Pular para o conteúdo principal

Ateísmo é a forma mais elevada do humanismo


por Marino Boeira

O momento em que o Supremo Tribunal Federal discute a constitucionalidade do ensino da religião nas escolas públicas é bem adequado para se falar sobre o significado da religião nas nossas vidas.

O apresentador de televisão José Luiz Datena, do alto de sua ignorância, descobriu a razão de tantos crimes que fazem o sucesso do seu programa: é tudo por causa dos ateus e explicou: "O sujeito ateu não tem limites. São os caras do mal. O sujeito que não respeita os limites de Deus, é porque não respeita limite nenhum".

Razão contra o delírio da religião

O que podemos dizer, nós, os ateus?

Que o ateísmo é a forma mais alta do humanismo, porque seus valores éticos dizem respeito apenas ao homem e não existem para garantir prêmios na eternidade.

Que o mesmo não pode se dizer dos religiosos, porque sua história está cheia de exemplos de pessoas que, falando em nome de Deus ou da religião, cometeram os maiores crimes. A Inquisição, as cruzadas, a caça às bruxas feiticeiras foram feitas em nome da fé cristã. 

É difícil a vida para um ateu numa sociedade onde a religião está presente em tudo, a tal ponto que o homem comum, mesmo que não seja religioso, fica com vergonha de confessar que é, no mínimo, um descrente. E não estamos falando em países com governos teocráticos, onde Estado e Religião se confundem.

Pensamos no Brasil, um país teoricamente laico, mas onde são comemorados como feriados oficiais eventos de uma religião, a católica. É o Natal, é a Páscoa, são santos de mais ou menos prestígio, lembrados com festas, sem que se pergunte se estamos todos de acordo.

Desde que nascem, os brasileiros são treinados para serem cristãos. Primeiros as cerimônias cheias de mistério como o batismo, a crisma e a comunhão, com um ritual que envolve as mentes mais jovens. 

Depois é o discurso dos padres, dos professores, da mídia, como se tudo isso fosse muito natural. Como se não houvesse outra forma de pensar. 

Felizmente, para os arautos dessas crenças, o slogan "crê ou morre" ficou para trás, ou pelo menos para a maioria, porque sempre sobrará um sujeito na televisão para nos condenar ao fogo do inferno.

Contra esta blitz mística, só nos resta levantar a bandeira da razão, embora digam que a fé não tem nada a ver com a razão. Mas, pelo menos, deixem a razão conosco e fiquem com a fé que escolheram.

Uma razão baseada em livros, como "A Origem do Cristianismo", de Karl Kautsky, editado na Alemanha em 1908 e traduzido no Brasil, pelo professor Moniz Bandeira, para a Civilização Brasileira.


Durante muito tempo, Kautsky teve seu nome associado ao qualificativo de "renegado" que lhe foi aposto por Lênin, pelas suas críticas ao regime bolchevista da União Soviética, mas mesmo Lênin sempre reconheceu que Kautsky soube usar, como ninguém, as armas do materialismo dialético para reconstruir a história do mito de Jesus Cristo e do cristianismo na Palestina ocupada pelos romanos.

Kautsky mostra como o cristianismo deixou de ser um partido político dentro do judaísmo e se tornou um partido dos gentios, externo e hostil ao judaísmo e se transformou num dos fenômenos mais gigantescos da história da humanidade, que perdura há mais de dois milênios.

Quando morava no Bom Fim, vizinho à escola pública Anne Frank, costumava ouvir uma professora, coma voz amplificada por um sistema de som, nas vésperas do Natal, contar aos seus alunos, reunidos no pátio, a história do Menino Jesus e da manjedoura de Belém, onde Maria e José teriam ido por causa do censo do Imperador Augusto. 

Ficava, então, tentado a oferecer a ela o livro do Kautsky, onde ele explica que o censo foi feito quando Jesus teria sete anos, que ninguém se deslocava de um lugar para o outro para responder ao censo e que os evangelistas que escreveram esta história sabiam que um personagem que se pretendia Deus não poderia nascer na Galiléia e sim em Belém, terra do rei David, do qual o novo messias seria herdeiro.

A nossa professora e seus alunos poderiam ficar sabendo também que as fontes pagãs da época não falam de Jesus, mesmo que ele tenha feito coisas assombrosas como ressuscitar os mortos e transformar água em vinho diante de centenas de pessoas. 

Essas versões só vão aparecer nas fontes religiosas, muitos anos depois, apresentadas com riqueza de detalhes por Marcos, Lucas, Mateus e João, Mas são histórias escritas entre 50 e 200 anos depois do que os fatos pretensamente ocorreram, uma época em que os documentos escritos eram escassos e o que existiam eram apenas testemunhos orais.

Os textos dos evangelistas, mais do que documentos históricos, eram peças de um marketing político, destinado a convencer seus adeptos. Mesmo com o esforço da igreja, no correr dos séculos, de depurar as contradições existentes entre eles, a leitura de Kautsky flagrou dezenas delas.

O famoso milagre da ressurreição, por exemplo. Marcos, que escreveu pouco mais de 50 anos depois dos acontecimentos, diz que Jesus foi chamado ao leito da filha de Jairo, que estava prestes a morrer.

Todos pensavam que ela estava morta, mas Jesus diz: "A moça não está morta, mas dormindo" . E põe a mão sobre ela e ela levanta (Marcos,V) . 

Lucas, bem mais tarde, fala sobre o jovem de Naim. Quando Jesus o encontrou, havia transcorrido, desde a morte, tempo suficiente para que estivesse a caminho do cemitério. Jesus o levantou do seu caixão (Lucas, VII).

Dezenas de anos depois, João narra a ressurreição de Lázaro, "que estava morto há quatro dias".(João, XI). 

Quanto mais distante dos fatos, mais as histórias ganham em detalhes milagrosos capazes de emocionar os novos adeptos.

Pensando melhor, acho que fiz bem em não oferecer o livro de Kautsky.para a professora de Anne Frank. Além de ter mais de 500 páginas, ela iria preferir continuar acreditando nas histórias que lhe contaram na infância que, diga-se de passagem, são bem mais interessantes.

Marino Boeira é jornalista. Este texto foi publicado originalmente com o título "Nós, ateus".




Há diferentes caminhos que levam uma pessoa ao ateísmo

A responsabilidade dos comentários é de seus autores.


Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Professor obtém imunidade para criticar criacionismo nas aulas

A Corte de Apelação da Califórnia (EUA) decidiu que um professor de uma escola pública de Mission Viejo tem imunidade para depreciar o criacionismo, não podendo, portanto, ser punido por isso. A cidade fica no Condado de Orange e tem cerca de 94 mil habitantes. Durante uma aula, o professor de história James Corbett, da Capistrano Valley High School, afirmou que o criacionismo não pode ser provado cientificamente porque se trata de uma “bobagem supersticiosa”. Um aluno foi à Justiça alegando que Corbett ofendeu a sua religião, desrespeitando, assim, a liberdade de crença garantida pela Primeira Emenda da Constituição. Ele perdeu a causa em primeira instância e recorreu a um tribunal superior. Por unanimidade, os três juízes da Corte de Apelação sentenciaram que a Primeira Emenda não pode ser utilizada para cercear as atividades de um professor dentro da sala de aula, mesmo quando ele hostiliza crenças religiosas. Além disso, eles também argumentaram que o professor não ...

Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola

O estudante já vinha sendo intimidado O estudante Ciel Vieira (foto), 17, de Miraí (MG), não se conformava com a atitude da professora de geografia Lila Jane de Paula de iniciar a aula com um pai-nosso. Um dia, ele se manteve em silêncio, o que levou a professora a dizer: “Jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida”. Era um recado para ele. Na classe, todos sabem que ele é ateu. A escola se chama Santo  Antônio e é do ensino estadual de Minas. Miraí é uma cidade pequena. Tem cerca de 14 mil habitantes e fica a 300 km de Belo Horizonte. Quando houve outra aula, Ciel disse para a professora que ela estava desrespeitando a Constituição que determina a laicidade do Estado. Lila afirmou não existir nenhuma lei que a impeça de rezar, o que ela faz havia 25 anos e que não ia parar, mesmo se ele levasse um juiz à sala de aula. Na aula seguinte, Ciel chegou atrasado, quando a oração estava começando, e percebeu ele tinha sido incluído no pai-nosso. Aparentemen...

Aluno com guarda-chuva se joga de prédio e vira piada na UERJ

"O campus é depressivo, sombrio, cinza, pesado" Por volta das 10h de ontem (31 de março de 2001), um jovem pulou do 11º andar do prédio de Letra da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e virou motivo de piadinhas de estudantes, no campus Maracanã e na internet, por ter cometido o suicídio com um guarda-chuva. Do Orkut, um exemplo: "Eu vi o presunto, e o mais engraçado é que ele está segurando um guarda-chuva! O que esse imbecil tentou fazer? Usar o guarda-chuva de paraquedas?" Uma estudante de primeiro ano na universidade relatou em seu blog que um colega lhe dissera na sala de aula ter ouvido o som do impacto da queda de alguma coisa. Contou que depois, de uma janela do 3º andar, viu o corpo. E escreveu o que ouviu de um estudante veterano: “Parabéns, você acaba de ver o seu primeiro suicídio na UERJ.” De fato, a morte do jovem é mais uma que ocorre naquele campus. Em um site que deu a notícia do suicido, uma estudante escreveu: “O campus é depressivo, s...

Seleção feminina de vôlei não sabe que Brasil é laico desde 1891

Título original: O Brasil é ouro em intolerância Jogadoras  se excederam com oração diante das câmeras por André Barcinski para Folha Já virou hábito: toda vez que um time ou uma seleção do Brasil ganha um título, os atletas interrompem a comemoração para abrir um círculo e rezar. Sempre diante das câmeras, claro. O mesmo aconteceu sábado passado, quando a seleção feminina de vôlei conquistou espetacularmente o bicampeonato olímpico em cima da seleção norte-americana, que era favorita. O Brasil é oficialmente laico desde 1891 e a Constituição prevê a liberdade de religião. Será mesmo? O que aconteceria se alguma jogadora da seleção de vôlei fosse budista? Ou mórmon? Ou umbandista? Ou agnóstica? Ou islâmica? Alguém perguntou a todas as atletas e aos membros da comissão técnica se gostariam de rezar o “Pai Nosso”? Ou será que alguns se sentiram compelidos a participar para não destoar da festa? Será que essas manifestações públicas e encenadas, em vez de prop...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

No noticiário, casos de pastores pedófilos superam os de padres

Ateus são o grupo que menos apoia a pena de morte, apura Datafolha