Pular para o conteúdo principal

Conselho tutelar tentou impedir aborto em jovem estuprada pelo pai

Adolescente de 17 anos sofreu abusos pelo pai e teve o procedimento autorizado pela Justiça; conselho defendeu que gravidez fosse mantida e criança destinada à adoção; laudo aponta que jovem tem “déficit intelectual e cognitivo”

MARIAMA CORREIA
PAULA BIANCHI
jornalistas
Agência Pública

O Conselho Tutelar do município de Igarapé-Miri, no Pará, tentou impedir o aborto legal de uma menina de 17 anos, vítima de violência sexual. Conselheiros enviaram um pedido formal ao Ministério Público do município para reconsiderar a ordem judicial de interrupção da gestação, “para que a adolescente leve mais adiante a gravidez, até completar cerca de 7 ou 8 meses, para que o serviço de saúde realize a cesária e destine a criança recém-nascida para adoção.”

O documento, obtido com exclusividade pela Agência Pública, foi enviado ao MP em 11 de março. Ele é assinado pelos conselheiros Elienai Silva Quaresma e Ana Alice da S. Santiago e por outras duas pessoas, cujas assinaturas estão ilegíveis. Elienai faz apresentações como cantor e palestrante em igrejas evangélicas.

Conforme os documentos anexados ao processo que autorizou o procedimento, a menina teria sido abusada pelo próprio pai, pelo padrasto e por vizinhos. Um laudo psiquiátrico da secretaria de Saúde do município informa que ela tem “déficit intelectual e cognitivo” e “não apresenta condições de expressar sua vontade”.

Em 20 de janeiro, o Ministério Público do Pará encaminhou uma petição à Justiça para autorizar o aborto legal. Na época, a adolescente estava com 18 semanas de gestação. O juiz Arnaldo José Pedrosa Gomes emitiu a decisão autorizando o procedimento, “em caráter de urgência”, em 8 de março de 2023.

Mesmo diante da ordem judicial, o Hospital Santa Casa do Pará negou o atendimento. Um documento assinado por representantes da unidade de saúde, no dia 13 de março, justificou a negativa com base na idade gestacional, que a essa altura já era de 27 semanas.

“A princípio, a Santa Casa disse que não teria a técnica necessária para fazer o procedimento nessa altura da gravidez. Nesses casos, o hospital precisa encaminhar a paciente para o serviço de referência, mas o encaminhamento não foi feito”, explica o promotor do Ministério Público do Pará (MPPA) Emerio Mendes da Costa.

Nesta sexta-feira (17), a Santa Casa informou que “a paciente foi submetida à interrupção de gravidez na noite desta quinta-feira (16), e segue internada, recebendo todos os cuidados multiprofissionais que o caso requer. Já a Fundação ParáPaz, oferecerá atendimento integral e interdisciplinar à adolescente e família.”

Documento prova
a interferência do
Conselho Tutelar

A Assessoria de Imprensa da Santa Casa afirmou que não houve negativa da realização do procedimento, “mas sim a solicitação da presença de um responsável, por se tratar de uma menor e com deficiência”.

O documento da Santa Casa, ao qual a reportagem teve acesso, confirma a negativa pela idade gestacional e não menciona solicitação de presença de responsáveis.

A adolescente estava abrigada cautelarmente, desde dezembro do ano passado, por determinação de medida protetiva. O MPPA tentou intimar o pai da menina para depoimento, mas ele não foi encontrado. Além de ser abusada pelo próprio pai, a apuração do MPPA registrou que a menina sofria maus tratos e negligência por parte de outros familiares, como a mãe e a avó materna.

Os documentos obtidos pela reportagem mostram que o conselho tutelar do município onde a adolescente reside, no interior do estado, tinha sido informado sobre os abusos em agosto do ano passado. A adolescente relatou as situações de abuso na escola.

Em setembro, a avó da adolescente chegou a comparecer à escola, mas negou que ela estivesse sendo vítima de violência. Em 21 de dezembro, ela entrou em um espaço de acolhimento e iniciou acompanhamento psicossocial no CREAS.

De acordo com a ginecologista e obstetra Helena Paro, coordenadora do Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual do HCU da Universidade Federal de Uberlândia (MG), a realização do procedimento nesta idade gestacional é mais segura do que um parto. “Temos tecnologia e medicamentos para realizar o aborto com segurança para a menina, mulher ou pessoa gestante”, afirma.

Segundo Paro, em casos como esse, caso não tenha como realizar o procedimento, é obrigação do hospital encaminhar a paciente para um serviço que o realize o mais rápido possível. Hoje apenas entre 6 e 8 hospitais no país realizam o abortamento nessa idade gestacional. Ela defende a necessidade do Ministério da Saúde mapear os serviços que realizam esse tipo de procedimento e a criação um sistema de regulação nacional para que os centros de atendimento não tenham que ficar procurando qual o serviço mais próximo.

A interrupção da gravidez é permitida no Brasil em casos de violência sexual, risco de vida da mulher gestante ou no caso de o feto ser anencéfalo. O Código Penal brasileiro prevê o crime de estupro de vulnerável em casos de pessoas com enfermidades ou deficiência mental, que não tenham discernimento para a prática de ato sexual.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Vicente e Soraya falam do peso que é ter o nome Abdelmassih

Chico Buarque: 'Sou ateu, faz parte do meu tipo sanguíneo'

Escritor ateu relata em livro viagem que fez com o papa Francisco, 'o louco de Deus'

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Ateísmo faz parte há milênios de tradições asiáticas

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

Mulheres tendem a ser mais religiosas que os homens, mas nos EUA geração Z pode mudar isso

Documentário relata abusos sexuais do autor dos mosaicos do Santuário de Aparecida

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...