Pular para o conteúdo principal

Mulheres vão mais aos consultórios psiquiátricos públicos, confirmam dados de Rio Preto

Em cidade paulista que fica a 445 km da capital, as mulheres até 45 anos compõem mais de 75% dos atendimentos


Julia Moióli
jornalista

Agência FAPESP
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Pesquisadores da Famerp analisaram dados de 8.384 consultas realizadas no Hospital de Base de São José do Rio Preto num período de dois anos e constataram realidade similar à de outros serviços do SUS. 

Resultados divulgados na revista Frontiers in Psychiatry apontam os transtornos mais comuns e os medicamentos mais prescritos

Mais de 75% dos pacientes atendidos no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital de Base da cidade de São José do Rio Preto são mulheres com média de idade de 45 anos e queixas de tristeza, ansiedade e irritabilidade, de acordo com estudo publicado na revista Frontiers in Psychiatry. 

O resultado, compatível com dados da literatura nacional e internacional, chama a atenção para a importância do diagnóstico e tratamento de doenças mentais e pode ajudar a orientar políticas públicas relacionadas.

Mulheres são as
principais vítimas da 
violência doméstica
FOTO: FREEPICK

“A realidade observada em São José do Rio Preto é semelhante à de outros ambulatórios de psiquiatria da rede pública regional e nacional”, afirma Gerardo Maria de Araújo Filho, professor do Departamento de Ciências Neurológicas, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e coordenador da pesquisa, financiada pela FAPESP por meio de dois projetos (20/09891-9 e 21/11939-2).

Em todo o mundo, com cada vez mais frequência, os transtornos de saúde mental são responsáveis pelo comprometimento da qualidade de vida e da capacidade para o trabalho.

No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, esse tipo de problema afeta 20% da população adulta, sendo grave e persistente em 3% dos casos e, em 6% deles, decorrente do uso de álcool e outras drogas. 

Além disso, 12% das pessoas necessitam de algum cuidado contínuo ou ocasional. Apesar disso, apenas 2,3% do orçamento anual do Sistema Único de Saúde (SUS) é destinado a essa área.

“Melhorar a identificação de características clínicas e epidemiológicas é um passo fundamental para estabelecer protocolos mais eficientes, desenvolver políticas públicas e promover melhorias nos serviços”, diz o pesquisador.

Para obter essas informações, um grupo de pesquisadores liderados por Araújo analisou dados de registros médicos eletrônicos referentes a 8.384 atendimentos clínicos realizados, entre março de 2019 e março de 2021, no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital de Base de São José do Rio Preto, que oferece atendimento multidisciplinar para pacientes psiquiátricos do noroeste paulista e é um serviço público de referência para 2 milhões de habitantes de 102 municípios da região.

O seguinte perfil foi traçado: a maioria dos pacientes é do sexo feminino, tem média de idade de 45 anos e sofre majoritariamente de ansiedade generalizada. 

Os sintomas da doença mais relatados são tristeza, ansiedade e irritabilidade. Os medicamentos mais prescritos são antidepressivos do tipo inibidor seletivo de recaptação de serotonina (ISRS), como o cloridrato de sertralina.

“Observamos que, na maioria dos casos, quem busca o atendimento são donas de casa bastante acometidas de quadros depressivos e ansiosos, o que traz à tona, mais uma vez, a discussão sobre o acúmulo de papéis e funções pelas mulheres”, comenta Araújo. 

“Também vale destacar que se trata de um grupo de risco para transtornos mentais por serem mais vítimas da violência doméstica.”

“Outro ponto a ser ressaltado é que a mulher tem por hábito procurar assistência médica e psicológica com mais frequência do que o homem, que geralmente escamoteia os transtornos mentais, inclusive com o uso de álcool e outras substâncias psicoativas”, afirma  Cinara Cássia Brandão, professora do Departamento de Biologia Molecular da Famerp e coautora do trabalho.

Se houve predomínio de mulheres (78,86%) com transtornos de ansiedade e depressão entre os atendimentos, a esquizofrenia prevaleceu entre os homens (59%) – assim como o transtorno delirante (57,89%), o abuso de álcool (70%) e de substâncias ilícitas (60%).

A duração média observada das doenças e dos tratamentos foi, respectivamente, cerca de 15 e de nove anos quando considerados ambos os sexos – entre mulheres apenas foi de 14 e nove anos e, entre os homens, de 18 e oito anos.

O diagnóstico que apresentou maior duração média foi o transtorno afetivo bipolar (episódio hipomaníaco, que é um quadro mais leve de mania, com sintomas como maior disposição e sociabilidade, iniciativa e energia), com aproximadamente 29 anos, enquanto os episódios depressivos moderados tiveram a menor duração (cerca de dez anos).

Em relação a medicamentos prescritos, a média registrada por paciente na última consulta foi de quatro, sendo que indivíduos com transtorno afetivo bipolar, episódio maníaco atual com sintomas psicóticos e transtorno delirante orgânico foram os mais medicados.

Rede de proteção

Conforme os pesquisadores envolvidos, além de traçar o perfil dos pacientes para balizar políticas públicas e estabelecer protocolos de atendimento mais específicos, o estudo também traz à tona a importância dos ambulatórios públicos especializados em saúde mental. “A população de baixa renda recebe a assistência necessária, à qual não teria acesso de outra forma – essa é a importância desse tipo de serviço dentro da política nacional de saúde mental”, diz Araújo.

“E, mais do que isso, lança um olhar cuidadoso sobre a necessidade de acompanhamento dos pacientes, por meio de uma rede de amparo e atenção psicossocial que una diversas especialidades relevantes para esse fim e seja orquestrada pela atuação conjunta de municípios, estados e governo federal.”

> O artigo Clinical and epidemiological profile of patients with mental disorders in a specialized outpatient clinic and its role in the psychosocial care network” pode ser lido em: www.frontiersin.org/journals/psychiatry/articles/10.3389/fpsyt.2024.1274192/full.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Professor obtém imunidade para criticar criacionismo nas aulas

A Corte de Apelação da Califórnia (EUA) decidiu que um professor de uma escola pública de Mission Viejo tem imunidade para depreciar o criacionismo, não podendo, portanto, ser punido por isso. A cidade fica no Condado de Orange e tem cerca de 94 mil habitantes. Durante uma aula, o professor de história James Corbett, da Capistrano Valley High School, afirmou que o criacionismo não pode ser provado cientificamente porque se trata de uma “bobagem supersticiosa”. Um aluno foi à Justiça alegando que Corbett ofendeu a sua religião, desrespeitando, assim, a liberdade de crença garantida pela Primeira Emenda da Constituição. Ele perdeu a causa em primeira instância e recorreu a um tribunal superior. Por unanimidade, os três juízes da Corte de Apelação sentenciaram que a Primeira Emenda não pode ser utilizada para cercear as atividades de um professor dentro da sala de aula, mesmo quando ele hostiliza crenças religiosas. Além disso, eles também argumentaram que o professor não ...

Aluno com guarda-chuva se joga de prédio e vira piada na UERJ

"O campus é depressivo, sombrio, cinza, pesado" Por volta das 10h de ontem (31 de março de 2001), um jovem pulou do 11º andar do prédio de Letra da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e virou motivo de piadinhas de estudantes, no campus Maracanã e na internet, por ter cometido o suicídio com um guarda-chuva. Do Orkut, um exemplo: "Eu vi o presunto, e o mais engraçado é que ele está segurando um guarda-chuva! O que esse imbecil tentou fazer? Usar o guarda-chuva de paraquedas?" Uma estudante de primeiro ano na universidade relatou em seu blog que um colega lhe dissera na sala de aula ter ouvido o som do impacto da queda de alguma coisa. Contou que depois, de uma janela do 3º andar, viu o corpo. E escreveu o que ouviu de um estudante veterano: “Parabéns, você acaba de ver o seu primeiro suicídio na UERJ.” De fato, a morte do jovem é mais uma que ocorre naquele campus. Em um site que deu a notícia do suicido, uma estudante escreveu: “O campus é depressivo, s...

Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola

O estudante já vinha sendo intimidado O estudante Ciel Vieira (foto), 17, de Miraí (MG), não se conformava com a atitude da professora de geografia Lila Jane de Paula de iniciar a aula com um pai-nosso. Um dia, ele se manteve em silêncio, o que levou a professora a dizer: “Jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida”. Era um recado para ele. Na classe, todos sabem que ele é ateu. A escola se chama Santo  Antônio e é do ensino estadual de Minas. Miraí é uma cidade pequena. Tem cerca de 14 mil habitantes e fica a 300 km de Belo Horizonte. Quando houve outra aula, Ciel disse para a professora que ela estava desrespeitando a Constituição que determina a laicidade do Estado. Lila afirmou não existir nenhuma lei que a impeça de rezar, o que ela faz havia 25 anos e que não ia parar, mesmo se ele levasse um juiz à sala de aula. Na aula seguinte, Ciel chegou atrasado, quando a oração estava começando, e percebeu ele tinha sido incluído no pai-nosso. Aparentemen...

Seleção feminina de vôlei não sabe que Brasil é laico desde 1891

Título original: O Brasil é ouro em intolerância Jogadoras  se excederam com oração diante das câmeras por André Barcinski para Folha Já virou hábito: toda vez que um time ou uma seleção do Brasil ganha um título, os atletas interrompem a comemoração para abrir um círculo e rezar. Sempre diante das câmeras, claro. O mesmo aconteceu sábado passado, quando a seleção feminina de vôlei conquistou espetacularmente o bicampeonato olímpico em cima da seleção norte-americana, que era favorita. O Brasil é oficialmente laico desde 1891 e a Constituição prevê a liberdade de religião. Será mesmo? O que aconteceria se alguma jogadora da seleção de vôlei fosse budista? Ou mórmon? Ou umbandista? Ou agnóstica? Ou islâmica? Alguém perguntou a todas as atletas e aos membros da comissão técnica se gostariam de rezar o “Pai Nosso”? Ou será que alguns se sentiram compelidos a participar para não destoar da festa? Será que essas manifestações públicas e encenadas, em vez de prop...

Neymar paga por mês R$ 40 mil de dízimo à Igreja Batista

No noticiário, casos de pastores pedófilos superam os de padres

Existe uma relação óbvia entre ateísmo e instrução

de Rodrigo César Dias   (foto)   a propósito de Arcebispo afirma que ateísmo é fenômeno que ameaça a fé cristã Rodrigo César Dias Acho que a explicação para a decadência da fé é relativamente simples: os dois pilares da religião até hoje, a ignorância e a proteção do Estado, estão sendo paulatinamente solapados. Sem querer dizer que todos os religiosos são estúpidos, o que não é o caso, é possível afirmar que existe uma relação óbvia entre instrução e ateísmo. A quantidade de ateus dentro de uma universidade, especialmente naqueles departamentos que lidam mais de perto com a questão da existência de Deus, como física, biologia, filosofia etc., é muito maior do que entre a população em geral. Talvez não existam mais do que 5% de ateus na população total de um país, mas no departamento daqueles cursos você encontrará uma porcentagem muito maior do que isso. E, como esse mundo de hoje é caracterizado pelo acesso à informação, como há cada vez mais gente escolarizada e dipl...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus