Pular para o conteúdo principal

Suicídio assistido vira negócio de natureza industrial

por João Pereira Coutinho para Folha

Suicídio assistido.Sou contra a pena de morte. Não interessa se a pessoa a merece. Ou se a solicita. Matar é matar. Excluindo casos de autodefesa, que não entram na categoria, penas capitais são homicídios voluntários. Ludwig Minelli discorda. Quem é Minelli? Segundo a última edição da revista americana "The Atlantic", que dedica ao homem artigo notável e arrepiante, é fundador da polêmica Dignitas, empresa suíça que permite uma morte eficaz a quem não tem uma vida plena. Ou, no mínimo, perspectivas de uma vida plena.

Até o momento, foram mil os clientes da Dignitas que entraram pelo próprio pé e saíram entre quatro tábuas, ou reduzidas a uma urna de cinzas. Existem 6.000 na lista para limpeza futura. E o sonho de Minelli, se "sonho" é a palavra certa para aspiração tão macabra, é poder um dia aplicar o tratamento a qualquer pessoa que o deseje, doente ou não. Nas palavras de Minelli, o suicídio é "o último direito humano".

Verdade que a Suíça não está isolada na lista dos países onde o suicídio assistido é legal. Na Holanda, na Bélgica, no Luxemburgo e em certos Estados americanos, como em Wa- shington ou Montana, doentes terminais podem apressar o fim. Mas a Suíça é mais "liberal" na prática; e a Dignitas é o símbolo dessa liberalidade, aceitando clientes de todo o mundo que viajam para Zurique em busca de uma saída. "Turismo suicida", eis o nome do fluxo. Que nome.

O artigo não tece nenhum julgamento sobre as práticas de Minelli. A lei permite. Cumpra-se a lei. Mas, lendo as descrições do negócio, é difícil não sentir um arrepio de horror pela espinha abaixo.

O horror começa na natureza "industrial" das matanças. O cliente chega. É instalado em quarto da empresa. No dia combinado, e na hora estabelecida, é levado para uma divisão apropriada, onde recebe uma mistura química que vai neutralizando os seus sinais vitais.

Finalmente morto, o corpo é removido. Conta Minelli que, antes da Dignitas ter instalações mais apropriadas, longe da vista comum, o cortejo de corpos provocava indignação entre as vizinhanças burguesas. Imagino.

Depois de removidos, os corpos são levados para os fornos crematórios. Onde eu já ouvi isso? Aliás, as ressonâncias do cenário não ficam pelos fornos. Também se aplicam ao método. Na Suíça, existem quatro grandes empresas que operam no negócio da morte. E todas elas usam pentobarbital sódico, uma combinação poderosa que permite uma morte "limpa" e "indolor". Infelizmente para Minelli, os médicos não são generosos na prescrição do pentobarbital, e a maioria desaprova os entusiasmos mórbidos da Dignitas. Minelli tem procurado outros meios para os mesmos fins.

Nos últimos tempos, tem gaseado os clientes. O espetáculo, admite o próprio, não é bonito de ver. Um corpo moribundo, perpassado por violentos espasmos, nunca é bonito de ver. Mas, garante Minelli, não há qualquer dor no processo.

Acredito. Mas a dor não é apenas uma questão física; também existe uma dor moral que parece ausente da consciência do homem. Minelli e seus cúmplices aproximam-se da morte, e da eliminação física de seres humanos, com a mesma naturalidade mecânica que podemos observar nos matadouros. A lei permite? Sem dúvida.

Mas essa espécie de positivismo ético não nos leva longe: uma história da legislação humana, ao longo dos tempos, seria sempre uma história de brutalidades abençoadas pelos códigos. O negócio de Minelli suplanta os códigos e lida com a pergunta última da nossa condição: seremos apenas meros animais para abate quando a doença nos visita?

Eleitores de Zurique mantêm o 'turismo do suicídio assistido'.
maio de 2011

> Casos de suicídios.

O CVV É UM SERVIÇO DE PREVENÇÃO AO SUICÍDIO.
TEL: 141. Atende também por e-mail e on-line

Comentários

Anônimo disse…
Li esse artigo e penso: Até onde o ser humano é capaz de chegar. Estou perdendo a esperança em tudo, infelizmente a cada dia que passa, vemos absurdos indescritíveis, tenho asco ás vezes de ser humana, os animais parecem mais sensíveis que todos nós...
Anônimo disse…
Há 15 anos eu sofro de uma doença em que não corro o risco de morte,mas que me impossibilita de viver a vida. Vivo todos esses anos enclausurada,isolada do mundo,levando uma vida vegetativa. São anos de muita dor,angústia e sofrimento. Nunca tive ajuda efetiva da minha família,ao contrário, eles me ignoram.Meus amigos se afastaram e,desesperada,cheguei a pedir ajuda a estranhos,mas tudo que eu tive foi indiferença e apatia. Não estou suportando mais essa situação e estou vendo um jeito de me libertar desse martírio. Não me importo que as pessoas me julguem ou me critiquem,estas são as mesmas que não se importam com o próximo,e eu também aprendi a ignorá-las.Há muito tempo que eu perdi a fé no ser humano,a maioria são tão sensíveis quanto a psicopatas.
Leonardo disse…
Não vejo nada demais, e não compreendo a "revolta" moralista e piegas do autor do texto... Cada um faz da sua vida o quem bem entender... Particularmente, eu não pensaria duas vezes em me entregar aos cuidados de tal "equipe"...
Anônimo disse…
Leonardo, felizmente não fui o único a notar o tom condenatório do autor do artigo.

"O artigo não tece nenhum julgamento sobre as práticas de Minelli" de forma explícita, até ali. Onde fica escancarada a comparação com as "técnicas nazistas" pode-se ler após de "Depois de removidos, os corpos são levados para os fornos crematórios. Onde eu já ouvi isso?".
Anônimo disse…
Meu mal é a solidão. Gostaria de ter o direito de abreviar minha vida de uma maneira fácil como ir numa farmácia comprar um remedinho para morrer...
francis disse…
falso moralismo, ou é isso, ou nao sabe oq é sofrer... o dia q vc se ver em uma situaçao, onde a dor é cronica e sem possiblidades de uma soluçao, quero ver vc defender esse msm texto. Idiota.
Páis idiota, gente ignorante.
Fernando Thomazi disse…
Me desculpe, Paulo Lopes, mas tenho de discordar do tom condenatório que ficou no texto. Você ignorou a associação EXIT, da Suíça, que também oferece assistência ao suicídio assistido, mas sem fins lucrativos, sem cobrar nada, a associação é mantida por contribuições voluntárias de seus associados que unicamente oferecem o direito legitimamante humano de um ser humano por fim ao próprio sofrimento, mesmo que seja através do suicídio assistido! Aliás, eu me pergunto, quem, sem sâ conscíência seria a favor de obrigar uma pessoa que já está morrendo de forma dolorosa a viver contra a vontade dela? Isso não é estender a vida dela, e sim o seu sofrimento de forma inútil e desnecessária! Isso não lhe soa, no mínimo, desumano?
Fernando Thomazi disse…
Só mais um detalhe que esqueci de mencionar: sou tão ateu quanto você! E justamente por não acreditar que um suposto Deus possa aliviar minha dor (caso venha a sentí-la) é que defendo o meu direito de aliviar minha dor por todas as formas que conseguir encontrar, e se, ao fim da vida, o suicídio me for mais conveniente, por que não? Com que direito terceiras pessoas me negariam esse benefício legítimo?
Anônimo disse…
Essa é uma questão complicada, pois até agora os comentários se restringem apenas as pessoas que sofrem uma doença incurável, e quanto àquelas psicológicas como a depressão? É correto deixarmos uma pessoa que resolve cometer suicídio, se sabemos que ela está querendo fazer isso por está com depressão? Ou essa empresa só aceita pessoas com doenças terminais? E a psicologia, descartamos? Onde fica os esforços para resolver os problemas do cérebro e dos outros órgãos? Defender o não-suicídio não é defender o falso moralismo religioso, não, É defender o direito à evolução da ciência!
Anônimo disse…
mata sem dor Pentobarbital
Leonardo Veloso disse…
Que bobagem

Se somos donos de nossas vidas, por que não podemos tirá-las quando desejarmos?

Os caras laicizam a ideia de vida sagrada cristã e acham que todos têm de concordar com essa bobagem. Desculpe amigo, mas eu não sou obrigado a viver uma vida que não quero só porque uns padrecos acham que foi Deus quem a deu para mim.

Eu apoio totalmente o suicídio assistido. E só vejo duas razões para não se aceitar tal prática:

1- Influências religiosas na legislação

2- Medo de perder mão de obra abundante e barata (ou o pessoal realmemente pensa que o governo se importa com a vida de cada um? É só medo de perder braços para o trabalho, medo de perder o tal exército de reserva que mantém os salários baixos)

Veloso disse…
Engraçado que se eu cometo um crime, a primeira coisa que alegam é que eu deveria ter usado a racionalidade para não tê-lo cometido, mas não aceitam que eu posso, de maneira racional, decidir por fim a minha vida.

Ou seja, para responder juridicamente você é um ser racional que não pensou nas consequências, pois agiu de forma descontrolada, mas na hora de decidir dar fim a própria vida então você não é visto como um ser racional. Vai entender

Post mais lidos nos últimos 7 dias

Canadenses vão à Justiça para que escola distribua livros ateus

René (foto) e Anne Chouinard recorreram ao Tribunal de Direitos Humanos do Estado de Ontário, no Canadá, para que a escola de seus três filhos permita a distribuição aos alunos de livros sobre o ateísmo, não só, portanto, a Bíblia. Eles sugeriram os livros “Livre Pensamento para Crianças” e “Perdendo a Fé na Fé: De Pregador a Ateu” (em livre tradução para o português), ambos de Dan Barker. Chouinard sugeriu dois livros à escola, que não aceitou Os pais recorreram à Justiça porque a escola consentiu que a entidade cristã Gideões Internacionais distribuísse exemplares da Bíblia aos estudantes. No mês passado, houve a primeira audiência. O Tribunal não tem prazo para anunciar a sua decisão, mas o recurso da família Chouinard desencadeou no Canadá uma discussão sobre a presença da religião nas escolas. O Canadá tem cerca de 34 milhões de habitantes. Do total da população, 77,1% são cristãos e 16,5% não têm religião. René e Anne são de Niágara, cidade perto da fronteira com...

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Bento 16 associa união homossexual ao ateísmo

Papa passou a falar em "antropologia de fundo ateu" O papa Bento 16 (na caricatura) voltou, neste sábado (19), a criticar a união entre pessoas do mesmo sexo, e, desta vez, associou-a ao ateísmo. Ele disse que a teoria do gênero é “uma antropologia de fundo ateu”. Por essa teoria, a identidade sexual é uma construção da educação e meio ambiente, não sendo, portanto, determinada por diferenças genéticas. A referência do papa ao ateísmo soa forçada, porque muitos descrentes costumam afirmar que eles apenas não acreditam em divindades, não se podendo a priori se inferir nada mais deles além disso. Durante um encontro com católicos de diversos países, Bento 16 disse que os “cristãos devem dizer ‘não’ à teoria do gênero, e ‘sim’ à aliança entre homens e mulheres no casamento”. Afirmou que a Igreja defende a “dignidade e beleza do casamento” e não aceita “certas filosofias, como a do gênero, uma vez que a reciprocidade entre homens e mulheres é uma expressão da bel...

Registro de 'trigamia' é 'putaria', afirma psicóloga cristã

Marisa Lobo disse que, ao saber do caso, desejou a volta logo de Jesus A psicóloga Marisa Lobo (foto) ficou indignada com o registro de um contrato por um cartório de Tupã (SP) onde duas mulheres e um homem declaram ter envolvimento emocional entre si, vivendo sob o mesmo teto há três anos. Para a “psicóloga cristã”, como ela se apresenta, o nome dessa união é “orgia” e o que o cartório legalizou foi uma “putaria”. Ela disse ter usado essa palavra para se “fazer entender sem falsos moralismos”. De acordo com o cartório, o trio oficializou a sua união, estabelecendo as mesmas regras de um casamento tradicional, para garantir os direitos de cada um deles e dos filhos, como o de herança. Um deles foi nomeado como administrador dos bens. Lobo escreveu que, quando tomou conhecimento dessa “trigamia”, teve vontade de pedir “Jesus, volte logo”, porque se lembrou da decadência moral de Sodoma e Gomorra. “Como membro da sociedade estou chocada, como profissional e militante...

Eleição de Haddad significará vitória contra religião, diz Chaui

Marilena Chaui criticou o apoio de Malafaia a Serra A seis dias das eleições do segundo turno, a filósofa e professora Marilena Chaui (foto), da USP, disse ontem (23) que a eleição em São Paulo do petista Fernando Haddad representará a vitória da “política contra a religião”. Na pesquisa mais recente do Datafolha sobre intenção de votos, divulgada no dia 19, Haddad estava com 49% contra 32% do tucano José Serra. Ao participar de um encontro de professores pró-Haddad, Chaui afirmou que o poder vem da política, e não da “escolha divina” de governantes. Ela criticou o apoio do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus do Rio, a Serra. Malafaia tem feito campanha para o tucano pelo fato de o Haddad, quando esteve no Ministério da Educação, foi o mentor do frustrado programa escolar de combate à homofobia, o chamado kit gay. Na campanha do primeiro turno, Haddad criticou a intromissão de pastores na política-partidária, mas agora ele tem procurado obter o apoio dos religi...

Existe uma relação óbvia entre ateísmo e instrução

de Rodrigo César Dias   (foto)   a propósito de Arcebispo afirma que ateísmo é fenômeno que ameaça a fé cristã Rodrigo César Dias Acho que a explicação para a decadência da fé é relativamente simples: os dois pilares da religião até hoje, a ignorância e a proteção do Estado, estão sendo paulatinamente solapados. Sem querer dizer que todos os religiosos são estúpidos, o que não é o caso, é possível afirmar que existe uma relação óbvia entre instrução e ateísmo. A quantidade de ateus dentro de uma universidade, especialmente naqueles departamentos que lidam mais de perto com a questão da existência de Deus, como física, biologia, filosofia etc., é muito maior do que entre a população em geral. Talvez não existam mais do que 5% de ateus na população total de um país, mas no departamento daqueles cursos você encontrará uma porcentagem muito maior do que isso. E, como esse mundo de hoje é caracterizado pelo acesso à informação, como há cada vez mais gente escolarizada e dipl...

Prefeito de São Paulo veta a lei que criou o Dia do Orgulho Heterossexual

Kassab inicialmente disse que lei não era homofóbica O prefeito Gilberto Kassab (PSD), na foto,  disse que vai vetar o projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo que aprovou o Dia do Orgulho Heterossexual. Trata-se de um recuo porque, na época da aprovação do projeto, ele disse que a nova data não tinha caráter homofóbico. Agora, Kassab disse que se trata de uma medida “despropositada”, conforme entrevista que deu ao jornal Agora São Paulo. "O heterossexual é maioria, não é vítima de violência, não sofre discriminação, preconceito, ameaças ou constrangimentos. Não precisa de dia para se afirmar", disse. O prefeito falou haver somente sentido em datas que estimulem “a tolerância e a paz” em relação, por exemplo, a mulheres e negros e minorias que são vítimas de ofensas e brutalidades. Na campanha de 2008 da eleição municipal, a propaganda na TV de Marta Suplicy (PT) chegou a insinuar que o então seu adversário Kassab era gay, embora ela ti...

Papa afirma que casamento gay ameaça o futuro da humanidade

Bento 16 disse que as crianças precisam de "ambiente adequado" O papa Bento 16 (na caricatura) disse que o casamento homossexual ameaça “o futuro da humanidade” porque as crianças precisam viver em "ambientes" adequados”, que são a “família baseada no casamento de um homem com uma mulher". Trata-se da manifestação mais contundente de Bento 16 contra a união homossexual. Ela foi feita ontem (9) durante um pronunciamento de ano novo a diplomatas no Vaticano. "Essa não é uma simples convenção social", disse o papa. "[Porque] as políticas que afetam a família ameaçam a dignidade humana.” O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) ficou indignado com a declaração de Bento 16, que é, segundo ele, suspeito de ser simpático ao nazismo. "Ameaça ao futuro da humanidade são o fascismo, as guerras religiosas, a pedofilia e o abusos sexuais praticados por membros da Igreja e acobertados por ele mesmo", disse. Tweet Com informação...

Roger Abdelmassih agora é também acusado de erro médico

Mais uma ex-paciente do especialista em fertilização in vitro Roger Abdelmassih (foto), 65, acusa-o de abuso sexual. Desta vez, o MP (Ministério Público) do Estado de São Paulo abriu nova investigação porque a denúncia inclui um suposto erro médico. A estilista e escritora Vanúzia Leite Lopes disse à CBN que em 20 de agosto de 1993 teve de ser internada às pressas no hospital Albert Einstein, em São Paulo, com infecção no sistema reprodutivo. Uma semana antes Vanúzia tinha sido submetida a uma implantação de embrião na clínica de Abdelmassih, embora o médico tenha constatado na ocasião que ela estava com cisto ovariano com indício de infecção. Esse teria sido o erro dele. O implante não poderia ocorrer naquelas circunstâncias. A infecção agravou-se após o implante porque o médico teria abusado sexualmente em várias posições de Vanúzia, que estava com o organismo debilitado. Ela disse que percebeu o abuso ao acordar da sedação. Um dos advogados do médico nega ter havido violê...