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Enterro ecológico ajuda a dar um significado à finitude, diz psicóloga

A preocupação com a sustentabilidade está colocando em discussão as alternativas de sepultamento ecológicos, embora haja resistência por religiosos


JULIA VALERI
jornalista
Jornal da USP

Quando o assunto é morte, muita gente segue a tradição de velar e enterrar seus entes queridos, mas há quem pense em alternativas para o próprio enterro. As formas ecologicamente corretas de se despedir dos mortos estão cada vez mais populares, à medida que as pessoas buscam maneiras mais conscientes e humanizadas de lidar com a situação.

Os enterros sustentáveis, alternativos e inovadores têm ganhado destaque nos últimos anos, trazendo à tona novas práticas como a compostagem humana, a liquefação do corpo e a utilização de roupas de cogumelos.

Em sociedade religiosa,
há resistência ao enterro
sustentável

Camila Capato, psicóloga especializada em luto, aponta que falar sobre a morte pode gerar sensações difíceis de lidar, como a falta de controle. Segundo ela, o luto e a morte têm seu próprio tempo e vivência singular e não há espaço para certo ou errado, apenas para o que faz sentido.

“Assim, as formas inovadoras de enterros, com o enfoque na compostagem humana, por exemplo, podem emergir como uma possibilidade, sendo uma nova maneira de se despedir de quem se ama, ou de pensar na própria finitude na busca por algum tipo de significação”, afirma a especialista.

A psicóloga clínica Maria Baldassari complementa que, após cerca de 30 dias do processo de compostagem humana, os restos ficam disponíveis para que os familiares possam despejá-los em plantas e solos, reforçando o processo de ressignificação. 

“Essa prática pode ser refletida como uma nova forma de trazer vida às cinzas, como plantar uma árvore ou flor, trazendo novamente a restauração. Essa é também uma forma de pensar no futuro, já que há uma preocupação com a preservação dos recursos naturais e com a sustentabilidade”, observa Maria.

Gabriela Haleplian, psicóloga no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, diz que, em um país com base conservadora e influência muito forte da religiosidade, esses novos métodos de despedida podem trazer novas reflexões, destacando a importância desses processos alternativos e inovadores de enterros na aceitação do luto e da morte. 

“No entanto, ainda é um assunto muito polêmico e pouco discutido culturalmente e é necessário notar que a compostagem humana deve ser feita de acordo com as normas de segurança e saúde de cada país. Até o momento, pouco se sabe sobre a existência de projeto de lei para legalizá-la no Brasil”, comenta Gabriela.

Condições legais

Nos últimos anos, a preocupação com o meio ambiente tem se intensificado. Desde a Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, muitos avanços foram feitos em termos de políticas e preocupações ambientais. “Então, é natural que nessas últimas décadas uma série de situações, que talvez não fossem sequer cogitadas, uma hora passassem a ser, como o destino dos nossos corpos”, afirma o professor Rubens Beçak da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP. 

“Hoje, a preocupação em colaborar com as gerações futuras e com a preservação da natureza e das espécies tem se tornado cada vez mais importante. É nesse contexto que se destaca a discussão sobre as formas de sepultamento e enterro”, complementa.

O professor afirma que existem dois tipos de sepultamento no Brasil. O tradicional e a incineração. O sepultamento tradicional é o enterro dos corpos em caixões de madeira. Ele conta com uma série de regras para a preservação da saúde pública e do meio ambiente, como a proteção dos lençóis freáticos contra a contaminação. “Mas essas legislações nem sempre são seguidas e a poluição do solo, os desmatamentos das áreas para a construção de cemitérios e a liberação do CO2 são inevitáveis. A incineração, embora menos prejudicial, ainda é extremamente poluente”, relata Beçak.

Assim, embora ainda não haja legislação específica sobre o assunto no Brasil, é evidente que há uma demanda crescente por outras formas de enterro. “É possível que, em breve, as normas dos municípios brasileiros sejam atualizadas para atender a essa demanda, uma vez que a questão tem se mostrado relevante”.

O professor ainda comenta que a legislação perante a problemática dos enterros é uma questão municipal, e não estadual, e que uma vez verificados os documentos para que os sepultamentos sustentáveis não atrapalhem a saúde pública, questões de saneamento e quesitos éticos, a normativa municipal pode implementar esses enterros.

Tipos de enterros sustentáveis

Liquefação

A liquefação é o processo que consiste na quebra de moléculas do corpo em água alcalina aquecida, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa em aproximadamente 35%. Os tecidos se dissolvem, os ossos são removidos e moídos e o líquido que sobra da pessoa é despejado no sistema de esgoto municipal. O líquido descartável não é prejudicial ao meio ambiente, afirmam os bioquímicos.

Roupas de cogumelos

Já as roupas fúnebres revestidas de fungos especiais limpam as toxinas do corpo e ajudam na decomposição humana. Essas vestimentas são bordadas à mão e recebem esporos de cogumelos, que limpam naturalmente as toxinas humanas quando enterrados, reduzindo a poluição dos solos.

Cápsulas biodegradáveis

Outra opção é o enterro em cápsulas biodegradáveis. Essas cápsulas são feitas de materiais orgânicos, como amido de batata, e são projetadas para se decompor junto com o corpo após o enterro. Além de ser uma opção sustentável, essa alternativa permite que as cápsulas sejam personalizadas e decoradas de acordo com as preferências do falecido ou de sua família.

Bolas de recife

Os enterros em bolas de recife são uma técnica que consiste na mistura de concreto com cinzas humanas para a formação de bolas perfuradas, que são instaladas em ecossistemas marinhos para a restauração de corais. O método promete a reconstrução de ambientes aquáticos degradados, a partir da criação de novos recifes que podem abrigar diversas espécies marinhas.

Compostagem humana

A compostagem humana tem menos impacto ambiental do que os enterros tradicionais ou a cremação, pois emite menos gases como o CO2, que colaboram para o efeito estufa. Além disso, ao enterrar um ente querido, o solo pode emitir elementos químicos benéficos para a planta, assim como a compostagem vegetal. Em 2022, Nova York foi o sexto Estado americano a legalizar a compostagem humana como uma manifestação de enterro.

> Ilustração: Sincep/Facebook

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