Pular para o conteúdo principal

Como a muçulmana Ayaan Ali fez o percurso até o ateismo


Queda das torres
fez com que Ali se
 tornasse descrente 

por Nana Queiroz
para Veja

No sótão do prédio do Partido dos Trabalhadores holandês, o alvoroço que se ouvia vindo do andar inferior começou a incomodar. O relógio apontava quase 15 horas do dia 11 de setembro de 2001 e um dos colegas de coalizão da somali Ayaan Hirsi Ali (foto) pediu: "Por favor, desça e peça silêncio. Com esse barulho está impossível trabalhar".

Ao chegar, Ayaan encontrou todos os funcionários aterrorizados diante da TV. Um avião havia atingido um dos prédios do World Trade Center nos Estados Unidos e a repórter, confusa, dizia se tratar de um trágico acidente aéreo. Quando uma segunda aeronave se chocou contra o outro edifício, a jornalista concluiu, assustada: "Não! Estamos sofrendo um atentado terrorista". Ayaan ficou paralisada. E com as torres gêmeas ruíram os últimos resquícios de sua fé muçulmana. 

"As imagens se repetiram por toda a tarde e noite e, na manhã seguinte, eu descobri quem eram os fundamentalistas islâmicos responsáveis pelo ataque", conta ela, ao site de Veja.

"Eu lembro de ter pensado: 'poderia ter sido eu, porque acredito exatamente na mesma coisa que essas pessoas'. Todo o discurso sobre os Estados Unidos serem os inimigos e o valor da jihad (guerra santa) era familiar a mim. Essa visão de mundo preto no branco, como se fôssemos os mocinhos e Deus tivesse nos dado a missão de livrar o mundo do mal, também. Ironicamente, foi Osama bin Laden quem me libertou desse antolho", destaca ela, que registra as dificuldades da "conversão" no livro "Nômade: do Islã para a América".


Os primeiros passos de Ayaan rumo à cultura ocidental, contudo, começaram muitos anos antes desse trágico episódio de uma década atrás. Ela tinha 22 anos, morava no Quênia e, como era de costume, estava prometida a um homem escolhido por seu pai e que morava no Canadá. Mas na escala da viagem que deveria fazer para encontrá-lo, viu uma brecha para escapar: na Alemanha, onde milhares de somalis pediam asilo.

"Eu ainda não tinha formado um senso crítico sobre o islã, mas era muito claro para mim que tipo de mulher eu me tornaria dentro dessa cultura: uma que eu não queria ser. Eu evitei me transformar em minha mãe", explica ela, referindo-se à segunda de quatro mulheres de seu pai, descrita pela filha como submissa e ortodoxa no uso dos véus.

Fugiu, então, para a Holanda, que a acolheu. Quando seu noivo finalmente a encontrou, era tarde demais: ela já tinha visto de residência permanente, amigos e até a polícia estava do seu lado.

Mesmo abrigada em segurança, porém, o caminho para Ayaan assimilar essa nova cultura e se encontrar como cidadã e mulher ainda seria longo e tortuoso. Desde pequena, ela havia sido condicionada a acreditar que sua feminilidade era motivo de vergonha. Aos 5 anos, teve seu clitóris mutilado no bárbaro ritual de circuncisão feminina. "Apesar disso, meu clã me oferecia um senso de pertencimento que eu perdi quando cheguei à Holanda. Minha família inteira virou as costas para mim. Em compensação, esse país me presenteou com algo que meu clã nunca me deu: a chance de ser um indivíduo".

Durante esse início da transição cultural e religiosa, ela diz ter enfrentado também outro tipo de preconceito, que define como "racismo de baixas expectativas", que teria como fundo até uma boa intenção, explica. No intuito de compreender e respeitar as diferenças culturais, algumas pessoas tomam atitudes que consideram certas mas, na verdade, só prejudicam ainda mais os imigrantes - como ao relegá-los a guetos locais, privando-os da oportunidade de conhecer realmente os princípios daquela sociedade.

"Os funcionários do governo que ajudam na integração de estrangeiros têm expectativas extremamente baixas. Quando eu disse a um deles que queria ir à universidade e me tornar mestre em ciências políticas, ele olhou para mim como se eu estivesse planejando ir à lua. Em vez disso, me matriculou em um curso de contabilidade que, obviamente, não tinha nada a ver comigo", exemplifica ela, que superou em nível estratosférico as expectativas dos assistentes sociais.

Como queria, Ayaan foi à universidade, escreveu artigos, entrou para a política, foi eleita parlamentar, fez um documentário. Mas foi esse filme - Submissão, que recriminava duramente a posição servil das mulheres islâmicas - que a obrigaria a retomar sua vida errante.

Ela passou a receber ameaças de morte por e-mail, telefone e até na porta de sua casa, depois que o coautor do documentário, Theo van Gogh, foi assassinado por um radical islâmico, em 2004.

O medo a rondava. Então, ao fim de seu mandato como parlamentar, decidiu deixar a Europa. O abrigo escolhido, desta vez, foi a América.

"Eu sentia uma conexão com os Estados Unidos desde o 11 de Setembro. Havia percebido que esse país defendia um conjunto de ideais completamente oposto ao pregado pelo islã. O que me conduziu para lá foi a simbologia de mudar de lado nesse xadrez ideológico", salienta.

Nos Estados Unidos, Ayaan acredita ter encontrado, enfim, seu lar definitivo, colocando um ponto final à vida errante. Ao contrário da Europa, sua convivência com os 2,75 milhões de muçulmanos americanos é bem tranquila. O mesmo não se pode dizer de sua relação com o islamismo. A escritora desenvolveu ideias duras e, por vezes, até inflexíveis sobre a antiga religião.

Em "Nômade", chega ao extremo de recomendar que os muçulmanos que quiserem se livrar do atraso representado pelo Corão se tornem adeptos do cristianismo, muito mais flexível e atraente na opinião de Ayaan, que hoje é ateia.


Cristãos deveriam converter imigrantes, afirma Ayaan



A responsabilidade dos comentários é de seus autores.


Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Ateu usa coador de macarrão como chapéu 'religioso' em foto oficial

Fundamentalismo de Feliciano é ‘opinião pessoal’, diz jornalista

Sheherazade não disse quais seriam as 'opiniões não pessoais' do deputado Rachel Sheherazade (foto), apresentadora do telejornal SBT Brasil, destacou na quarta-feira (20) que as afirmações de Marco Feliciano tidas como homofóbicas e racistas são apenas “opiniões pessoais”, o que pareceu ser, da parte da jornalista,  uma tentativa de atenuar o fundamentalismo cristão do pastor e deputado. Ficou subentendido, no comentário, que Feliciano tem também “opiniões não pessoais”, e seriam essas, e não aquelas, que valem quando o deputado preside a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Se assim for, Sheherazade deveria ter citado algumas das opiniões “não pessoais” do pastor-deputado, porque ninguém as conhece e seria interessante saber o que esse “outro” Feliciano pensa, por exemplo, do casamento gay. Em referência às críticas que Feliciano vem recebendo, ela disse que “não se pode confundir o pastor com o parlamentar”. A jornalista deveria mandar esse recado...

PMs de Cristo combatem violência com oração e jejum

Violência se agrava em SP, e os PMs evangélicos oram Houve um recrudescimento da violência na Grande São Paulo. Os homicídios cresceram e em menos de 24 horas, de anteontem para ontem, ocorreram pelo menos 20 assassinatos (incluindo o de policiais), o triplo da média diária de seis mortes por violência. Um grupo de PMs acredita que pode ajudar a combater a violência pedindo a intercessão divina. A Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, que é mais conhecida como PMs de Cristo, iniciou no dia 25 de outubro uma campanha de “52 dias de oração e jejum pela polícia e pela paz na cidade”, conforme diz o site da entidade. “Essa é a nossa nobre e divina missão. Vamos avante!” Um representante do comando da corporação participou do lançamento da campanha. Com o objetivo de dar assistência espiritual aos policiais, a associação PMs de Cristo foi fundada em 1992 sob a inspiração de Neemias, o personagem bíblico que teria sido o responsável por uma mobili...

Wyllys vai processar Feliciano por difamação em vídeo

Wyllys afirmou que pastor faz 'campanha nojenta' contra ele O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), na foto, vai dar entrada na Justiça a uma representação criminal contra o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) por causa de um vídeo com ataques aos defensores dos homossexuais.  O vídeo “Marco Feliciano Renuncia” de oito minutos (ver abaixo) foi postado na segunda-feira (18) por um assessor de Feliciano e rapidamente se espalhou pela rede social por dar a entender que o deputado tinha saído da presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Mas a “renúncia” do pastor, no caso, diz o vídeo em referência aos protestos contra o deputado, é à “privacidade” e às “noites de paz e sono tranquilo”, para cuidar dos direitos humanos. O vídeo termina com o pastor com cara de choro, colocando-se como vítima. Feliciano admitiu que o responsável pelo vídeo é um assessor seu, mas acrescentou que desconhecia o conteúdo. Wyllys afirmou que o vídeo faz parte de uma...

Embrião tem alma, dizem antiabortistas. Mas existe alma?

por Hélio Schwartsman para Folha  Se a alma existe, ela se instala  logo após a fecundação? Depois do festival de hipocrisia que foi a última campanha presidencial, com os principais candidatos se esforçando para posar de coroinhas, é quase um bálsamo ver uma autoridade pública assumindo claramente posição pró-aborto, como o fez a nova ministra das Mulheres, Eleonora Menicucci. E, como ela própria defende que a questão seja debatida, dou hoje minha modesta contribuição. O argumento central dos antiabortistas é o de que a vida tem início na concepção e deve desde então ser protegida. Para essa posição tornar-se coerente, é necessário introduzir um dogma de fé: o homem é composto de corpo e alma. E a Igreja Católica inclina-se a afirmar que esta é instilada no novo ser no momento da concepção. Sem isso, a vida humana não seria diferente da de um animal e o instante da fusão dos gametas não teria nada de especial. O problema é que ninguém jamais demonstrou que ...

Defensores do Estado laico são ‘intolerantes’, diz apresentadora

Evangélico quebrou centro espírita para desafiar o diabo

"Peguei aquelas imagens e comei a quebrar" O evangélico Afonso Henrique Alves , 25, da Igreja Geração Jesus Cristo, postou vídeo [ver abaixo] no Youtube no qual diz que depredou um centro espírita em junho do ano passado para desafiar o diabo. “Eu peguei todas aquelas imagens e comecei a quebrar...” [foto acima] Na sexta (19), ele foi preso por intolerância religiosa e por apologia do ódio. “Ele é um criminoso que usa a internet para obter discípulos”, disse a delegada Helen Sardenberg, depois de prendê-lo ao término de um culto no Morro do Pinto, na Zona Portuária do Rio. Também foi preso o pastor Tupirani da Hora Lores, 43. Foi a primeira prisão no país por causa de intolerância religiosa, segundo a delegada. Como 'discípulo da verdade', Alves afirma no vídeo coisas como: centro espírito é lugar de invocação do diabo, todo pai de santo é homossexual, a imprensa e a polícia estão a serviço do demônio, na Rede Globo existe um monte de macumbeiros, etc. A...

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Apoio de âncora a Feliciano constrange jornalistas do SBT

Opiniões da jornalista são rejeitadas pelos seus colegas O apoio velado que a âncora Rachel Sheherazade (foto) manifestou ao pastor-deputado Marco Feliciano (PSC-SP)  deixou jornalistas e funcionários do "SBT Brasil" constrangidos. O clima na redação do telejornal é de “indignação”, segundo a Folha de S.Paulo. Na semana passada, Sheherazade minimizou a importância das afirmações tidas como homofóbicas e racistas de Feliciano, embora ele seja o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, dizendo tratar-se apenas de “opinião pessoal”. A Folha informou que os funcionários do telejornal estariam elaborando um abaixo assinado intitulado “Rachel não nos representa” para ser encaminhado à direção da emissora. Marcelo Parada, diretor de jornalismo do SBT, afirmou não saber nada sobre o abaixo assinado e acrescentou que os âncoras têm liberdade para manifestar sua opinião. Apesar da rejeição de seus colegas, Sheherazade se sente segura no cargo porque ela cont...