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Escritor ateu relata em livro viagem que fez com o papa Francisco, 'o louco de Deus'

A Record lança em novembro o livro “O louco de Deus no fim do mundo”, que o espanhol Javier Cercas, ateu convicto, escreveu sobre a conversa que teve com papa Francisco durante um voo do Vaticano a Mongólia.


A narrativa é dividida em três partes. Elas incluem entrevistas com cardeais e jornalistas, a viagem em si e reflexões sobre a igreja.

A obra aborda temas como a busca por respostas sobre a vida e a morte. Cercas questiona a possibilidade de sua mãe reencontrar seu pai, falecido.

O autor é conhecido por “romances sem ficção” como os livros “Soldados de Salamina” e "Impostor”.

O Vaticano não deu aval ao livro. Cercas acredita que Francisco não leu a obra. Disse ter voltado maravilhado com o pontífice. Ele continua ateu.

Cercas saudou a propensão de Francisco ao diálogo e também destacou a complexidade de sua personalidade.

Em abril de 2025, o jornal La Stampa publicou um artigo de Cercas no qual ele conta como recebeu do Vaticano para viajar com o papa. Por um segundo ele achou que fosse uma brincadeira.
 
Capa do livro
na edição
espanhola



O artigo Cercas
sobre como
foi convidado
pelo Vaticano


Sou ateu. Sou anticlerical. Sou um laicista militante, um racionalista teimoso, um ímpio rigoroso. Mas aqui estou eu, voando para a Mongólia com o idoso vigário de Cristo na Terra, pronto para questioná-lo sobre a ressurreição da carne e a vida eterna. Por isto, embarquei neste avião: para perguntar ao Papa Francisco se minha mãe verá meu pai depois da morte e para levar à minha mãe a sua resposta.

"Aqui está um louco sem Deus perseguindo o louco de Deus até o fim do mundo” (Javier Cercas, no prefácio de seu novo livro Il folle di Dio alla fine del mondo, ed. Guanda) Tudo começou em 21 de maio de 2023, em Turim. 

Naquela tarde, eu estava autografando exemplares de meus livros no Salone del Libro, depois de ter passado uma hora falando em público sobre a famigerada figura do intelectual, quando a responsável pela assessoria de imprensa da minha editora italiana me avisou que um representante do Vaticano estava esperando para falar comigo. “Do Vaticano?”, perguntei, surpreso. Ela deu de ombros e apontou para um homem que estava esperando. De repente, lembrei-me.

Duas semanas antes, eu havia recebido um telefonema de um número privado e, movido por minha paixão pela roleta russa, atendi. Uma voz cavernosa ressoou em meu celular. Disse que estava ligando do Vaticano, apresentou-se como um funcionário do Dicastério de Cultura e Educação da Santa Sé, explicou que em 23 de junho aconteceria o 50º aniversário da abertura da Coleção de Arte Moderna e Contemporânea dos Museus Vaticanos e que, para comemorar a ocasião, o Papa Francisco queria reunir alguns artistas na Capela Sistina.

Cresci em um país católico, em uma família católica e em uma escola católica, portanto, por mais descrente que eu seja, semelhante convite é quase irresistível para mim; no entanto, enquanto a voz de além-túmulo do funcionário do Vaticano continuava a ressoar em meu celular e eu folheava minha agenda, pensei em resistir ao convite: parecia demais ir até Roma apenas para ouvir algumas palavras do Papa Francisco. 

Eu já tinha a recusa na ponta da língua quando - oh, milagre! - descobri em minha agenda que justamente no dia 23 de junho eu deveria pegar um avião para Roma e depois ir para Pescara. Vencido pela coincidência, garanti ao emissário do Vaticano que faria todo o possível para estar presente ao encontro com o Papa e, imediatamente depois, escrevi para minha editora italiana para antecipar o voo para Roma para o dia 22, de modo que na manhã do dia 23 eu pudesse participar da recepção papal e depois ir para Pescara.

Portanto, naquela tarde, na Feira do Livro de Turim, pensei que o homem do Vaticano queria falar sobre o encontro com o papa na Capela Sistina.

Erro. O sujeito se chamava Lorenzo Fazzini, se apresentou como o chefe da Libreria Editrice Vaticana (LEV), a editora da Santa Sé, e me disse sem rodeios que o papa Francisco estava indo para a Mongólia no final de agosto e que no Vaticano haviam pensado em mim para escrever um livro sobre a viagem, sobre o papa, sobre a Igreja, sobre o Vaticano, sobre o que eu quisesse.

Por um segundo, achei que fosse uma brincadeira. Olhei para o sujeito: não era uma brincadeira. Depois disso, Fazzini me contaria que minha primeira reação à sua proposta havia sido soltar um: “Vocês enlouqueceram ou o quê?” A verdade: não me lembro.

O que me lembro é que, assim que consegui me recuperar da surpresa, fiz a ele uma pergunta do tipo: “Mas, veja bem, vocês não sabem que sou um cara perigoso?” Fazzini sorriu. Era um homem de meia-idade, corpulento e de óculos; não parecia um padre - e não era - mas vestia-se todo de preto e tinha o ar aflito de um executivo e um aspecto rústico. 

Havia uma sombra de zombaria em seu sorriso – “Não banque o espertinho”, dizia; ou “Você não me engana, rapaz”- e imediatamente entendi que aquele homem grande e eu poderíamos nos entender.

“Essa não é uma proposta que faríamos a qualquer um”, advertiu Fazzini, em resposta. “Na verdade, pelo que sei, seria a primeira vez que alguém escreveria um livro assim, sobre uma viagem de um Papa. É a primeira vez que o Vaticano abre suas portas para um escritor, para que ele converse com quem quiser e pergunte o que quiser. Acredite: nós nos informamos sobre você”.

Conversamos por uns vinte minutos. Fazzini me explicou que sabiam no Vaticano que eu não era crente e que era exatamente por isso que estavam me propondo para escrever o livro: não queriam que um dos seus o escrevesse; ele se apressou em acrescentar que, é claro, eu teria total liberdade, que, na realidade, o Vaticano não estava me encomendando o livro, simplesmente me dava a oportunidade, que eles nem mesmo pretendiam publicá-lo com sua editora, que eu poderia publicá-lo com quem eu quisesse, como eu quisesse e quando eu quisesse, que eles simplesmente se teriam limitado a me oferecer todas as facilitações, que seu objetivo não era propagandístico nem econômico. .. 

Eu o escutava atônito e, em determinado momento, perguntei-lhe se, caso eu concordasse em escrever o livro, poderia falar em particular com o papa. Fazzini respondeu que não poderia me garantir isso naquele momento, reconheceu que o livro ainda era apenas um projeto do Dicastério para a Comunicação, o Ministério da Comunicação do Vaticano, que a ideia tinha vindo de seu chefe, o diretor do órgão, Paolo Ruffini, e que o Papa ainda nem tinha dado a autorização para realizá-lo. “Não se preocupe”, disse Fazzini. “Se o papa aceitar a ideia, faremos todo o possível para que você fale com ele.”

Depois insistiu na natureza excepcional da viagem. “Francisco não visitou os grandes países católicos, mas está indo para a Mongólia, um país budista com pouco mais de três milhões de habitantes e apenas mil e quinhentos católicos”, explicou. “Este Papa quer ir aonde ninguém quer ir, no lugar mais remoto e difícil.” Fazzini acrescentou que não queria que eu me sentisse pressionado, mas pediu para que eu considerasse a proposta. No final, marcou um encontro para alguns dias depois (“Sei que você estará no encontro do Papa para os artistas, na Capela Sistina; eu também estarei lá”), para falar mais sobre o assunto.

Naquela noite, não fechei o olho. Revirando na cama em meu hotel em Turim, pensei: “Primeiro o funcionário do Vaticano, sua voz escatológica ao telefone e a coincidência providencial entre minha viagem a Pescara e o encontro com o papa na Capela Sistina. E agora o enviado do Vaticano e a proposta do livro sobre o Papa”. 

Pensei em Bob Dylan, que havia se convertido ao cristianismo e, para grande escândalo dos dylanófilos, havia cantado para João Paulo II. “Se eu fosse Dylan”, pensei, “aceitaria imediatamente a proposta”. Pensei em Johann Sebastian Bach, que compunha somente para Deus e cuja música é praticamente impossível de ser escutada sem sentir um desejo irreprimível de crer em Deus. “Se eu fosse Bach”, pensei, “aceitaria imediatamente”. E pensei: “Se uma única gota do sangue de Bach corresse em minhas veias, se minha carne contivesse um único átomo da carne genial de Bach, sentiria que Deus está me chamando”.

Esse pensamento me levou de volta a uma experiência mística. Eu a vivenciei certa manhã em uma estação de metrô de Barcelona. Era a hora do rush, fazia um calor terrível no vagão e, para escapar daquela tortura, coloquei uma música no meu celular e, por acaso, escolhi a famosa Cantata BWV 147, intitulada Jesus é minha alegria. 

Então, assim que aquela música sobre-humana começou a tocar nos meus fones de ouvido, tive a certeza de que se abriria o firmamento, Deus Nosso Senhor teria aparecido e levantaria no ar aquele mastodonte cheio de infelizes enquanto sua voz divina trovejaria (bastante irritado, por sinal): “Então eu não existo, hein, seus idiotas? Em vez disso, aqui estou eu, com barba e tudo. Vão se f*, a farsa acabou: todos no Paraíso! Você também, Javierito, não se esconda, seu verme repugnante anticlerical! 

Eu estava prestes a mandá-lo direto para o Inferno dos réprobos, com Walt Disney e Jack, o Estripador, mas meu amigo aqui, Johann Sebastian, intercedeu por você (nesse momento, Bach apareceu ao lado do Redentor, obeso e com sua peruca empoada, junto com suas duas esposas e os vinte filhos, e acenou com uma mãozinha roliça para mim). Você teve uma sorte inacreditável!”.

Foi então que, depois de recordar aquela visão salvífica, lembrei-me de minha mãe viva e de meu pai morto, ambos católicos convictos, lembrei-me de que, desde a morte de meu pai, minha mãe repetia sem parar que o encontraria novamente após a morte, e eu disse a mim mesmo que, se eu pudesse ter alguns minutos a sós com o papa e pudesse conversar com ele sobre a ressurreição da carne e a vida eterna e perguntar-lhe se minha mãe realmente veria meu pai novamente, então faria todo o sentido do mundo escrever aquele livro. 

Sem dormir por causa daqueles pensamentos, levantei-me para contemplar o nascer do sol em Turim.

> Com informação de La Stampa e de outras fontes.

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