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Em 2007, Universal moveu 111 ações judiciais contra repórter


por Elvira Lobato
para Folha de S.Paulo

Há dez anos, fiz uma reportagem sobre o patrimônio empresarial de dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus, que havia completado naquela ocasião 30 anos de existência. Foram dois meses de apuração, que me valeram o prêmio Esso de jornalismo em 2008.

A reportagem, intitulada "Universal chega aos 30 anos com império empresarial", foi um divisor de águas na minha vida profissional.

Presença da Igreja aumentou

A igreja -por meio de alguns fieis e pastores- moveu 111 ações judiciais contra mim e contra a Folha, com a alegação de danos morais, sem, no entanto, contestar nenhuma informação contida no texto.

Resta uma ação no Juizado Especial de Santa Maria da Vitória, na Bahia. Todas as demais tiveram sentenças favoráveis a mim e ao jornal.

Nesses dez anos, tornei-me, involuntariamente, referência para estudiosos e jornalistas que pesquisam a atuação da Universal no Brasil e no mundo. A igreja se tornou, como se sabe, instituição com presença internacional cada vez maior.

Dei entrevistas a TVs e jornais de vários países e ainda sou procurada para relatar como o episódio representou uma ameaça à liberdade de imprensa. A Folha foi obrigada a se defender em ações simultâneas em localidades remotas, o que tornava a defesa mais difícil e onerosa.

Como jornalista especializada em assuntos econômicos, acompanhei a expansão da Universal sob a ótica econômica, não religiosa. De 1992 a 2011, dediquei-me à cobertura de telecomunicações e radiodifusão pela Folha, da qual fui repórter por 27 anos.

Noticiei, com exclusividade, os bastidores das aquisições da maior parte das emissoras que formam a Rede Record de televisão. Em 1999, fiz a reportagem que considero a mais importante daquela cobertura, revelando que a Universal financiou a compra de emissoras de TV por meio de empréstimos de empresas registradas em paraísos fiscais.

Ao comprar a Record, o bispo Edir Macedo, fundador da Universal, estabeleceu um novo paradigma na atuação das igrejas na radiodifusão.

Elas iniciaram corrida não só para conseguir suas próprias TVs, mas para arrendar canais e alugar espaços de emissoras comerciais.

Quem se detiver na cobertura da mídia efetuada pela Folha a partir dos anos 1990 verá que houve um esforço para dar transparência à propriedade da radiodifusão como um todo. Foram inúmeras reportagens sobre a concentração empresarial no setor e os avanços de todas as denominações religiosas nesse segmento. Mas só a Universal retaliou.

O que a reportagem de 2007 revelou que desagradou tanto à Universal? Ela identificou o império empresarial erguido em nome de integrantes da cúpula da igreja: 23 emissoras de TV e 40 rádios, além de 19 empresas de segmentos diversos, como agência de turismo, jornais, editora, imobiliária e até uma empresa de táxi-aéreo, a Alliance Jet.

Vários juízes condenaram autores das ações por litigância de má-fé. Os principais veículos de comunicação do país solidarizaram-se com a Folha e comigo por entenderem que as ações judiciais tinham o propósito de intimidar a imprensa e de desestimular a publicação de novas reportagens sobre o tema.

O que mais me impactou naquele episódio foi o fato de o ataque judicial ter partido de uma instituição ligada a um grupo de comunicação, com jornais, rádios e televisão.

Nesses últimos dez anos, não vi nenhuma autocrítica de dirigentes da Universal sobre o que aconteceu, mas espero que tenham feito uma reflexão e o caso nunca mais se repita.

Elvira Lobato é jornalista e escritora. Lança em outubro, pela editora Objetiva, livro sobre as televisões da Amazônia. Esse texto foi publicado originalmente com o título "Universal moveu 111 ações contra reportagem sem contestar dados". Como ilustração, este site usa imagem de obra do artista surrealista Salvador Dali.




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