Pular para o conteúdo principal

Ateus têm de aprender como unir pessoas, afirma filósofo


O filósofo ateu Alain de Botton, 42, encontra-se no Brasil lançando o seu mais polêmico livro, o "Religião para Ateu". O livro tem causado arrepios sobretudo nos descrentes que rejeitam qualquer referência entre o ateísmo e religião e até se sentem ofendidos com isso, o que, segundo Botton, é um grande equívoco.

O suíço radicado em Londres afirmou que os ateus podem aprender com as religiões, não, evidentemente, o que elas ensinam, com o seu conteúdo, mas com o seu formato. Assim, disse, os ateus podem aprender como reunir as pessoas, o que as religiões fazem muito bem.

Em entrevista a Cláudia Laitano, do Zero Hora, ele disse que decidiu escrever o livro porque há muito ateus que, como ele, gostam da arquitetura das igrejas, da atmosfera de uma sinagoga, do Natal. “Há algo bom sobre a moralidade, ou o sentimento de comunidade, que a religião propicia”. 

Segue a entrevista.

Seu novo livro é sobre a ideia de que é possível – e mesmo desejável – que ateus tomem práticas emprestadas da religião para viver uma vida melhor. Será que seu livro não poderia ser lido, por uma mente insana, como uma espécie de “bíblia” de uma religião humanista?


É, acho que você disse tudo: uma mente insana. Quer dizer, acho que seria um perigo se eu estivesse dizendo que há uma verdade, uma maneira apenas de pertencer, que devemos nos agrupar ao redor de uma ideologia ou algo assim. Haveria perigo de o que eu sugiro ser visto como uma religião se eu estivesse empurrando uma ideologia, uma religião realmente distinta, mas não, não estou de fato olhando para o conteúdo da religião, mas sim para a forma. É isso que me interessa: como a religião nos reúne, não como ela ensina, mas o que ela ensina, como ela usa a arte, como ela usa rituais, como usa viagens, como usa a arquitetura, como ela reúne pessoas. Isso pode ser usado em várias áreas da vida, não apenas para criar uma religião, que não é o que quero fazer, mas se você é um artista, se está envolvido em ensinar pessoas, se é um terapeuta, um escritor, um administrador. Há muitas aplicações, e não apenas para substituir a religião. Não acho que isso vá funcionar – nem que deva funcionar. Não é minha intenção, embora ache que possa ser um pouco ambíguo. O título pode ser lido como “eis uma religião para ateus”, ou como “o que ateus podem aprender da religião”. E é essa segunda leitura que almejo. Realmente não quero ser confundido com alguém que quis começar uma nova religião.


Por que o secularismo falhou em trazer respostas para problemas cotidianos, como a ansiedade relacionada ao trabalho e ao amor ou o medo da morte?


O secularismo tem um grande foco na rejeição. Ser um ateu, um secularista, significava falar daquilo que você não acredita, do que não quer, do que não gosta. O mais difícil, primeiramente, é dizer “é disso que gostamos”, “é isso que queremos”. E, em segundo lugar, eles tinham pavor de passar qualquer quantidade de tempo debruçados sobre a religião – a religião tornou-se algo parecido com aquela pessoa que não se quer ver, que você quer afastar, que você não quer nem admitir que já foi amigo dela. Se algo houve de errado, é que o secularismo deveria ter olhado a religião mais de perto, com mais simpatia. E deveria ter-se feito perguntas muito básicas: “Por que as pessoas acreditam nisso tudo?”, “O que eles reproduzem?”, “O que faremos a respeito desta necessidade, agora que eles se acostumaram a acreditar?”.


Nas primeiras páginas de Religião para Ateus, você diz que seu livro pode irritar tanto ateus quanto religiosos. Por que você decidiu seguir este caminho difícil, e como seus leitores têm reagido?


Escolhi este caminho porque acho que há muitas pessoas como eu. Há muitas pessoas que se descreveriam como seculares, mas que também diriam coisas como “gosto da linda arquitetura das igrejas”, ou “gosto da atmosfera de uma sinagoga”, “admiro o desenho de templos”, “gosto do Natal”, “gosto do Chanukkah” ou “Há algo bom sobre a moralidade, ou o sentimento de comunidade, que a religião propicia”... mas eles dizem – ou eu digo – “Nós não acreditamos”. Esse tipo de pessoa é normalmente ignorado, o que quer dizer que não tem para onde ir, porque, se por um lado, há ateus como Richard Dawkins, que dizem que tudo é ridículo e infantil, também há ecos de vozes religiosas que dizem que você precisa acreditar em tudo. Então, creio que eu escreva para esta comunidade de ignorados, e escrevo porque já me senti ignorado. Sobre a reação, na verdade, este livro está saindo em português antes de sair em inglês. Os outros países em que já foi publicado foram Holanda, Coreia do Sul, estranhamente, e Turquia. E foi muito bem recebido, na Holanda e na Coreia, foi extremamente bem recebido. Mas também, quem sabe como as pessoas vão recebê-lo em inglês?


Em países como o Brasil, políticos religiosos são muito poderosos no Congresso, tornando impossível a aprovação de leis sobre aborto ou contra a homofobia. O Oriente Médio é hostil com relação às mulheres, por conta da religião. Nos Estados Unidos, ensina-se criacionismo nas escolas. Você acha que seu livro pode ser tachado como eurocêntrico por sua abordagem pós-religiosa do mundo?


O livro faz algo que é muito difícil para ateus, que é dizer que mesmo que a religião tenha feito coisas horríveis, e continua fazendo, mesmo que a religião por vezes tenha uma mentalidade bastante estreita, mesmo que haja tanto mal, talvez também haja algo interessante, algo para se roubar. E isso é um pouco difícil psicologicamente, eu aceito, dizer a alguém que acaba de experimentar o pior lado de uma pessoa religiosa e intolerante que deve haver algo de positivo ali, algo para se aprender dessa experiência. E isso pode ser mais do que as pessoas podem suportar. Acho que este livro seria “demais” para um leitor na Arábia Saudita, mas não estou escrevendo para o povo da Arábia Saudita. Mas também meu livro seria banido lá, porque sou judeu. Então, meu alvo não é a audiência saudita. Mas talvez para uma audiência brasileira, americana ou britânica, haveria espaço nessas sociedades para uma mensagem como a minha. No Brasil, há muita teocracia. Claro que há políticos católicos poderosos no Brasil, assim como há no Reino Unido, mas acho que a vida no Brasil moderno é muito secular, de diversas maneiras, assim como nos Estados Unidos. E claro que há muitas pessoas que ainda creem.


"A religião atinge
as nossas emoções"
Você escreveu um livro chamado Consolações da Filosofia. Seu novo livro parece admitir que nem todo mundo pode ser consolado através de pensamento racional ou, pelo menos, nem sempre. Você vê alguma contradição nisso ou são apenas ideias complementares?


Acho que você está certa. O que torna a religião interessante é que atinge nossas emoções. Esse é um aspecto muito importante e frequentemente esquecido por filósofos. Eles nos veem apenas como cérebros grandes, mas somos também criaturas emocionais, irracionais, e se você tentar se comunicar com uma plateia deve ver que isso também é parte da natureza humana. Em meu livro filosófico anterior, mostro que as religiões são muito interessantes porque sabem como tocar as pessoas através de suas emoções. É por isso que usam muita arte. Todas as religiões usam muita arte. Há coisas que não se pode fazer através da razão; não é o suficiente. E eu concordo com as religiões nesse ponto.


Você foi criado em uma família judia ateísta. Como descreveria sua vida espiritual do início da juventude até agora?


Não tenho uma vida espiritual. Nunca tive uma vida espiritual no sentido de acreditar. Nunca acreditei. Houve uma mudança, porém. Cresci em uma casa onde toda conversa sobre religião era vista como ridícula, não possível para pessoas inteligentes. Na época em que me tornei mais simpático à religião, ainda assim não me tornei religioso, nem tive essa intenção. A religião, em muitos de seus aspectos, parece completamente impossível para mim. Todavia, sou muito interessado nos mecanismos e lições da religião, e nesse sentido mudei. Conheci pessoas que acreditavam de verdade nessas coisas e se tornaram meus amigos, e mantive conversas com eles...


O filósofo francês André Comte-Sponville lançou, há alguns anos, um livro chamado O Espírito do Ateísmo, tentando refletir sobe o que seria uma espiritualidade ateísta. Você fala em uma era 2.0 do ateísmo, pós-confronto e mais subjetiva...


Sim, acho que é essa a maneira certa de começar, porque de outra forma o debate fica estéril. É muito mais interessante ser confiante a respeito de sua rejeição à religião, tão confiante que não seja mais necessário rejeitar tudo. Acho que, no início, as pessoas estavam tão assustadas com a religião que pensavam que deveriam rejeitar tudo. Acho que o ateísmo 2.0, como o chamo, diz respeito a aceitar. Há muito que podemos considerar interessante.


O biólogo Richard Dawkins e o jornalista Christopher Hitchens optaram pela via do confronto direto contra a religião, tornando-se best-sellers do chamado novo ateísmo. Como você analisa o trabalho deles?

Não é esse meu estilo. Não gosto de polêmica violenta, em qualquer forma. Apesar de, basicamente, concordar com eles no conteúdo do que dizem, acho que a maneira como falam parece peculiar, e não entendo por que. Eles parecem lastimar por pessoas que acreditam em certas coisas. Isso os deixa sozinhos. Parece haver uma maneira lógica, inteligente de se fazer isso. Simplesmente dizer aos religiosos: “Ei, você acha mesmo que Jesus foi o filho de Deus, seu estúpido ridículo?”. Isso é desagradável; quero dizer, deixe as pessoas em paz, o que foi que fizeram a você?

Trecho do livro 'Religião para Ateus', de Alain de Botton.
novembro de 2011

Autor de ‘Religião para Ateus’ diz que radicalismo ateísta não leva a nada.
outubro de 2011


Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

1º Encontro Nacional de Ateus obtém adesão de 25 cidades

Lakatos: "Queremos mostrar a nossa cara " O 1º Encontro Nacional de Ateus será realizado no dia 12 de fevereiro com participantes de 25 cidades em 23 Estados (incluindo o Distrito Federal). A expectativa é de que ele reúna cerca de 5.000 pessoas. A mobilização para realizar o encontro – independentemente do resultado que possa ter – mostra que os ateus brasileiros, principalmente os mais jovens, começam a se articular em todo o país a partir da internet. A ideia da reunião surgiu no Facebook. Pelo IBGE, os ateus e agnósticos são 2% da população. O que representa 3,8 milhões de pessoas, se o censo de 2010, que apurou uma população de 190,7 milhões, mantiver esse índice. “Queremos mostrar a nossa cara”, disse Diego Lakatos (foto), 23, que é o vice-presidente da entidade organizadora do evento, a SR (Sociedade Racionalista). “Queremos mostrar que defendemos um Brasil laico, com direitos igualitários a todas as minorias, independentemente de crença ou da inexis...

Icar queixa-se de que é tratada apenas como mais uma crença

Bispos do Sínodo para as Américas elaboraram um relatório onde acusam autoridades governamentais de países do continente americano de darem à Igreja Católica um tratamento como se ela fosse apenas mais uma crença entre tantas outras, desconsiderando o seu “papel histórico inegável”. Jesuíta convertendo índios do Brasil Os bispos das Américas discutiram essa questão ao final de outubro em Roma, onde elaboraram o relatório que agora foi divulgado pela imprensa. No relatório, eles apontam a “interferência estatal” como a responsável por minimizar a importância que teve a evangelização católica na formação da identidade das nações do continente. Eles afirmaram que há uma “estratégia” para considerar a Igreja Católica apenas pela sua “natureza espiritual”,  deixando de lado o aspecto histórico. O relatório, onde não há a nomeação de nenhum país, tratou também dos grupos de evangélicos pentecostais, que são um “desafio” por estarem se espalhando “através de um proselitism...

Suposto ativista do Anonymous declara guerra a Malafaia

Grupo Anonymous critica o enriquecimento de pastores O braço brasileiro dos ativistas digitais Anonymous (ou alguém que está se passando por eles) declarou guerra ao Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e aos demais pastores que pregam "mentiras" e “a prosperidade usando a Bíblia” para enriquecimento próprio. “Vamos buscar a fé verdadeira e a religião”, promete uma voz feminina gerada por um soft, de acordo com um vídeo de 14,5 minutos. As imagens reproduzem cenas de programas antigos do pastor pedindo aos fiéis, por exemplo, contribuição no valor de um aluguel, inclusive dos desempregados. Em contraposição, o vídeo apresenta o depoimento de alguns pastores que criticam a “teologia da prosperidade”. Resgata uma gravação onde Malafaia chama de “palhaço” um pastor cearense que critica a exploração dos fiéis. Como quase sempre, é difícil confirmar a autenticidade de mensagem dos Anonymous. Neste vídeo, o curioso é que os ativistas estão preocup...

2º Encontro Nacional de Ateus já tem a adesão de 9 Estados

O 2º Encontro Nacional de Ateus, que vai se realizar no dia 17 de fevereiro de 2013, um domingo, já tem a adesão de 9 Estados, além do Distrito Federal: São Paulo, Sergipe, Paraná, Maranhão, Rio, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Goiás e Paraíba. Em cada um desses Estados o encontro será promovido por uma associação de livres-pensadores. Lisiane disse que este ano estarão em pauta racionalismo e ceticismo  “Nosso propósito não é apenas a confraternização, mas promover o pensamento crítico”, disse Lisiane Pohlmann  (foto), 23, graduanda de administração e de serviço social e presidente da SR (Sociedade Racionalista), a organizadora nacional do evento. A SR tem a expectativa de obter a confirmação de participantes de Estados como Pará, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul, Ceará, Espírito Santo, Amazonas, Mato Grosso e Amapá. “Qualquer um que preze o uso da razão será muito bem-vindo”, afirmou Lisiane. A faixa etária dos participantes é de 20 a 30 anos, na pr...

Evangélico propõe criar banheiro para gays e lésbicas

Vereador Apolinário é tido por   gays  como homofóbico O vereador Carlos Apolinário (foto), 59, de São Paulo, apresentou projeto de lei que, se aprovado, cria banheiros públicos e em restaurantes, shoppings, cinemas e em casas noturnas para gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. Ligado à Assembleia de Deus, Apolinário é tido como homofóbico pelo movimento de defesa dos homossexuais. Para ele,  já existe no Brasil uma ditadura gay. Em 2011, Apolinário conseguiu que a Câmara Municipal aprovasse o “Dia do Orgulho Heterossexual”. A lei foi vetada pelo prefeito Gilberto Kassab. Apolinário disse que teve a ideia de propor a criação do terceiro banheiro a partir da polêmica desencadeada por Laerte Coutinho, 60, que foi barrado ao tentar entrar em banheiro feminino de uma  lanchonete. O cartunista da Folha de S. Paulo é bissexual e atualmente se veste de mulher. O vereador do DEM considerou inaceitável o argumento de Laerte segundo o qual naquele ...

Afegã presa por ter sido violentada terá de se casar com estuprador

Gulnaz e filha estão em uma prisão de Cabul Gulnaz (foto), 21, ainda se lembra do mau cheiro do homem que a estuprou dois anos atrás. “Ele estava com a roupa suja do seu trabalho”, disse à CNN. “Quando minha mãe saiu para ir a um hospital, ele entrou em minha casa e trancou as portas e janelas. Comecei a gritar, mas ele colocou as mãos sobre minha boca.”  Desde então a vida de Gulnaz mudou radicalmente. Ela ficou grávida do estuprador e foi condenada por um Tribunal do Afeganistão a 12 anos de prisão por adultério. O homem que a violentou era na época marido de uma sua prima. Com a sua filha, a jovem está cumprindo a pena em uma prisão de Cabul. Só tem um jeito de ela sair dali antes de todo o período da condenação: casar com o seu estuprador (que também está preso) para voltar a ser "honrada". É o que ela decidiu fazer para continuar com a filha. Se não for assim, terá de doar a criança. Casos como a de Gulnaz são frequentes. Cinegrafistas contratados pela U...

Maioria dos deputados evangélicos responde a processos judiciais

57% desses paladinos da moralidade alheia têm pendência na Justiça Os deputados federais evangélicos são de diferentes partidos, mas em questões que envolvem comportamento e moralidade — como o casamento de gays — agem como se fossem de uma única agremiação que se norteia pelos textos bíblicos. São da base de apoio do governo, desde que o governo siga a agenda cristã-conservadora deles. Discutir a liberação do aborto, por exemplo, não pode. Tampouco distribuir nas escolas públicas kit contra a homofobia. A maioria desses paladinos da moralidade alheia responde a processos na Justiça Eleitoral e no foro privilegiado do STF (Supremo Tribunal Federal). Dos 56 deputados que o blog Frente Parlamentar Evangélica lista como da bancada de evangélicos, 32 (57%) têm pendência na Justiça. Os processos apuram acusações como peculato (furto ou apropriação de bens ou valores públicos), improbidade administrativa, corrupção eleitoral, abuso de poder econômico, sonegação fiscal e formação...

Estudo revela que cultura de fumo contamina água e agricultores em SC

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...