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Estudo associa extinção das preguiças-gigantes aos caçadores humanos

Análises evolutivas indicam que a disseminação de Homo sapiens pela América coincidiu com picos de extinção


Maria Guimarães 
jornalista 

Pesquisa Fapesp
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Imagine uma paisagem no Pantanal ou no Pampa, com suas amplidões de vegetação rasteira, entrecortada por imensos animais de até 4 toneladas, as preguiças-gigantes. 

No litoral, seria possível encontrar preguiças enormes com hábitos anfíbios, que passavam a maior parte do tempo na água e se alimentavam do pasto de algas no fundo do mar. 

Em áreas mais florestais de qualquer recanto do continente americano, bichos de até 100 quilogramas (kg) eventualmente subiriam pelos troncos das árvores, enquanto em versões menores, de até 10 kg e constantemente pendurados nos galhos de barriga para cima, habitariam as copas. 

Estes últimos você talvez já tenha visto, na Amazônia ou na Mata Atlântica, se olhou com atenção para cima enquanto andava pela mata. Ou em algum zoológico. Todas as outras versões de preguiças foram extintas, provavelmente por uma combinação de fatores ambientais e humanos. Com destaque para a caça, de acordo com artigo publicado na revista Science desta semana (22/5).

“Teríamos hoje uma gama de tamanhos muito maior do que temos, se eventos extremos não tivessem levado à extinção”, especula o zoólogo Daniel Casali, pesquisador em estágio de pós-doutorado no grupo do paleontólogo Max Langer, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). 

Eles fizeram o trabalho em parceria com colegas do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet) da Argentina, da Universidade de Buenos Aires, entre outras instituições de vários países.

     Foto: Alberto Boscaini / Conicet

Esqueleto de Megatherium
americanum, uma enorme
preguiça terrestre, no
Museu Argentino de
Ciências Naturais
“Bernardino Rivadavia”


Ao longo de ao menos 35 milhões de anos, as preguiças evoluíram isoladamente na América — do extremo norte, no Alasca, ao extremo sul, na Patagônia. 

Existiram mais de 100 gêneros, com uma variação de tamanho enorme, dos quais só restaram os dois gêneros mais diminutos, que não passam de 1 metro de comprimento: as preguiças-de-dois-dedos (Choloepus), que vivem na Amazônia e na América Central, e as preguiças-de-três-dedos (Bradypus), que, além de se sobreporem à distribuição das primas de dois dedos, também chegam à Mata Atlântica.

“Usamos modelos evolutivos para analisar variáveis que explicariam as diferenças de massa corporal”, conta Casali. 

As conclusões indicaram uma associação muito forte do substrato preferido para viver — solo, árvore ou uma combinação de ambos — com o tamanho do corpo. Outras variáveis que os pesquisadores consideraram foram a capacidade de cavar, a dieta, a temperatura e a pressão de predação. 

Não é surpreendente, mas eles descobriram que as mudanças evolutivas que geraram espécies mais arborícolas foram associadas à diminuição de tamanho, enquanto o gigantismo exigia as patas no chão. 

Segundo Casali, o tamanho avantajado torna os animais mais vulneráveis, por serem mais visíveis e cobiçados, ao mesmo tempo que os protege, por torná-los mais resistentes e capazes de subsistir a temperaturas baixas.

O estudo indicou que a preguiça ancestral seria grande e terrestre. O evento principal de extinção teria acontecido, conforme as análises, por volta de 15 mil anos atrás, um período concomitante com a disseminação da presença humana no continente. 

Um segundo momento que marcou o desaparecimento de espécies se deu na região do Caribe entre 9 mil e 5 mil anos atrás, o que — mais uma vez — coincide com a colonização da área por seres humanos.

O surgimento do hábito arbóreo teria se dado por processos evolutivos muito rápidos de redução no tamanho e parece ter sido crucial na sobrevivência. 

Talvez por isso os gêneros que ainda existem são exclusivamente arborícolas e não ganharam muitas ramificações na árvore genealógica que os pesquisadores traçaram usando uma combinação de dados moleculares e anatômicos. 

“Também é bem provável que outras espécies tenham existido, mas não estejam representadas no registro fóssil pelas más condições de preservação no ambiente florestal, ou ainda porque não houve trabalho de campo suficiente para encontrá-los”, ressalva Casali. 

Além disso, a tradição de pesquisa paleontológica é mais forte no sul do continente, embora esforços de procura por fósseis em outras regiões tenham se tornado mais comum nos últimos anos.

Casali não elimina o clima da equação — é inegável que as flutuações de temperatura e umidade tenham imposto desafios à subsistência —, mas as mudanças mais drásticas não coincidem de forma tão convincente com as extinções.

 “É uma questão de perspectiva de como esses depósitos fossilíferos são analisados”, pondera o geógrafo especializado em paleontologia Fábio Cortes Faria, pesquisador em estágio de pós-doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Em fevereiro, ele e seus orientadores de doutorado, os paleontólogos Ismar de Souza Carvalho, da UFRJ, e Hermínio de Araújo-Júnior, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), publicaram na revista científica Journal of South American Earth Sciences um artigo polêmico que enfraqueceria a hipótese da caça como motor da extinção da megafauna, que além das preguiças incluía outros gigantes, como os mastodontes e os tigres-dentes-de-sabre.

A datação de exemplares coletados no Ceará e em Mato Grosso do Sul lhes permitiu afirmar que nesses lugares havia fauna gigante há 3,5 mil anos, tarde demais para a hipótese de caça maciça e favoreceria a visão de que os animais teriam sucumbido a dificuldades ambientais. 

Na amostra, havia preguiças-gigantes com datas tão recentes quanto 6 mil anos atrás.

“Vemos mudanças climáticas e ambientais abruptas que coincidem com o fim do Último Máximo Glacial, entre 21 mil e 6 mil anos atrás, período marcado por aquecimento e aumento na umidade”, afirma Faria.

Ao pensar nos assentamentos humanos daquela época, que, segundo sua descrição, eram pouco populosos e esparsos, o pesquisador não imagina que fossem suficientes para causar a extinção de tantas espécies. 

“É bom que não haja consenso quanto a isso, assim a ciência avança”, contemporiza. 

Para ele, é preciso fazer muito mais pesquisa para avaliar o impacto da ação antrópica nesses animais e chegar a uma apreciação de sua importância relativamente às mudanças do clima. 

“Sabemos que ambas as forças estavam atuando em sinergia e dizimando as espécies, mas ainda temos uma lacuna sobre o que causou o ponto-final.”

Ele pretende continuar perseguindo a datação de fósseis da megafauna para preencher essas falhas no histórico temporal das extinções.

Entender melhor até que ponto iam as interações entre os seres humanos e a megafauna é o foco da paleontóloga brasileira Thais Pansani, pesquisadora associada da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos. 

Em 2023, ela e a colega Mírian Pacheco, da Universidade Federal de São Carlos, publicaram um artigo na revista científica Proceedings of the Royal Society B no qual descreviam um pingente feito há cerca de 25 mil anos, onde agora é o Centro-Oeste brasileiro, a partir de um osso de preguiça-gigante. 

O achado leva a suspeitar a interação entre os seres humanos e o bichão, embora não seja possível cravar se ela envolveu a caça ativa ou se os ossos foram retirados de uma carcaça recente.

Para aprofundar esse conhecimento, a missão de Pansani é continuar a visitar coleções e analisar espécimes da megafauna em busca desse tipo de alteração. 

“Estamos analisando ossos do mesmo local, o sítio arqueológico Santa Elina [em Mato Grosso], que podem ter sido queimados”, conta. 

A questão é fazer análises microscópicas e químicas para distinguir entre mecanismos naturais que tenham alterado a cor e a textura dos ossos e a ação de uma fogueira no ato de fazer um churrasco de preguiça-gigante.

“O artigo de Casali é uma ótima contribuição para o tema do papel da caça na extinção das preguiças, de uma forma menos enviesada possível”, avalia Pansani, referindo-se ao uso de modelos evolutivos em uma escala de tempo muito ampla, em uma grande diversidade de espécies. 

É uma visão mais neutra porque a maioria das pessoas poderia pensar que, se o ser humano chegou à América do Sul há pelo menos 20 mil anos, a extinção 5 mil ou 10 mil anos depois poderia não ser uma consequência direta. 

“Na visão arqueológica, 10 mil anos é muito tempo, mas na escala paleontológica é um tempo de convivência muito breve.” Mas seu impacto pode ter sido drástico.

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