópico: "[de] Giovanna † Moisés † Assassinato Ano passado fizemos faculdade juntos, e hoje ao ler o jornal descubri (sic) que ele foi assassinado pois tentou reagir ao assalto na loja em que era gerente. Tinha 22 anos...” Seguem os endereços do profile do Moisés e da namorada dele. Quando o tópico não tem o motivo da morte, há sempre alguém que ...

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Eleição de Haddad significará vitória contra religião, diz Chaui

Marilena Chaui criticou o apoio de Malafaia a Serra A seis dias das eleições do segundo turno, a filósofa e professora Marilena Chaui (foto), da USP, disse ontem (23) que a eleição em São Paulo do petista Fernando Haddad representará a vitória da “política contra a religião”. Na pesquisa mais recente do Datafolha sobre intenção de votos, divulgada no dia 19, Haddad estava com 49% contra 32% do tucano José Serra. Ao participar de um encontro de professores pró-Haddad, Chaui afirmou que o poder vem da política, e não da “escolha divina” de governantes. Ela criticou o apoio do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus do Rio, a Serra. Malafaia tem feito campanha para o tucano pelo fato de o Haddad, quando esteve no Ministério da Educação, foi o mentor do frustrado programa escolar de combate à homofobia, o chamado kit gay. Na campanha do primeiro turno, Haddad criticou a intromissão de pastores na política-partidária, mas agora ele tem procurado obter o apoio dos religi...