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Inteligência artificial ajuda a monitorar os botos da Amazônia

Pesquisadores estão instalando na região módulos de um sistema que grava som e imagem, enviando-os diariamente para um laboratório


MARIA GUIMARÃES
jornalista

Pesquisa FAPESP

Os botos saltam para fora d’água, fazem estardalhaço. Mas, quando não estão brincando, não é fácil observar seu comportamento. “Fazemos busca ativa”, explica a bióloga espanhola Marina Gaona, pesquisadora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), no Amazonas. Isso significa passar horas – quatro na parte da manhã, três à tarde, desde que as condições climáticas não impeçam – dentro de uma lancha procurando grupos de botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e tucuxis. 

Ao encontrar os animais, os pesquisadores fazem anotações sobre a composição dos grupos e suas atividades, e mergulham na água hidrofones que registram os sons subaquáticos em frequências diferentes: só detectada pelos botos e perceptível aos ouvidos humanos.

Não é uma tarefa fácil de executar. Gaona foi parar na Amazônia em resposta a um anúncio para passar nove meses morando na reserva Mamirauá seguindo botos todos os dias, como parte do projeto da bióloga Vera da Silva, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Se envolveu tanto que acabou fazendo mestrado, encerrado em 2018, no âmbito do mesmo projeto. 

A estratégia funciona em uma reserva de pesquisa. Mas como monitorar os animais na amplitude das várzeas e dos rios amazônicos? São custos enormes e inviáveis em termos de tempo, transporte, alimentação e combustível para as voadeiras, barcos comuns na região. E alguns lugares são inacessíveis para os pesquisadores.

É pensando nisso que o biólogo francês Michel André, do Laboratório de Bioacústica Aplicada da Universidade Politécnica da Catalunha, em Barcelona, propõe o monitoramento automatizado com inteligência artificial, em artigo publicado nesta sexta-feira (28/7) na revista científica Scientific Reports. 

O comportamento dos
botos já é conhecido,
mas é preciso rastreá-los

O estudo é parte do trabalho de doutorado da bióloga francesa Florence Erbs, que usa o boto-cor-de-rosa como espécie sentinela para estudar hábitats aquáticos amazônicos e desenvolver ferramentas para monitorar ambientes tropicais de água doce por meio das paisagens acústicas. 

A partir de uma parceria com o ecólogo Emiliano Ramalho, diretor técnico-científico do IDSM, o grupo de Barcelona está instalando, em vários pontos da Amazônia, equipamentos chamados de módulos Providence, capazes de gravar sons, imagens e enviar os dados diariamente para os pesquisadores no laboratório. 

O sistema contém um software de inteligência artificial capaz de identificar os sons e as imagens, economizando muitas horas de trabalho dos pesquisadores. “O projeto já instalou 23 módulos na Amazônia, e todos os dias eles enviam índices de biodiversidade”, diz Gaona.

A bióloga conheceu André em 2015, na reserva Mamirauá, e participou do estudo com botos na coleta de dados para conhecer e contextualizar os sons emitidos pelos tagarelas mamíferos aquáticos, que vocalizam para se comunicar, se orientar no espaço, caçar e demarcar território. 

“Usando redes neurais, podemos ensinar o som que queremos ao software para que o algoritmo passe a reconhecê-lo automaticamente”, explica ela. 

A busca ativa é essencial para esse treinamento do sistema, e a partir daí a estratégia reduz drasticamente a necessidade de estar no campo, o que torna os custos menores e a coleta de dados mais eficaz.

“Estamos treinando o sistema para outros animais, como insetos, para fazer um monitoramento mais abrangente da biodiversidade”, conta Gaona. É um desafio estudar os peixes amazônicos, porque as águas são turvas e os pesquisadores dificilmente conseguem enxergar os animais para associar o som à espécie e ao contexto.

O comportamento dos botos já é conhecido: durante a cheia dos rios, as águas invadem a floresta de várzea e criam um ambiente intrincado em que peixes se escondem em meio à vegetação submersa.

Os botos vão atrás, especialmente os botos-cor-de-rosa: as fêmeas com filhotes permanecem nas várzeas enquanto for possível. Esses animais têm características anatômicas que lhes dão muita flexibilidade e se dão bem mesmo quando a profundidade é apenas de 1,5 metro. “Eles nadam para frente, para trás, são muito ‘manobráveis’”, relata a espanhola.

Essa dinâmica é conhecida na reserva Mamirauá, mas a necessidade de monitoramento na Amazônia como um todo é crucial, principalmente para essas espécies que estão entre as consideradas em perigo de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). 

“Existe um problema muito sério por eles serem caçados para uso como isca para pesca de piracatinga, um peixe que come as carcaças desses animais”, conta a bióloga Renata Sousa-Lima, coordenadora do Laboratório de Bioacústica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que não participou do estudo. É grave, ela explica, porque os botos são predadores de topo muito importantes na cadeia alimentar desses rios.

Para Sousa-Lima, o monitoramento remoto traz a vantagem de gerar uma quantidade enorme de dados, sem que a presença humana altere o comportamento dos animais observados. 

“Mas nunca será supérfluo ir a campo, porque a observação permite um ganho de informação enorme”, explica. “Além disso, a natureza é dinâmica e não podemos presumir que o contexto de emissão dos sons não se altere.”

As fêmeas permanecem
nas várzeas com
seus filhotes

O banco sonoro de seu laboratório encontra o desafio de armazenar o gigantesco volume de dados. “Temos gravações em frequência ultrassônica que ocupam muito espaço, precisamos constantemente pleitear mais capacidade computacional de armazenamento e análise de dados”, conta.

Ela defende, ainda, que o monitoramento constante da biodiversidade seja prioridade do governo. “Prevemos um uso crescente de recursos naturais, e por isso é essencial minimizar os danos causados por nossas ações.” 

Tecnologias para fazer isso remotamente são essenciais, assim como satélites já registram o que pode ser visto de longe. “É empolgante viver nesse momento em que a eco e a bioacústica estão proeminentes”, celebra Sousa-Lima.

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