Reportagem da revista piauí, assinada por Allan de Abreu, revelou acusações de assédio sexual e moral contra o rabino Ruben Gerardo Sternschein, líder da Congregação Israelita Paulista (CIP), em São Paulo.
O religioso argentino, de 55 anos, ocupa desde 2008 uma das salas no quarto andar da sede da CIP, na Consolação. Segundo a apuração, o escritório serviu de ambiente para relações sexuais com mulheres que buscavam a conversão ao judaísmo.
O processo de conversão é controlado por Sternschein. Ele decide quem pode ser aceito e quando o rito é concluído. As mulheres relataram que o rabino usava essa posição para criar vínculos pessoais e íntimos.
A piauí ouviu cinco mulheres e teve acesso a um documento enviado à Conferência Central dos Rabinos Americanos (CCAR), nos Estados Unidos. O texto relata quatro casos de assédio sexual e oito de assédio moral atribuídos ao rabino.
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Uma das denunciantes, identificada como Taís, apresentou em agosto de 2024 uma denúncia formal à presidente da CIP, Laura Feldman. O documento descreve encontros, mensagens e episódios de assédio durante o curso de conversão.
Ao receber a denúncia, Laura Feldman chorou, abraçou a denunciante e abriu uma sindicância interna. O rabino foi afastado das funções antes do início da apuração.
A investigação durou 90 dias. Nenhuma testemunha aceitou depor. Sem provas diretas, o caso foi encerrado. O rabino retornou ao cargo.
Taís relatou que conheceu o rabino em 2022 e que o relacionamento começou com conversas e caronas após encontros religiosos. As relações sexuais foram consentidas, mas ela afirmou ter se sentido pressionada pela posição de autoridade do rabino.
Em 2023, Taís descobriu que Sternschein se relacionava com outras duas mulheres da comunidade. Após o término, ele continuou tentando reatar. Em um jantar, o rabino teria feito gestos de conotação sexual.
Taís entrou em depressão e pediu afastamento das atividades. Depois, contratou uma advogada e apresentou formalmente a denúncia.
Outro caso relatado à piauí é o de Ana, ex-doméstica que iniciou a conversão em 2021. Ela contou que o rabino insinuava interesse físico durante orações e encontros na CIP. Em um episódio, disse que ele a agarrou em sua sala.
Ana afirmou que os encontros continuaram por meses e que o rabino prometia facilitar sua aprovação no exame final de conversão. Cansada e confusa sobre a fé, desistiu de completar o rito.
Em 2012, Beatriz, então com pouco mais de 50 anos, também se envolveu com Sternschein. Ela já era judia e o procurou em busca de orientação após o fim de um relacionamento.
Durante a conversa, Beatriz chorou. O rabino a abraçou e passou a mão por baixo da blusa dela. “Eu me assustei com aquilo. Nunca esperei aquele tipo de reação da parte dele”, disse à piauí.
Apesar do espanto, os dois mantiveram relações sexuais. Em uma ocasião, fizeram sexo oral no escritório da CIP. “Na época, eu pensava que era a queridinha do rabino. Hoje vejo que não passava de uma boneca inflável dele”, afirmou.
O relacionamento durou três anos. Após terapia, Beatriz encerrou o contato.
Em 2015, durante viagem da CIP a Israel, o rabino tentou se aproximar da advogada Renata. Dentro de um ônibus, tocou a mão dela enquanto dormia.
Em São Paulo, chamou-a para conversar e perguntou sua opinião sobre relações extraconjugais. Renata encerrou o diálogo e se afastou.
Outro relato citado no documento enviado à CCAR é o de Carla, voluntária da CIP. Ela recebeu do rabino uma mensagem sugerindo uma cena sexual descrita em um livro que havia lhe dado de presente. Carla ignorou a investida.
A denúncia coletiva, com 28 depoimentos de funcionários e frequentadores, foi enviada à CCAR em junho de 2024. O documento descreve os atos do rabino como “um jogo de poder”.
A CCAR, com sede em Nova York, confirmou o recebimento, mas informou que Sternschein não era mais membro desde 2021. O órgão encaminhou o documento ao próprio rabino e não abriu investigação.
O código de ética da CCAR prevê punição para “má conduta sexual”, mas não define se o relacionamento entre rabino e fiel convertido é permitido.
O texto afirma que “a má conduta sexual por parte de rabinos é um pecado contra os seres humanos; é também um Chilul Hashem, profanação do nome de Deus”.
Como o Brasil não possui código próprio, o Conselho Rabínico Reformista do país adota o modelo americano.
A CIP confirmou ter recebido a denúncia de Taís. Em nota à piauí, disse ter ouvido diversas pessoas e concluído “não haver qualquer irregularidade ou conduta incompatível com os valores da instituição”.
A congregação também informou que a CCAR encaminhou as denúncias a Sternschein apenas “para assegurar seu direito de defesa”. A CIP afirmou ainda que a autora do documento contra o rabino estaria promovendo “campanha difamatória e persecutória”.
A piauí teve acesso a uma notificação extrajudicial enviada por advogado do rabino, advertindo que a denunciante poderia responder por difamação.
O rabino foi procurado pela reportagem e enviou nota curta: “O rabino Ruben Sternschein reafirma sua conduta ética e ilibada, rejeita as alegações de conduta inapropriada e se declara vítima de campanha difamatória, confiante de que a verdade prevalecerá.”
Após a publicação da reportagem, a CIP divulgou nota pública reafirmando “compromisso com a verdade, a ética e o respeito à dignidade humana”.
A entidade informou que nenhuma irregularidade foi comprovada na denúncia analisada, mas que Sternschein permaneceria afastado das funções “por prazo indeterminado durante as investigações”.
Horas depois, a congregação substituiu a nota por uma versão mais longa, assinada por Laura Feldman e Denise Antão, presidente do conselho. O novo texto anunciou a contratação de uma “consultoria externa especializada” para revisar os fatos.
Durante o afastamento, as cerimônias religiosas passaram a ser conduzidas pelos rabinos Dario Bialer e Rav Natan Freller.
Fundada na década de 1930 por judeus alemães que fugiam do nazismo, a CIP reúne cerca de duas mil famílias. É o principal centro do judaísmo reformista do país.
A instituição mantém projetos sociais, como o Lar das Crianças, que atende quinhentas crianças de baixa renda em São Paulo.
A divulgação dos casos expôs a ausência de regras claras sobre conduta sexual de rabinos no Brasil e reacendeu o debate sobre a relação de poder no ambiente religioso.
Especialistas ouvidos pela piauí afirmam que o assédio se caracteriza mesmo quando há consentimento, desde que exista relação hierárquica.
O professor Taiguara Libano Soares, da Universidade Federal Fluminense, explicou que “o crime ocorre quando o indivíduo, valendo-se da posição hierárquica, busca favores sexuais da vítima”. A pena varia de um a dois anos de prisão.
A psicóloga Liliane Domingos Martins, do Ministério Público de Goiás, destacou que vítimas de líderes religiosos sofrem duplo impacto: “Além da culpa, há a crise espiritual. A mulher questiona a própria fé.”
A CIP não informou se pretende abrir nova sindicância. Sternschein continua afastado e não há previsão de retorno.
> Com informações de Allan de Abreu, da revista piauí.
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