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Papa quer incorporar exploração de fiéis ao direito canônico como abuso espiritual

A nova regra poderá punir líderes religiosos que controlam fiéis e os fazem acreditar que desobedecer é agir contra Deus


A Igreja Católica prepara uma mudança histórica no Direito Canônico. O papa Francisco determinou que o abuso espiritual, caracterizado pela exploração e manipulação da fé dos fiéis, seja reconhecido como crime. 

A proposta está em estudo pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, responsável por atualizar as normas disciplinares da Igreja.

Atualmente, o abuso espiritual não é crime canônico, embora as denúncias sejam cada vez mais reconhecidas pelas autoridades eclesiásticas. 

O projeto pretende incluir no código penal da Igreja práticas de manipulação e controle psicológico cometidas sob o pretexto de orientação religiosa.

A iniciativa segue ordem direta do papa para criminalizar o “falso misticismo”, expressão usada por ele para definir líderes e instituições que se colocam como intermediários exclusivos entre Deus e os fiéis. 

A comissão encarregada da proposta é chefiada pelo bispo Filippo Iannone, sob coordenação do cardeal Víctor Manuel “Tucho” Fernández, atual prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé.

Se aprovado, o novo tipo penal permitirá punir condutas que manipulam, controlam, isolam ou prejudicam pessoas em nome da fé.

 O crime estará configurado quando a vítima perder a identidade, a autoestima e a capacidade de pensar por si mesma, acreditando que agir contra o agressor seria agir contra Deus.


O texto em
elaboração
define o abuso
espiritual
como o uso
da autoridade
religiosa para
dominar
consciências,
impor obediência
absoluta ou
explorar a
devoção


Essa forma de dominação inclui manipulações emocionais, humilhações públicas e a indução ao medo divino como ferramenta de controle.

O caso do ex-jesuíta Marko Rupnik acelerou a discussão. Acusado por dezenas de mulheres, incluindo freiras, de abuso sexual e psicológico, ele  será o primeiro a ser julgado pelo Tribunal do Vaticano segundo as novas diretrizes. 

As vítimas afirmam que ele usava a confissão e a direção espiritual para subjugar emocionalmente as fiéis.

Especialistas afirmam que o reconhecimento do abuso espiritual como crime canônico ampliará a proteção na Igreja e servirá de referência para outras religiões. 

As penas previstas incluem suspensão, afastamento do ministério e até expulsão do estado clerical.

Se o novo crime for incorporado ao código, a Igreja poderá punir quem explora a fé para fins de dominação, mesmo que não haja violência física ou sexual. 

A tipificação abrangerá casos em que líderes religiosos forçam fiéis a romper com familiares, a doar bens ou a seguir práticas extremas de obediência.

Para o filósofo e teólogo Gabriel Perissé, autor do livro “Abuso espiritual: a manipulação invisível”, o abuso ocorre quando alguém se vale da autoridade religiosa para dominar outra pessoa. 

Ele define essa prática como uma violação da alma que fere a dignidade humana e destrói a liberdade interior.

Segundo Perissé, o abusador espiritual cria na vítima uma espécie de “novo eu”, moldado para obedecer sem questionar. A pessoa passa a enxergar o mundo com os olhos do manipulador e perde a capacidade de discernimento. A dominação, embora sem marcas físicas, causa danos profundos à mente e à fé.

O teólogo Ronaldo Zacharias observa que o abuso espiritual nasce de líderes que se colocam como únicos intérpretes da vontade divina. 

Para ele, a fé se torna instrumento de poder e o altar, um palco para o narcisismo de quem se diz mensageiro de Deus.

O novo crime canônico deve ter efeito além dos muros da Igreja Católica. A discussão poderá influenciar o senso comum sobre o comportamento de líderes religiosos de outras denominações. 

No Brasil, casos de exploração da fé para enriquecimento pessoal de pastores e apóstolos evangélicos são exemplos de abuso espiritual que o conceito ajudará a identificar.

A codificação do abuso espiritual representa uma tentativa de atualizar o sistema de justiça interna da Igreja às novas formas de violência moral e psicológica. 

O objetivo é impedir que práticas de manipulação continuem impunes por falta de tipificação legal no âmbito eclesial.

Para as vítimas, a mudança simboliza o reconhecimento de que a dominação espiritual é tão grave quanto os abusos físicos. 

O projeto também responde à pressão de movimentos de mulheres consagradas, que há anos denunciam a vulnerabilidade em contextos de obediência religiosa.

O papa Francisco tem insistido que a fé não pode ser usada como arma de coerção. Ao reconhecer o abuso espiritual como crime, ele pretende deixar claro que o poder pastoral tem limites e que a liberdade de consciência é parte essencial da dignidade humana.

A decisão final caberá ao pontífice, após a comissão concluir o texto das novas normas. Caso sancionado, o Vaticano passará a ter uma ferramenta inédita para julgar e punir líderes religiosos que transformam a devoção em instrumento de controle.

A inclusão do abuso espiritual como crime no código canônico poderá redefinir o conceito de autoridade religiosa, obrigando a Igreja a revisar como padres, freiras e bispos exercem influência sobre os fiéis. 

> Com informação do El Diário e outras fontes.

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