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Relativismo cultural só funciona em conversa de bar

Título original: Blablablá

por Luiz Felipe Pondé para Folha

O que você faria se estivesse a ponto de assistir a um ritual de antropofagia? Interromperia (sem risco para você)? Ou deixaria acontecer em nome do relativismo cultural (essa ideia que afirma que cada um é cada um, que as culturas devem ser respeitadas em sua individualidade e que não podemos compará-las)?

No primeiro caso, você seria um horroroso descendente dos "jesuítas"; no segundo você seria um relativista chique. Sempre suspeitei que esse papo relativista fosse blablablá. Funciona bem em aula de antropologia, em bares, em parques temáticos e lojas de curiosidades. É evidente que "jesuítas" de todos os tipos fizeram horrores nas Américas. Todo adulto bem educado sabe que é feio condenar cultos à lua ou à chuva. Mas há algo no relativismo cultural que me soa conversa fiada: o relativismo cultural morre na praia quando você é obrigado a conviver com o Outro. E o "Outro" nem sempre é legal.

Se você aceita a antropofagia em nome do respeito à "cultura", aceita implicitamente a ideia de que o valor da vida humana seja subordinado à "cultura". A vida humana não tem valor em si. Todo estudante de antropologia sabe recitar esse credo. Quando confrontado com dilemas como esse, o relativista diz que se trata de uma situação meramente hipotética (hoje não existe mais antropofagia). Mas a verdade é que quando o relativista diz que a antropofagia é hoje quase nula, e, portanto, esse dilema não tem "validade científica", está literalmente correndo do pau porque "alguém" acabou com a antropofagia, não? Por que a antropofagia "acabou"?

Algumas hipóteses: 1) os antropófagos foram mortos por gripes ou em batalhas; 2) foram convertidos pelos horrorosos "jesuítas" e seus descendentes; 3) descobriram formas mais fáceis de comer e rituais que deixam as pessoas (isto é, os Outros) menos irritadas e com menos nojo. É importante conhecer o "lugar" da antropofagia nas religiões dos canibais, mas isso é apenas um "dado" antropológico. Uma descrição de hábitos (ruins). Mas o relativista tem que correr do pau mesmo, porque seu credo funciona bem apenas nas conversas de salão. A vida é sempre pior do que as festas. Relativistas culturais são, no fundo, puritanos disfarçados, gostam de "aquários humanos".

Os seres humanos são culturalmente promíscuos, e "a cultura" sem promiscuidade (trocas, misturas, confusões) só existe nos livros. Use internet, televisão, celulares, aviões e estradas, faça sexo ou guerra, e o papo do relativismo cultural vira piada. Na realidade, as pessoas lançam mão do argumento relativista somente quando lhes interessa defender a "tribo" com a qual ganha dinheiro e fama. O problema com o debate sobre os índios (ou qualquer outra cultura considerada "coitada") é a mitologia que ela provoca. Se, de um lado, alguns falaram dos índios (erradamente) como inferiores, bárbaros ou inúteis, por outro lado, os que "defendem" os índios normalmente caem no mito oposto: eles são legais e só querem viver "sua cultura", e eles não são "capitalistas" como nós, e blablablá. Índios gostam de poder como todo mundo, vide os índios "conscientes de seus direitos" devorando computadores, celulares e internet no Fórum Social, em Belém -ou ficam na idade da pedra mesmo e precisam que o Estado os defenda do mundo.

As culturas mais bem-sucedidas são predadoras e seduzem as mais fracas (ser mais bem-sucedida não implica ser legal). Por que levar medicina científica (invenção dos "opressores") para as aldeias? Não seria contaminação "cultural"? Vamos ou não brincar de "curandeiros"? Que tal abraçar árvores? Se você é católico e quer ser fiel aos seus princípios, você é um retrógrado; se você quer viver no meio da selva (com direitos adquiridos porque você é de uma cultura "coitada"), você é apenas uma tribo com direito a integridade cultural. O conceito de cultura é quase um fetiche do mercado das ciências humanas. Não que não existam culturas, mas o conceito na sua inércia preguiçosa só funciona no laboratório morto da sala de aula ou do museu. A vida se dá de forma muito mais violenta, se misturando, se devorando.

Nada disso é "contra" os índios, mas sim contra o relativismo como ética festiva. O oposto dele não é o obscurantismo, mas a dinâmica da vida real. O relativismo é um (velho) problema filosófico e um "dado" antropológico. Um drama, e não uma solução.





Quem diz amar a humanidade geralmente detesta seu semelhante
setembro de 2010

Artigos de Luiz Felipe Pondé.

Comentários

Anônimo disse…
Interessante. Um dos poucos textos decentes de Pondé na Folha- na verdade, o único que encontrei até agora.

Leonora
Vânia Teixeira disse…
Meu amigo vá se informar sobre os conceitos: relativismo cultural e alteridade antes disso não fale besteira.
Vânia Teixeira disse…
Meu amigo vá se informar sobre os conceitos: relativismo cultural e alteridade antes disso não fale besteira.
Anônimo disse…
Santa ignorância. O cara se passa como filósofo e não sabe a diferença entre relativismo moral e cultural.
Elyson Scafati disse…
Só uma pergunta: Quando foi que Pondé discutiu com um canibal acerca de seus hábitos alimentares?

O relativismo não deve ser compreendido como uma filosofia de que "tudo é permitido e deve ser tolerado", mas como uma forma de respeito ao outro, com base no contexto em que esse outro vive.

Ex. Os esquimós quando foram encontrados pelos europeus,largavam seus idosos para trás, pois quando o inverno chegava, viviam em um limite entre a sobrevivência e a morte, enquanto que na primavera tinham de se mover rapidamente para conseguir comida. Idosos não acompanhavam esse passo e, por essa razão ficavam para trás. Era uma questão de sobrevivência do grupo.

Também, sua religião, ainda hoje, crê na vida após a morte e que vc chegará a esta outra vida como saiu dessa. Daí estimularem a morte de idosos "inúteis" a sua sociedade.

As sociedades evoluem. Valores vêm e vão. Um exemplo claro disso é a descriminalização do adultério no Brasil. Antes punível com cadeia; hoje é um assunto a ser resolvido pelo casal na vara de família.

A moral tem como base a estrutura social de um grupo para que este possa viver e uns conviverem com os outros. A partir do momento em que passamos a viver em sociedade temos de saber até onde nossos direitos vão e em que ponto eles terminam. Por essa razão muitos preceitos morais se tornaram regras absolutas, ou seja, o direito vigente.

O verdadeiro pode ser conhecido sim, e muito. Este verdadeiro depende do sistema em que ele se insere.

Se tratarmos das ciências, e.g. a gravidade, ela é uma verdade absoluta nesse nosso universo. Mas será que sempre foi e que sempre será assim? É obvio que não. Nos primeiros instantes do universo ela não existia no estado em que existe e, ao final do universo ela deixará de existir (por enquanto aceitem esse fato; é uma evidência cosmológica que depende de uma longa explicação que foge ao escopo deste comentário).

Se formos tratar do canibalismo ou outros hábitos que ferem os direitos de terceiros, ou que são prejudiciais à saúde, como a condição de inferioridade da mulher no mundo islâmico e a ausência de liberdade de culto, punível com a morte a quem ousar seguir outro credo, de genocídio como em certos países africanos, ou o regime de castas indiano e o hábito desses indivíduos jogarem seus mortos no Ganges, ou religiões que sacrificam animais, usam psicotrópicos em seus cultos ou que estorquem seus fiéis, pode-se mostrar que tais práticas são prejudiciais à saúde, à política e desenvolvimento de uma nação e as finanças do indivíduo.

Elyson Scafati disse…
Opiniões existem muitas por ai (o mundo do dever ser). Devem ser respeitadas? Depende. Para terem respeito devem ser evidenciadas (o mundo do ser). È o caso das crenças religiosas (espécie do gênero ideologia). Cada qual é livre para seguir o culto que quiser, desde que não prejudique terceiros e que respeite a liberdade do indivíduo. Crenças religiosas estão no mundo do dever ser, por essa razão não se tratam de verdades universais, mas apenas para o seu sistema.

Ideologias político-econômicas ou filosóficas podem ser trabalhadas e evidenciadas como boas ou ruins. É o caso do capitalismo selvagem e do comunismo, que se verificaram ruins para as sociedades (crises econômicas e exploração até de crianças e sucateamento da nação e o Estado ditando o que o indivíduo deveria fazer, respectivamente) e o caso de uma social-democracia e de um neoliberalismo controlado, que não são primores, mas são melhores que os dois anteriores.

Outro exemplo, caindo na lei de Godwin, seria o nazi-fascismo. Embora muitos alemães tenham batido palmas para tal política, obviamente que ela se tratava de um absurdo, o qual levou o mundo a uma guerra sem precedentes, sem falar no desrespeito ao indivíduo.

Ninguém, em sã consciência, defenderia coisas do gênero (citadas nos dois parágrafos acima), pois são patentes formas de risco e prejuízo social.

Concordo com Pondé quando ele diz que todo mundo quer ter as coisas e ser feliz e que não somos obrigados a tolerar qualquer baboseira, por sermos relativistas ou o que quer que seja nosso posicionamento filosófico. Mas discordo de sua análise acerca do relativismo, por ser superficial demais e por exemplificar com falácias da bola de neve.

Para mim, relativismo ao estilo que Pondé coloca é uma grande idiotice. Todavia o que deve ser considerado, é o relativismo moderado (aquele que respeita o indivíduo e bane práticas ruins).

Quanto à verdade absoluta, estou até hoje esperando uma resposta convincente sobre o que é “verdade” e o que é uma “verdade absoluta”, embora, após muitos estudos, tenha criado minha versão do que seja esta "verdade", somente válida dentro do sistema em que ela se insere.

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