Pular para o conteúdo principal

Atas secretas mostram plano de Bolsonaro para ocultar dados sobre Covid

Para evitar “pânico”, representantes do governo Bolsonaro sugeriram que dados sobre a letalidade não fossem divulgados; até igrejas foram convocadas para ajudar a divulgar "notícias positivas"

LAURO SCOFIELD
RUBENS VALENTE
ALICE MACIEL
CAIO DE FREITAS PAES
MATHEUS SANTINO
BIANCA MUNIZ
THIAGO DOMENICI
jornalistas | Agência Pública

Enquanto os veículos de imprensa faziam homenagens às vítimas e divulgavam os óbitos pela Covid-19, o Painel de Informações do Governo Federal divulgava apenas o número de pessoas que se recuperaram da doença, uma estratégia de omitir informações sobre a crise sanitária e tentar provar que o governo de Bolsonaro estava se movimentando para combater a disseminação da doença, quando a realidade mostrava o contrário.

A métrica buscava, em vez de conscientizar as pessoas sobre a importância de manter os protocolos sanitários e evitar novas contaminações, enganar a população de que o vírus que matou mais de 693 mil brasileiros era apenas uma “gripezinha”, como já afirmou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Na primeira ata referente à primeira reunião do Centro de Coordenação das Operações do Comitê de Crise da Covid-19 (CCOP), em 17 de março de 2020, “O Ministro Braga Netto ponderou a todos, (sic) que mantenham a calma e não transmitam informações erradas e precipitadas para não causar pânico na população, o único meio de comunicação com a imprensa será o da SECOM”.


A então ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, atualmente senadora da república, também recorreu às igrejas para ajudar na tarefa de falta de transparência. Em resposta a Braga Netto, ela informou que foi criado “um comitê interno utilizando-se das igrejas e comunidades religiosas para acalmar a população”. Segundo ela, as comunidades religiosas, que contam com canais de rádio e TV, “se dispuseram a colaborar com a transmissão das informações por esses meios”.


No mês seguinte, em 6 de abril de 2020, o representante da Secretaria de Governo da Presidência da República (SEGOV/PR), Samy Liberman, pediu que não fossem divulgados dados sobre a “letalidade do coronavírus”. “Como não realizamos testes em toda a população, esse percentual torna-se mais assustador à população, do que realmente é. Sugeriu, então, que fosse retirado o percentual de letalidade do painel, para que essa informação não seja distorcida e cause ainda mais pânico à sociedade”, registrou o documento do CCOP, subordinado à Casa Civil, comandada por Braga Netto.
 

Na mesma reunião, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo general da reserva, Augusto Heleno, propôs que os óbitos por Covid fossem divulgados com a comparação feita em milhões de habitantes. De acordo com o representante do GSI, cujo nome não aparece na ata, esses seriam os dados usados pela comunidade internacional.

A Agência Pública já mostrou, também com base nas atas, que a estratégia de omitir dados negativos e divulgar informações positivas ao governo foi utilizada em outras duas situações. Durante a crise sanitária em Manaus, que matou 2.195 pessoas somente em janeiro de 2021, o Ministério das Comunicações sugeriu que a comunicação deveria se “concentrar no que foi realizado e enviado ao Estado do Amazonas nas últimas 48 horas, para fins de informações à População do Estado e de todo o País”.

A mesma tática se repetiu quando o Executivo se deparou com o aumento do número de casos e mortes entre populações tradicionais indígenas e quilombolas. Em 7 de maio de 2020, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos disse que era “importante melhorar a divulgação das ações realizadas, a exemplo daqueles (sic) direcionadas ao atendimento das populações indígenas”. 

Já em 31 de agosto, o representante do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) advertiu que a ativista climática Greta Thunberg e o Greenpeace fariam uma “manifestação internacional contra o Governo federal com ênfase nas questões Indígenas e Ambiental” e pediu que fossem apresentados “os diversos projetos e realizações feitas nessa questão”.

Também o Ministério das Comunicações parece ter sentido a cobrança e, em uma das reuniões, prestou contas sobre suas ações. No dia 2 de outubro de 2020, apresentou ao grupo os números que mostravam o trabalho investido “na divulgação de todas as realizações do governo”. De acordo com eles, no mês de setembro haviam sido feitos 600 posts nas redes, 02 coletivas de imprensa, 25 materiais no site www.gov.br, 23 comunicados interministeriais e 719 pautas governamentais”.
 

As atas acessadas pela reportagem foram produzidas pela Casa Civil e são a memória escrita das reuniões realizadas pelo CCOP entre março de 2020 e setembro de 2021. As reuniões envolveram representantes de 26 órgãos da Esplanada, incluindo os principais ministérios, agências reguladoras, bancos públicos, a Polícia Federal e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência). 

O CCOP foi criado a partir de um decreto de Bolsonaro logo no início da pandemia, em 24 de março de 2020. Suas reuniões, que ocorreram principalmente na Sala 97 do Palácio do Planalto, eram secretas e nem mesmo a CPI da Covid teve acesso ao material obtido pela reportagem via Lei de Acesso à Informação.

Durante a 5ª Reunião Ordinária do grupo, em 23 de março de 2020, a Casa Civil advertiu que “gravações, fotos, filmagens ou qualquer outro tipo de divulgação do CCOP estão terminantemente proibidas, por questão de ali serem tratados dados sensíveis”. 

Seguindo o próprio conselho, o General Walter Braga Netto, à época chefe da pasta, negou as tentativas de acesso aos documentos pela Pública quando ainda estava no governo. No final de janeiro deste ano, já no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a reportagem obteve o acesso aos documentos.

A imprensa


Os documentos também registram como a imprensa era vista internamente. Alvo de críticas constantes por parte do ex-presidente e seus ministros — Jair Bolsonaro disse em 2018 que quem lia jornais estava “desinformado” —, nas reuniões internas os representantes dos órgãos do Executivo pareciam se importar em estancar as críticas e compartilhar com a mídia informações positivas sobre as ações do governo.

No dia 21 de setembro de 2020, a Subchefia de Articulação e Monitoramento (SAM/CC) apontou que haviam publicado uma nota para informar a imprensa sobre a intenção do governo brasileiro em aderir ao COVAX Facility, iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) que distribuiria vacinas contra a Covid-19 para países subdesenvolvidos. Na época, o governo estava sendo criticado por não se empenhar na compra dos imunizantes. Assim, a orientação da SAM/CC foi para que os outros órgãos fomentassem “a divulgação das informações”, esclarecendo “que essa é mais uma das ações estratégicas do Ministério da Saúde para viabilizar a aquisição de vacinas, dentre as que estão sendo estudadas e disponibilizadas para enfrentamento a COVID-19”, conforme registrou a ata.
 

Em 21 de maio de 2021, quando ainda enfrentava críticas acerca da logística da campanha de vacinação, o Ministério da Saúde (MS) disse que se reuniu com representantes da Prefeitura de Maceió, no Alagoas, e que o município registrou “alta efetividade na distribuição e na aplicação das doses”. “Pode ser um caso de sucesso para divulgar”, completou o ministério.

Também houve um esforço para evitar que “o tiro saia pela culatra” quanto ao auxílio emergencial, nas palavras do representante do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Em 6 de abril de 2020, o GSI informou que estava trabalhando com o Ministério das Comunicações, a Abin e o Departamento de Segurança da Informação para prevenir “possíveis ataques cibernéticos e saques ilegais que possam ocorrer no âmbito do pagamento do Corona Voucher [auxílio emergencial]”.

“A preocupação se faz necessária, tendo em vista ter relatos de que já aconteceu isso com outros países e temos de ter o máximo cuidado e termos respostas à sociedade caso isso venha a ocorrer no Brasil, porque a mídia usará isso contra o governo federal. Portanto, temos que ter agilidade na comunicação, e o engajamento de todo o CCOP nessa demanda/esforço para evitar que ‘o tiro saia pela culatra’”, justificou o GSI.
 
Outro momento em que o governo considerou ser necessário responder às críticas da imprensa institucionalmente foi quando da criação da nota de 200 reais. Na reunião do dia 31 de julho de 2020, o Banco Central do Brasil (BACEN) informou que a nota seria lançada, já que a pandemia teria gerado “uma crise que gera demanda por papel moeda”. 

O BACEN se defendeu das críticas sobre a “possibilidade de lavagem de dinheiro com a possível emissão dessas novas notas”, informando que “estão completamente seguros com a segurança e que isso não acontecerá”.

A assessoria de comunicação da Casa Civil então “requereu ao BACEN que envie um release para que possam amenizar os impactos negativos sobre o tema na mídia e para o Governo federal”.
 
Segundo uma reportagem do UOL de setembro de 2022, só uma a cada quatro cédulas existentes nesse valor circulam atualmente no mercado e a inflação corroeu 19,6% do poder de compra da estampa do lobo-guará, que hoje vale só R$ 161.

Já o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos comemorou quando o lançamento de um aplicativo para denunciar “o abuso contra a mulher” teve “ótima repercussão perante a sociedade e a mídia”; e chamou de “falsas notícias” informações publicadas pela imprensa sobre a “entrega de cestas básicas em regiões de difícil acesso”. “O MMFDH fez uma parceria com a Assembleia de Deus para ajudar ainda mais nessas entregas”, defendeu o representante do ministério.

 
Logo nas primeiras reuniões, a Casa Civil fez questão de afirmar que todo o contato com a imprensa deveria ser centralizado na Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) — o que ajuda a explicar porque os ministérios não respondiam às demandas dos jornalistas, como aconteceu com a Pública na produção do especial coronavírus.

De acordo com as orientações, dadas no dia 20 de março de 2020, tudo que os ministérios fossem publicar deveria passar pela Secom. “SAM vai disponibilizar link onde os ministérios informem o que vai ser comunicado no dia. A SECOM vai processar a partir das 16h, horário limite para envio via link”, explicou a Secretaria de Governo da Presidência da República (SEGOV). “Várias ferramentas serão utilizadas de uma forma mais adequada para uma narrativa mais favorável ao que se está pensando em atingir como público-alvo”, acrescentou o órgão.
 




Essa reportagem foi publicada originalmente pela Agência Pública sob o título Atas secretas revelam plano para ocultar informações da população.

• Quem não adota medidas contra a Covid-19 é sociopata, mostra estudo da UEL

• Cantora gospel incentiva uso de cloroquina: 'Eu tomei'. E morre de Covid

• Após curado de Covid por hospital, pastor R.R. Soares agradece a Jesus



Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Professor obtém imunidade para criticar criacionismo nas aulas

A Corte de Apelação da Califórnia (EUA) decidiu que um professor de uma escola pública de Mission Viejo tem imunidade para depreciar o criacionismo, não podendo, portanto, ser punido por isso. A cidade fica no Condado de Orange e tem cerca de 94 mil habitantes. Durante uma aula, o professor de história James Corbett, da Capistrano Valley High School, afirmou que o criacionismo não pode ser provado cientificamente porque se trata de uma “bobagem supersticiosa”. Um aluno foi à Justiça alegando que Corbett ofendeu a sua religião, desrespeitando, assim, a liberdade de crença garantida pela Primeira Emenda da Constituição. Ele perdeu a causa em primeira instância e recorreu a um tribunal superior. Por unanimidade, os três juízes da Corte de Apelação sentenciaram que a Primeira Emenda não pode ser utilizada para cercear as atividades de um professor dentro da sala de aula, mesmo quando ele hostiliza crenças religiosas. Além disso, eles também argumentaram que o professor não ...

Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola

O estudante já vinha sendo intimidado O estudante Ciel Vieira (foto), 17, de Miraí (MG), não se conformava com a atitude da professora de geografia Lila Jane de Paula de iniciar a aula com um pai-nosso. Um dia, ele se manteve em silêncio, o que levou a professora a dizer: “Jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida”. Era um recado para ele. Na classe, todos sabem que ele é ateu. A escola se chama Santo  Antônio e é do ensino estadual de Minas. Miraí é uma cidade pequena. Tem cerca de 14 mil habitantes e fica a 300 km de Belo Horizonte. Quando houve outra aula, Ciel disse para a professora que ela estava desrespeitando a Constituição que determina a laicidade do Estado. Lila afirmou não existir nenhuma lei que a impeça de rezar, o que ela faz havia 25 anos e que não ia parar, mesmo se ele levasse um juiz à sala de aula. Na aula seguinte, Ciel chegou atrasado, quando a oração estava começando, e percebeu ele tinha sido incluído no pai-nosso. Aparentemen...

Aluno com guarda-chuva se joga de prédio e vira piada na UERJ

"O campus é depressivo, sombrio, cinza, pesado" Por volta das 10h de ontem (31 de março de 2001), um jovem pulou do 11º andar do prédio de Letra da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e virou motivo de piadinhas de estudantes, no campus Maracanã e na internet, por ter cometido o suicídio com um guarda-chuva. Do Orkut, um exemplo: "Eu vi o presunto, e o mais engraçado é que ele está segurando um guarda-chuva! O que esse imbecil tentou fazer? Usar o guarda-chuva de paraquedas?" Uma estudante de primeiro ano na universidade relatou em seu blog que um colega lhe dissera na sala de aula ter ouvido o som do impacto da queda de alguma coisa. Contou que depois, de uma janela do 3º andar, viu o corpo. E escreveu o que ouviu de um estudante veterano: “Parabéns, você acaba de ver o seu primeiro suicídio na UERJ.” De fato, a morte do jovem é mais uma que ocorre naquele campus. Em um site que deu a notícia do suicido, uma estudante escreveu: “O campus é depressivo, s...

Seleção feminina de vôlei não sabe que Brasil é laico desde 1891

Título original: O Brasil é ouro em intolerância Jogadoras  se excederam com oração diante das câmeras por André Barcinski para Folha Já virou hábito: toda vez que um time ou uma seleção do Brasil ganha um título, os atletas interrompem a comemoração para abrir um círculo e rezar. Sempre diante das câmeras, claro. O mesmo aconteceu sábado passado, quando a seleção feminina de vôlei conquistou espetacularmente o bicampeonato olímpico em cima da seleção norte-americana, que era favorita. O Brasil é oficialmente laico desde 1891 e a Constituição prevê a liberdade de religião. Será mesmo? O que aconteceria se alguma jogadora da seleção de vôlei fosse budista? Ou mórmon? Ou umbandista? Ou agnóstica? Ou islâmica? Alguém perguntou a todas as atletas e aos membros da comissão técnica se gostariam de rezar o “Pai Nosso”? Ou será que alguns se sentiram compelidos a participar para não destoar da festa? Será que essas manifestações públicas e encenadas, em vez de prop...

Ateus são o grupo que menos apoia a pena de morte, apura Datafolha

No noticiário, casos de pastores pedófilos superam os de padres

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus