Pular para o conteúdo principal

Diversidade do ateísmo brasileiro é desafio para a militância dos sem deuses

Quem são os ateus brasileiros?

RICARDO OLIVEIRA DA SILVA / professor de história

Um fenômeno que recebe pouca atenção por parte de acadêmicos e analistas dos meios de comunicação diz respeito ao crescimento no número de pessoas que se declaram ateias no Brasil. Aliás, falar sobre a presença do ateísmo no país ainda é motivo de estranhamento para parcelas da população brasileira com um perfil religioso multissecular.

Mas quem são os ateus brasileiros? Uma resposta inicial seria dizer que eles se identificam pela ausência de crença em Deus (aqui estou pensando particularmente o Deus cristão, dado sua hegemonia nas crenças religiosas da população nacional). Contudo, quem olhar mais atentamente vai notar que existem nuances e particularidades na maneira como cada ateu vivencia sua descrença. Como pesquisador da história do ateísmo no Brasil, eu diria que não existe um ateísmo. O que existe são ateísmos, no plural.

A população ateísta começou a aparecer de forma acentuada nos Censos do IBGE registrados na década de 1980. A partir daquele momento teve início uma mudança no perfil religioso da sociedade brasileira. 

Os católicos, que naquela década eram 89% da população, caíram para 64,63% em 2010, de acordo com o último Censo realizado pelo IBGE. Os evangélicos subiram de 6,6% em 1980 para 22,16% em 2010. Nesse processo, as pessoas que se declaravam sem religião saltaram de 1,6% em 1980 para 8,04% em 2010.

Os fatores que estão influenciando a mudança no perfil religioso do país merecem uma análise específica, a qual espero realizar em outra oportunidade. Por hora, gostaria de frisar que a categoria sem-religião não significa necessariamente ateísmo, mas, de modo mais geral, pessoas de fé individual que não possuem pertencimento religioso institucional. Mas foi nesse grupo que ateus foram incluídos pelo IBGE. Em 2010, pela primeira vez, esse grupo foi apresentado de modo separado pelo Censo, totalizando 0,32% dos brasileiros.

Mais recentemente, uma pesquisa Datafolha do final de 2019 constatou que 1% da população se define como ateia. Aqui já entra um primeiro elemento para se conhecer esse grupo: a auto identificação. 

De acordo com a pesquisa que fiz para o meu livro O ateísmo no Brasil: os sentidos da descrença nos séculos XX e XXI, nem todas as pessoas que se consideram ateias expõem isso de forma pública, o que me faz pensar na hipótese de que o total de ateus e ateias no Brasil deve ser maior do que aquele que aparece nas pesquisas.


Por quais motivos as pessoas não falam de sua descrença publicamente? O fator preconceito é a minha principal resposta. Em um país onde a religião historicamente se constituiu como padrão social e sinônimo de virtude moral, falar que não acredita em Deus é algo visto com desconfiança e hostilidade. Por causa disso, muitos ateus e ateias acabam sendo vítimas de discriminação no seio familiar, no emprego e no espaço público de modo mais amplo. Uma situação que interfere até mesmo nos relacionamentos amorosos.

Mas, uma vez que pouco se fala sobre os ateus e as ateias do Brasil, há uma invisibilidade social sobre esse tipo de preconceito. Alguns anos atrás uma parcela dessa população resolveu se organizar. O resultado foi o surgimento de um ativismo expresso em associações (ATEA), manifestações públicas e atividades culturais que denunciaram o preconceito ao ateísmo, muitas vezes associado por grupos religiosos ao demônio e ao comunismo.

A atuação mais forte da militância ateísta ocorreu na primeira metade da década de 2010. Contudo, ela não tardou a arrefecer. Algumas hipóteses podem ser pensadas para a investigação sobre o declínio desse ativismo, como a falta de experiência de ateus e ateias na criação e manutenção orgânica de movimentos e ações coletivas, o número reduzido dessa população, dispersa em um país de dimensões continentais, mesmo contando com o suporte da internet para o estabelecimento de contatos, a diversidade de posições políticas e até mesmo o modo de entender o que é e qual a função que o ateísmo pode ter no Brasil.

Algo que pode ser dito de modo não hipotético é que a população ateia brasileira é diversa. Em termos políticos ali se encontram desde social democratas, passando por socialistas, anarquistas, liberais e até bolsonaristas. 

Alguns associam o ateísmo ao feminismo e pautas LGBTQIA+, enquanto outros a rejeitam, muitas vezes por meio de posturas machistas e homofóbicas. Para alguns, o ateísmo significa apenas não acreditar em Deus, o que dá a eles liberdade para flertarem com o negacionismo científico, enquanto para outros o ateísmo possui uma dimensão científica, filosófica, social e política.

A diversidade existente no meio ateísta brasileiro é um desafio a ser enfrentado para os que almejam a construção de um pujante ativismo social. Mas não é o único desafio. Dada a pouca expressão numérica dos ateus no conjunto da população brasileira, estabelecer diálogo e aliança com outros grupos da sociedade é fundamental. Porém, o ateísmo como forma de atuação pública no Brasil precisa ir além da clássica discussão sobre a existência de Deus, mesmo que ela não seja irrelevante. Muitas vezes, paira nessa discussão uma postura incômoda com quem possui algum tipo de crença religiosa, associada ao desejo de suprimi-las. Uma das piores coisas que existe é o oprimido querer ser o opressor.

Na minha avaliação o solo mais fecundo para a atuação pública de ateus e ateias no Brasil é a laicidade. Essa é a base que possui maior potencial para agregar um grupo que se revela heterogêneo, assim como estabelecer aliança com grupos religiosos, movimentos sociais e políticos que defendam a bandeira do Estado laico como espaço para a convivência de forma respeitosa de diferentes visões de mundo. Uma tarefa urgente tendo em vista o atual cenário de ativismo no país de uma direita religiosa com pendores teocráticos.

> Esse texto foi publicado originalmente na Tribuna da Imprensa com o título "O ateísmo no Brasil".

Comentários

Jovino disse…
Porquê deveríamos militar no ateísmo?
O outro acredita possuir um amiguinho invisível, tranquilo, desde que sua crença não influa na política
do Estado laico.
Anônimo disse…
Muitas causas para poucos ateus.
Jovino disse…
Muitas? Quais?
Anônimo disse…
Militar justamente pela laicidade do Estado, que não vem acontecendo. Um exemplo, a conta de água e luz subiu muito nos últimos dias, enquanto igrejas são isentas.
Militância é necessário para haver forma mais efetiva para reivindicações e combater preconceitos. Os religiosos não apenas se organizam, se institucionalizaram, mas quase sempre no mal sentido em se intrometer em assuntos que nem lhes competem. São conSAGRADOS promotores da intolerância etc em particular LGBT+ e gênero, e mais ainda contra ateus ou qualquer um contestador das crenças etc em dizer as belas verdades de Deus, religiões e afins.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Malafaia divulga mensagem homofóbica em outdoors do Rio

Traficantes evangélicos proíbem no Rio cultos de matriz africana

Agência Brasil Comissão da Combate à Intolerância diz que bandidos atacam centros espíritas  O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e a CCIR (Comissão de Combate à Intolerância Religiosa) se reuniram na terça-feira para debater o pedido de instauração de inquérito de modo a investigar a denúncia de que traficantes que se declaram evangélicos de Vaz Lobo e Vicente de Carvalho, na zona norte do Rio, estão proibindo religiões de matriz africana de manterem cultos na região. Segundo a comissão, vários centros espíritas estão sendo invadidos por pessoas que dizem ser do tráfico, expulsando fiéis e ameaçando pessoas por usarem roupa branca. O presidente da CCIR, Ivanir dos Santos, relatou que a discriminação não é novidade e que vários religiosos de matriz africana passaram por situações parecidas diversas vezes. "Isso não começou hoje, vem desde 2008. Precisávamos conversar neste momento com o Ministério Público para conseguir uma atuação mais concreta. Vamos entre

MP pede prisão do 'irmão Aldo' da Apostólica sob acusação de estupro

Neymar paga por mês R$ 40 mil de dízimo à Igreja Batista

Dinheiro do jogador é administrado por seu pai O jogador Neymar da Silva Santos Júnior (foto), 18, paga por mês R$ 40 mil de dízimo, ou seja, 10% de R$ 400 mil. Essa quantia é a soma de seu salário de R$ 150 mil nos Santos com os patrocínios. O dinheiro do jogador é administrado pelo seu pai e empresário, que lhe dá R$ 5 mil por mês para gastos em geral. O pai do jogador, que também se chama Neymar, lembrou que o primeiro salário do filho foi de R$ 450. Desse total, R$ 45 foram para a Igreja Batista Peniel, de São Vicente, no litoral paulista, que a família frequenta há anos. Neymar, o pai, disse que não deixa muito dinheiro com o filho para impedi-lo de se tornar consumista. “Cinco mil ainda acho muito, porque o Juninho não precisa comprar nada. Ele tem contrato com a Nike, ganha roupas, tudo. Parece um polvo, tem mais de 50 pares de sapatos”, disse o pai a Debora Bergamasco, do Estadão. O pai contou que Neymar teve rápida ascensão salarial e que ele, o filho, nunca d

Ricardo Gondim seus colegas pastores que são 'vigaristas'

Título original: Por que parti por Ricardo Gondim  (foto), pastor Gondim: "Restou-me dizer  chega  por não aguentar mais" Depois dos enxovalhos, decepções e constrangimentos, resolvi partir. Fiz consciente. Redigi um texto em que me despedia do convívio do Movimento Evangélico. Eu já não suportava o arrocho que segmentos impunham sobre mim. Tudo o que eu disse por alguns anos ficou sob suspeita. Eu precisava respirar. Sabedor de que não conseguiria satisfazer as expectativas dos guardiões do templo, pedi licença. Depois de tantos escarros, renunciei. Notei que a instituição que me servia de referencial teológico vinha se transformando no sepulcro caiado descrito pelos Evangelhos. Restou-me dizer chega por não aguentar mais. Eu havia expressado minha exaustão antes. O sistema religioso que me abrigou se esboroava. Notei que ele me levava junto. Falei de fadiga como denúncia. Alguns interpretaram como fraqueza. Se era fraqueza, foi proveitosa, pois despertava

Sociedade está endeusando os homossexuais, afirma Apolinario

por Carlos Apolinário para Folha Não é verdade que a criação do Dia do Orgulho Hétero incentiva a homofobia. Com a aprovação da lei, meu objetivo foi debater o que é direito e o que é privilégio. Muitos discordam do casamento gay e da adoção de crianças por homossexuais, mas lutar por isso é direito dos gays. Porém, ao manterem apenas a Parada Gay na avenida Paulista, estamos diante de um privilégio. Com privilégios desse tipo, a sociedade caminha para o endeusamento dos homossexuais. Parece exagero, mas é disso que se trata quando a militância gay tenta aprovar no Congresso o projeto de lei nº 122, que ameaça a liberdade de imprensa. Se essa lei for aprovada, caso um jornal entreviste alguém que fale contra o casamento gay, poderá ser processado. Os líderes do movimento gay querem colocar o homossexualismo acima do bem e do mal. E mais: se colocam como vítimas de tudo. Dá até a impressão de que, em todas as ruas do Brasil, tem alguém querendo matar um gay. Dizem que a cada

Estudante expulsa acusa escola adventista de homofobia

Arianne disse ter pedido outra com chance, mas a escola negou com atualização Arianne Pacheco Rodrigues (foto), 19, está acusando o Instituto Adventista Brasil Central — uma escola interna em Planalmira (GO) — de tê-la expulsada em novembro de 2010 por motivo homofóbico. Marilda Pacheco, a mãe da estudante, está processando a escola com o pedido de indenização de R$ 50 mil por danos morais. A primeira audiência na Justiça ocorreu na semana passada. A jovem contou que a punição foi decidida por uma comissão disciplinar que analisou a troca de cartas entre ela e outra garota, sua namorada na época. Na ata da reunião da comissão consta que a causa da expulsão das duas alunas foi “postura homossexual reincidente”. O pastor  Weslei Zukowski (na foto abaixo), diretor da escola, negou ter havido homofobia e disse que a expulsão ocorreu em consequência de “intimidade sexual” (contato físico), o que, disse, é expressamente proibido pelo regulamento do estabelecimento. Consel

Milagrento Valdemiro Santiago radicaliza na exploração da fé

'O que se pode plantar no meio de tanto veneno deste blog?'

de um leitor a propósito de Por que o todo poderoso Deus ficou cansado após seis dias de trabalho?   Bem, sou de Deus e fiquei pensativo se escrevia  algo aqui porque o que se nota é um desespero angustiado na alma de alguns cheios de certezas envenenadas, com muita ironia, muita ironia mesmo. Paulo foi o maior perseguidor do evangelho e se tornou o maior sofredor da causa cristã. Os judeus são o povo escolhido, mas Deus cegou seu entendimento para que a salvação se estendesse aos gentios. Isso mostra que quando Deus decide Se revelar a alguém, Ele o faz, seja ou não ateu. Todo esse rebuliço e vozes de revolta, insatisfação, desdém em que podem afetá-Lo? Quanto a esse blog, "o que se pode plantar no meio de tanto veneno?" Tudo aqui parece gerar mais discórdia. Se vocês não têm fé e não acreditam Nele, por que a ideia de Deus lhe perturbam tanto e alguns (não todos) passam a perseguir quem expressa uma fé, principalmente a cristã? Por que tanto desamor e