Pular para o conteúdo principal

Crescimento dos evangélicos é tão rápido que o Censo no consegue acompanhar

Realizado a cada dez anos, pesquisa registra com atraso o número de brasileiros que seguem os diversos ramos do evangelismo


DIEGO VIANA | jornalista
Revista Pesquisa FAPESP

A principal fonte de informações sobre a afiliação religiosa da população brasileira é o Censo Demográfico, realizado a cada 10 anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para sociólogos e outros pesquisadores da religião, esse intervalo é longo demais.

 A população evangélica no Brasil passou a crescer em ritmo acelerado desde a década de 1960, deixando os dados do Censo rapidamente defasados.

“Fala-se muito que a população evangélica está aumentando no país, mas não sabemos exatamente de que forma isso vem acontecendo nem onde esse crescimento começou, por exemplo”, afirma o cientista político brasileiro Victor Araújo, da Universidade de Reading, no Reino Unido. 

“O Censo é uma fotografia e não temos dados dinâmicos do que acontece entre as edições da pesquisa do IBGE.”

Se na década de 1960 mais de 90% dos brasileiros se declaravam católicos, até 2040 o evangelicalismo, em suas diversas denominações, deverá ser o maior grupo religioso do país. O fenômeno que o Brasil atravessa é conhecido como “transição religiosa”. 

Em parte da Europa isso aconteceu de forma estendida durante as guerras religiosas dos séculos XVI e XVII, mas aqui, de acordo com Araújo, o processo poderá ser mais breve e levar menos de 100 anos.

Para identificar como as igrejas evangélicas se distribuem no território nacional, Araújo recorreu a outra fonte de informação: utilizou dados da Receita Federal, disponíveis on-line. Como há mais de 152 mil estabelecimentos religiosos inscritos no país, o cientista político desenvolveu um algoritmo na linguagem de programação R, com código aberto, que pode ser acessado por pesquisadores e demais interessados no tema.

O método permitiu detectar e classificar os templos registrados na Receita Federal de acordo com as categorias empregadas nos censos do IBGE. São elas: as missionárias, mais antigas, como a Batista, a Presbiteriana e a Metodista; as pentecostais, cuja doutrina contém elementos ausentes das missionárias, como a crença em milagres, e incluem Assembleia de Deus, Congregação Cristã do Brasil e Deus é Amor; e as neopentecostais, fenômeno surgido no fim da década de 1970 no Brasil, que enfatiza a teologia da prosperidade e inclui igrejas como Universal do Reino de Deus, Sara Nossa Terra e Renascer em Cristo. Há ainda as igrejas de “classificação não determinada”.

Os resultados foram publicados na nota técnica “Surgimento, trajetória e expansão das igrejas evangélicas no território brasileiro ao longo do último século (1920-2019)”, divulgada pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM), da Universidade de São Paulo (USP), ao qual Araújo está associado no Brasil. 

O CEM é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP. “O levantamento traz um dado adicional para nós, pesquisadores desse campo, porque o Censo Demográfico do IBGE nada diz a respeito da criação de templos”, afirma o sociólogo Ricardo Mariano, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP).

Graças ao recurso digital, o pesquisador mapeou a história da transição religiosa no país entre 1920 e 2019. Araújo assinala que a legislação sobre igrejas foi alterada diversas vezes, mas o registro mais antigo ainda ativo na Receita Federal é de 1922. Trata-se de uma igreja de denominação batista em Nova Iguaçu (RJ). 

Como escreve na nota técnica, isso não significa que essa seja a primeira igreja evangélica inaugurada no Brasil. Registros históricos indicam, por exemplo, a existência de uma congregação da Assembleia de Deus fundada em 1911 em Belém (PA).

No Brasil, as organizações religiosas são obrigadas a ter o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) desde 2002, como estabelece o artigo 44 do Código Civil. A exigência também é prevista na Lei n° 10.825/2003. 

“A legislação institui que as igrejas são pessoas jurídicas de direito privado. Portanto, necessitam ter inscrição na Receita Federal e, por consequência, o CNPJ para, por exemplo, abrir conta bancária e contratar funcionários”, informa Armando Rovai, presidente da Comissão Especial de Advocacia Empresarial da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP). O CNPJ foi criado em 1998. Antes havia o Cadastro Geral de Contribuintes (CGC), instituído em 1964.

Rápida ascensão dos evangélicos a partir dos anos 90


Na avaliação de Araújo, a transição religiosa é “um dos fenômenos demográficos mais importantes do Brasil contemporâneo”. O processo se acelerou principalmente a partir da década de 1960, acompanhando a urbanização e a industrialização do país. 

“Quando as pessoas se mudavam para as novas periferias das cidades, ainda não havia ali paróquias católicas. Quem chegou primeiro nessas localidades foram os evangélicos porque podiam abrir templos sem precisar recorrer ao Vaticano, como era o caso dos católicos”, relata o pesquisador, autor do livro A religião distrai os pobres?: O voto econômico de joelhos para a moral e os bons costumes (Edições 70, 2022).

Até hoje, as regiões que mais se urbanizaram são os maiores bastiões do evangelismo brasileiro. Dentre as unidades da federação, Espírito Santo e Rio de Janeiro concentram o maior número de igrejas evangélicas – mais de 80 templos por 100 mil habitantes, em ambos os casos. Ou seja, nessas localidades existe uma igreja evangélica para cada 1.250 moradores, revela o levantamento. Já o Nordeste continua sendo amplamente católico, embora os evangélicos predominem nas regiões metropolitanas das capitais.

Para o antropólogo Ronaldo de Almeida, coordenador do Laboratório de Antropologia da Religião da Universidade Estadual de Campinas (LAR-Unicamp), o mapeamento dos templos realizado por Araújo corrobora pontos que os estudos da religião vêm buscando mostrar nesses últimos anos. Um deles é a aceleração do crescimento do evangelismo na década de 1980, quando o Censo começou a sinalizar com maior acuidade a presença dessa população no país.

Outro ponto é a expansão territorial dessas igrejas detectada no Censo 2000. “É possível perceber o crescimento de igrejas evangélicas em áreas de imigração recente”, acrescenta Almeida, que também é pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). 

“As regiões Norte e Centro-Oeste, fronteiras da expansão agrícola nas últimas décadas, receberam muitos agricultores do sul do país, onde a presença protestante é historicamente forte.” 

As primeiras igrejas a se instalarem, junto com os migrantes, eram de orientação missionária. Na última década, porém, igrejas pentecostais e neopentecostais avançaram mais rapidamente.

É o caso de Rondônia. De acordo com o mapeamento, no ranking dos estados com maior número de igrejas evangélicas, Rondônia ocupava o antepenúltimo lugar em 1970. Entretanto, a partir do ano 2000 passou a figurar entre os cinco primeiros colocados. Em 2019, abrigava 60 templos por 100 mil habitantes e era um dos estados brasileiros mais próximos de completar a transição religiosa, ao lado de Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo.

A contagem dos templos não expressa com precisão a quantidade desses fiéis no Brasil. Afinal, uma capela e uma catedral têm um único registro no CNPJ, mas comportam públicos incomensuráveis. 

“Como em todo estudo, há limitações. É difícil captar a expansão dos evangélicos no último século no país, mas o registro dos templos é uma variável complementar que contribui para enxergar o que ocorreu no Brasil ao longo desse recorte temporal”, afirma Almeida.

Além disso, muitas igrejas operam clandestinamente, sem CNPJ: um líder religioso pode, por exemplo, realizar cultos na sala ou garagem de sua casa. “Muitas pequenas congregações não se sentem na obrigação de se formalizarem. A subnotificação é grande”, observa Mariano. 

Também não constam do levantamento igrejas que foram abertas no período analisado, mas que, por algum motivo, já não estavam ativas em 2019. É possível, ainda, que indivíduos registrem CNPJ de igrejas com finalidade não religiosa, mas esses casos não são identificáveis nos dados do Fisco, como alerta Araújo.

Ainda assim, os dados relativos aos anos em que houve Censo, como 2000 e 2010, estão alinhados aos números divulgados pelo IBGE. “Para os anos não censitários, quando não é possível fazer a comparação, é provável que a classificação também esteja próxima do que seria se os dados fossem coletados todo ano”, diz Araújo.

Segundo o cientista político, a disponibilização da ferramenta para outros pesquisadores é um dos objetivos de seu estudo. 

“Qualquer pessoa com um conhecimento intermediário de programação e um computador com capacidade padrão de processamento pode replicar os procedimentos”, afirma Araújo. 

O pesquisador pretende atualizar as informações contidas no estudo à medida que novos dados forem disponibilizados no site da Receita Federal, bem como comparar os resultados com os números que serão divulgados pelo Censo de 2022.

> E
sse texto foi publicado originalmente com o título Registros na Receita Federal ajudam a mapear expansão evangélica no país.

• Evangélicos serão maioria? Talvez não. Crentes sem religião crescem

• Evangélicos vão engolir o Brasil em poucos anos, afirma Pondé

• Haveria 74% a menos de templos evangélicos se eles pagassem impostos

Comentários

Robert Saint disse…
É apenas uma transição religiosa, uma vez que o total de religiosos e os católicos vem diminuindo gradativamente. Há uma série de fatores a ponderar: escândalos sexuais no clero, maior esclarecimento científico reduzindo a crença em superstições e promessas de graças à quem paga bem. Ainda não sei o que é pior: quem cobra pra oferecer graças ou quem paga pra obter. Enfim, vivemos um mundo com muito atraso ainda, países que exploram as crendices humanas, políticos que se aproveitam delas, e assim vai ser até o fim dos tempos. É da natureza humana criar deuses pra explicar o que não se consegue entender. O universo é indecifrável e merece que criemos um Deus pra explica-logo.
K disse…
Robert Saint,
Não sei se será assim "até ao fim dos tempos". Nos últimos anos, tem-se observado um contraste marcante entre o crescimento das igrejas evangélicas em países pobres e o aumento do ateísmo nos países ricos do norte da Europa.

A mensagem de prosperidade é um dos pilares das igrejas evangélicas (principalmente pentecostais) e tem atraído um público significativo nos países pobres. A promessa de superar dificuldades económicas e alcançar uma vida melhor tem um apelo especial em contextos onde as carências materiais são prevalentes. Além disso, as igrejas evangélicas muitas vezes fornecem uma comunidade forte e um senso de pertencimento, o que pode ser particularmente atraente para aqueles que se sentem marginalizados pela sociedade.

Enquanto isso, nos países ricos do norte da Europa, tradicionalmente protestantes, observa-se um aumento no ateísmo e na secularização. A riqueza e o desenvolvimento económico nesses países têm sido acompanhados por mudanças nas perspectivas religiosas. À medida que as necessidades materiais são mais atendidas e as sociedades se tornam mais igualitárias, a busca por respostas espirituais diminuiu.

Portanto, tenho dúvidas relativamente à continuidade da crença humana em narrativas fictícias.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

Vicente e Soraya falam do peso que é ter o nome Abdelmassih

Limpem a boca para falar do Drauzio Varella, cristãos hipócritas!

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Promotor nega ter se apaixonado por Suzane, mas foi suspenso

Gonçalves, hoje com 45 anos, e Suzane quando foi presa, 23 No dia 15 de janeiro de 2007, o promotor Eliseu José Berardo Gonçalves (foto), 45, em seu gabinete no Ministério Público em Ribeirão Preto e ao som de músicas românticas de João Gilberto, disse a Suzane Louise Freifrau von Richthofen (foto), 27, estar apaixonado por ela. Essa é a versão dela. Condenada a 38 anos de prisão pela morte de seus pais em outubro de 2002, a moça foi levada até lá para relatar supostas ameaças de detentas do presídio da cidade. Depois daquele encontro com o promotor, ela contou para uma juíza ter sido cortejadar.  Gonçalves, que é casado, negou com veemência: “Não me apaixonei por ela”. Aparentemente, Gonçalves não conseguiu convencer sequer o Ministério Público, porque foi suspenso 22 dias de suas atividades por “conduta inadequada” e por também por ter dispensado uma testemunha importante em outro caso. Ele não receberá o salário correspondente a esse período. O Fantástico de ontem apre...

Prefeito de São Paulo veta a lei que criou o Dia do Orgulho Heterossexual

Kassab inicialmente disse que lei não era homofóbica

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Em vídeo, Malafaia pede voto para Serra e critica Universal e Lula

Malafaia disse que Lula está fazendo papel de "cabo eleitoral ridículo" A seis dias das eleições, o pastor Silas Malafaia (foto), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, gravou um vídeo de 8 minutos [ver abaixo] pedindo votos para o candidato à prefeitura de São Paulo José Serra (PSDB) e criticou a Igreja Universal e o ex-presidente José Inácio Lula da Silva. Malafaia começou criticando o preconceito que, segundo ele, existe contra pastor que emite opinião sobre política, o mesmo não ocorrendo com outros cidadãos, como operários, sindicalistas, médicos e filósofos. O que não pode, afirmou, é a Igreja, como instituição, se posicionar politicamente. “A Igreja é de Jesus.” Ele falou que tinha de se manifestar agora porque quem for para o segundo turno, se José Serra ou se Fernando Haddad, é quase certeza que será eleito, porque Celso Russomanno está caindo nas pesquisas por causa do apoio que tem recebido da Igreja Universal. Afirmou que apoia Serra na expectativa de...

Orkut tem viciados em profiles de gente morta

Uma das comunidades do Orkut que mais desperta interesse é a PGM ( Profile de Gente Morta). Neste momento em que escrevo, ela está com mais de 49 mil participantes e uma infinidade de tópicos. Cada tópico contém o endereço do profile (perfil) no Orkut de uma pessoa morta e, se possível, o motivo da morte. Apesar do elevado número de participantes, os mais ativos não passam de uma centena, como, aliás, ocorre com a maior parte das grandes comunidades do Orkut. Há uma turma que abastece a PGM de informações a partir de notícias do jornal. E há quem registre na comunidade a morte de parentes, amigos e conhecidos. Exemplo de um tópico: "[de] Giovanna † Moisés † Assassinato Ano passado fizemos faculdade juntos, e hoje ao ler o jornal descubri (sic) que ele foi assassinado pois tentou reagir ao assalto na loja em que era gerente. Tinha 22 anos...” Seguem os endereços do profile do Moisés e da namorada dele. Quando o tópico não tem o motivo da morte, há sempre alguém que ...

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Eleição de Haddad significará vitória contra religião, diz Chaui

Marilena Chaui criticou o apoio de Malafaia a Serra A seis dias das eleições do segundo turno, a filósofa e professora Marilena Chaui (foto), da USP, disse ontem (23) que a eleição em São Paulo do petista Fernando Haddad representará a vitória da “política contra a religião”. Na pesquisa mais recente do Datafolha sobre intenção de votos, divulgada no dia 19, Haddad estava com 49% contra 32% do tucano José Serra. Ao participar de um encontro de professores pró-Haddad, Chaui afirmou que o poder vem da política, e não da “escolha divina” de governantes. Ela criticou o apoio do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus do Rio, a Serra. Malafaia tem feito campanha para o tucano pelo fato de o Haddad, quando esteve no Ministério da Educação, foi o mentor do frustrado programa escolar de combate à homofobia, o chamado kit gay. Na campanha do primeiro turno, Haddad criticou a intromissão de pastores na política-partidária, mas agora ele tem procurado obter o apoio dos religi...